Capítulo 8

Paloma sacudiu a cabeça, tentando afastar os pensamentos e focar em tia Cida. Se a tia não estivesse precisando tão desesperadamente de ajuda financeira, ela mesma já teria deixado toda essa história pra lá. No fundo, preferia esquecer tudo. César Monteiro, culpado ou não, era um homem esperto, influente... e perigoso.

Mas havia o tal contrato, assinado por Charles. E se, no fim das contas, ela estivesse errada? E se quem tinha razão fosse César Monteiro?

Paloma afastou o pensamento imediatamente. Não, de jeito nenhum. Charles tinha sido claro na carta; disse que Monteiro não o enganaria desta vez. O que só podia significar que ele já tinha sido passado pra trás antes.

Meu Deus...

Estava de volta à estaca zero.

Com um suspiro longo, Paloma se levantou e foi até a cozinha. Não havia nada decente para cozinhar, e o sinal do celular era tão ruim que nem conseguia acessar o aplicativo de entregas para pedir alguma coisa. Também não tinha a menor disposição para entrar no Celta e sair por aí procurando um mercadinho ou algum lugar que vendesse marmita.

Imaginou o carro, fervendo por dentro depois de passar o dia sob o sol, sem ar-condicionado... só de pensar, desistiu.

Abriu a geladeira com pouca esperança. Havia apenas restos esquecidos, provavelmente do tempo em que Charles ainda estava vivo. Pegou uma barrinha de cereal que carregava na bolsa e se deu por satisfeita.

Além de tudo, o casebre parecia guardar o calor do dia como um forno. O ar lá dentro estava abafado, pesado. Decidiu que não aguentaria mais meia hora ali dentro e que o melhor seria esperar do lado de fora, até o ambiente refrescar um pouco.

Foi até a porta e espiou. O céu já começava a se pintar de tons alaranjados e rosados.

— Que pôr do sol! — murmurou, encantada.

Em São Paulo era raro ver um céu assim. E, com sorte, naquela noite talvez até conseguisse ver algumas estrelas, coisa quase impossível na cidade grande.

Animada, foi até a mala e pegou sua câmera Instax Mini, o mimo que tinha ganhado no sorteio de fim de ano da empresa. Amava aquela câmera, pois as fotos saíam na hora, com aquele charme retrô irresistível.

Apontou a lente para o casebre com o sol se pondo ao fundo e clicou.

A foto saiu, mas o resultado não ficou lá essas coisas.

Franziu a testa, meio frustrada, e olhou ao redor.

Quem sabe, de outro ponto, conseguiria capturar melhor as cores do céu? Aquela paisagem tinha potencial — só precisava do ângulo certo.

Foi então que avistou, no alto de um morro próximo, uma pedra enorme que lembrava um mirante natural. A vista lá de cima devia ser incrível. Se se apressasse, ainda conseguiria tirar várias fotos, registrando cada nuance do céu.

Começou a caminhar pela estrada, que logo terminava num pequeno círculo de manobra. Talvez houvesse uma trilha até a pedra, pensou. Sem pensar muito, resolveu subir.

Não tinha andado muito quando percebeu que estava vestida da pior forma possível para caminhar num terreno árido. Suas pernas, completamente expostas, pareciam chamar os cactos verdes e amarelos para o ataque. A cada passo, precisava observar bem onde pisava, uma vez que suas sandálias leves mal protegiam os pés.

Definitivamente, não era o lugar mais hospitaleiro do mundo, pensou Paloma, enquanto esfregava a perna recém-arranhada por um cacto de espinhos brancos.

Ainda assim, havia uma beleza estranha naquele cenário inóspito.

O sertão tinha seu próprio encanto: rude, silencioso, quase místico. As cores iam do ocre ao âmbar, passando pelos vermelhos queimados, amarelos secos, marrons desbotados. No meio de tudo, os cactos prateados dominavam a paisagem, belos e perigosos, como animais de guarda.

Em alguns pontos erguiam-se juazeiros e alguns embuzeiros magníficos, com troncos retorcidos e galhos curvados. Por um instante, imaginou-se subindo num deles para colher aquelas frutinhas esverdeadas.

Tirou uma foto.

Sabia que era melhor voltar. As rochas pareciam mais distantes do que nunca. O sertão era traiçoeiro e distorcia a noção de espaço com suas paisagens repetidas. Mas agora que tinha vindo até ali, não queria desistir. E o pôr do sol prometia ser ainda mais espetacular do que imaginava.

O horizonte queimava em tons de vermelho e dourado, como se o céu estivesse em chamas, num ritual antigo e sagrado.

Enfim, chegou à pedra. Era uma rocha enorme, áspera, com a superfície irregular. E, mais uma vez, o agreste a enganara: o topo era muito mais alto do que parecia lá de baixo. O casebre, à distância, parecia uma miniatura esquecida no meio do nada.

Sem perder tempo, ergueu a câmera e começou a fotografar: uma, duas, três vezes.

A primeira foto começou a se revelar. Paloma a segurou com cuidado, entre os dedos, mas se decepcionou. As cores estavam ali, sim, mas o enquadramento não tinha funcionado. A segunda estava borrada e provavelmente ela se mexera na hora do clique. A terceira era a melhor, mas ainda assim, não fazia justiça ao que seus olhos viam.

Se ao menos seu celular tivesse uma boa câmera...

Foi nesse momento que sentiu algo estranho. Uma sensação incômoda, como se estivesse sendo observada.

Olhou em volta, desconfiada. O silêncio era total, mas agora ela se dava conta de como estava sozinha, exposta, naquele lugar isolado.

Primeiro viu a luneta, armada sobre um tripé. Era sofisticada e bem equipada e estava parcialmente escondida atrás de um arbusto. Se ela não estivesse tão entretida com as próprias fotos, já a teria visto antes. Mas quem...

Foi então que o viu.

César Monteiro.

Estava encostado numa pedra, sem camisa, os braços cruzados sobre o peito largo. Os ombros musculosos desciam até uma cintura firme, esguia. Os quadris estreitos e as coxas fortes completavam a figura impressionante. À luz dourada do pôr do sol, parecia uma estátua de bronze; um deus pagão da virilidade esculpido pela própria natureza.

Paloma engoliu em seco, sentindo o coração acelerar. Levantou os olhos até o rosto dele. Havia algo de provocador naquele sorriso contido, quase debochado. O cabelo acobreado brilhava sob o sol, como se ele próprio fizesse parte daquele cenário quente, intenso, quase sobrenatural.

Um demônio do deserto, cintilando contra o céu em chamas.

— Sabia que a gente ia se encontrar de novo — disse ele, com a voz baixa e segura, — mas não imaginei que fosse tão cedo.

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