Isadora encarava a cafeteira como quem encara um inimigo ancestral. A máquina era enorme, brilhava mais do que deveria e tinha mais botões do que o necessário para um objeto que deveria apenas fazer café.
“Não deve ser tão difícil”, pensou, com otimismo ingênuo. Colocou a cápsula, apertou o botão errado, depois o certo, depois um aleatório... e então a cafeteira começou a apitar. Alto. Repetidamente. Como se tivesse entrado em modo ataque. — Shhh! — ela sussurrou, batendo de leve na lateral da máquina. Nada. O apito ficou mais intenso. Começou a sair vapor. Ela puxou a cápsula, a água começou a vazar. Tentou estancar com um guardanapo, mas parecia que tinha aberto uma fenda para o inferno. Foi nesse exato momento que a porta da sala de Lorenzo se abriu. Outra vez. Ele apareceu, sem pressa, como quem já esperava o caos. — Isso é um ataque ou um novo método de fazer café? — Eu... eu juro que segui o manual — disse Isadora, com um guardanapo encharcado na mão e olhos arregalados. Lorenzo cruzou o corredor até ela. Apertou dois botões, girou uma válvula e a cafeteira silenciou, como um dragão domado. — Não é por cápsula. É automática. Essa alavanca aqui ativa o vapor para aquecer o leite. Você puxou sem o reservatório encaixado — explicou ele, com paciência quase cínica. — Ah. Claro. Super lógico... pra um engenheiro da NASA — murmurou. Ele olhou para ela. Por um segundo, seus olhos pareceram menos gélidos. Quase... divertidos? — Tente não destruir mais nada hoje. — Prometo que só vou destruir minha dignidade, chefe. O que sobrou dela. Ele soltou um ruído baixo. Um quase riso. Quase. Minutos depois, com café devidamente preparado e sem alarme de incêndio ativado, Isadora voltou ao trabalho. Respondia e-mails, organizava pautas, e revisava o release da campanha. Estava tão concentrada que nem percebeu o tempo passar. Às 11h45, Lorenzo passou por ela e disse: — Sala de reuniões em quinze minutos. Traga as minutas do jurídico e o cronograma de imprensa. Ela assentiu, pegou os documentos, revisou tudo com a velocidade de quem tem um furacão prestes a passar e foi para a sala indicada. A reunião foi tensa. Conselheiros exigentes, prazos apertados, metas inalcançáveis ditas como metas “conservadoras”. Mas Lorenzo era um estrategista frio, direto e impressionante. Respondia tudo com firmeza, domínio absoluto, e uma clareza que deixava todos sem réplica. Isadora anotava freneticamente. Em determinado momento, um dos conselheiros — um senhor de cabelos brancos e voz irritante — fez uma piadinha sobre “a nova assistente ser decorativa”. Ela travou. Mas antes que pudesse responder, Lorenzo olhou direto para o homem e disse: — A senhorita Mendes é extremamente eficiente. E essencial ao andamento do que foi entregue até agora. Se tiver alguma dúvida, posso enviar as atas e o material que ela organizou esta manhã. Silêncio. O homem recuou. Isadora quase caiu da cadeira. Quando a reunião terminou, ela agradeceu enquanto recolhia seus papéis. — Obrigada por me defender lá dentro. Lorenzo olhou para ela por um instante, depois respondeu, simplesmente: — Eu não defendo incompetência. Só o que é justo. E saiu, deixando-a com um misto de orgulho e confusão. Ela voltou para a mesa e, pela primeira vez no dia, respirou aliviada. Ainda estava de pé. Ainda empregada. E, surpreendentemente, com uma pontinha de respeito no olhar gélido de Lorenzo Alcântara. Mas o dia ainda não tinha acabado. E ela ainda não sabia que, no dia seguinte, teria que acompanhá-lo a um evento de gala. À noite. Com salto. E... vestido longo. Fim do expediente? Quase. Fim da paz? Com certeza não.