Saiu do estacionamento cantando pneu. De tão nervosa, arranhou a embreagem enquanto tentava lembrar onde engatava a primeira. O carro deu um tranco ao entrar na marcha errada.
Desferiu alguns soquinhos no volante, irritada, enquanto a imagem da cara debochada daquele homem voltava à mente. Agora entendia por que não deixavam qualquer um andar armado; se tivesse uma arma dentro da bolsa, teria atirado nele, sem pensar duas vezes.
— Bastardo. Troglodita. Filho de uma mãe! Rato de esgoto! Me chamou de golpista! — exclamou, furiosa.
Soltou um grito agudo, de pura frustração.
Um carro passou ao lado, e o motorista lançou um olhar curioso para aquela mulher dentro de um Celta, visivelmente irada.
— Se controla, Paloma. Respira fundo — disse para si mesma, tentando manter algum autocontrole.
E aí vieram, uma a uma, as respostas perfeitas que poderia ter dado. Agora era fácil. Mas na hora... travou. Nunca imaginou que ele a deixaria tão abalada.
Falou tanta bobagem. Após ser provocada, ela simplesmente perdeu a capacidade de pensar com clareza. Aquilo só podia ter sido de propósito; parte do jogo dele.
Estava novamente cruzando a ponte sobre o rio seco quando, enfim, se acalmou o bastante para perceber que tinha pegado o caminho errado. Ainda soltando faíscas de raiva, deu meia-volta e voltou a seguir as instruções do GPS.
A nova rota levava por uma estradinha rústica e agradável, margeada por arbustos bem cuidados. Paloma diminuiu a velocidade, olhando com atenção para cada casa, com medo de passar direto pelo casebre de Charles.
Mais adiante, as calçadas desapareceram, e as casas foram ficando menores, mais simples, mais afastadas umas das outras. O asfalto acabou, dando lugar a um caminho de terra seca e poeirenta.
— Estou entrando no meio do mato — murmurou, aflita, olhando ao redor.
Achou que tinha perdido a entrada certa. Reconheceu os cactos altos e firmes, parecidos com mandacarus, iguais aos dos filmes antigos. Mas também viu outros tipos, cheios de espinhos compridos e dourados, que ela não sabia nem o nome.
Já estava prestes a manobrar o carro e voltar quando avistou, ao longe, uma luz solitária.
Seguiu cautelosamente por uma entrada estreita até que, no meio de uma clareira vazia e escondida da estrada, surgiu uma pequena choça.
Ao lado da janela, havia o número dez pintado de forma meio torta. Parecia que quem pintou não tinha calculado bem o tamanho dos números.
Paloma sorriu com carinho. Aquilo era a cara do Charles. Ele nunca ligou para aparências.
Nenhum esforço tinha sido feito para que o lugar parecesse acolhedor ou convidativo. Era apenas uma construção simples, improvisada, uma mistura de madeira, barro e palha — mais uma choupana do que propriamente uma casa. Um juazeiro solitário por perto oferecia uma sombra rala, quase simbólica.
Paloma revirou a bolsa até encontrar a chave. Ela, junto com alguns poucos objetos pessoais, tinha sido enviada pelo correio para tia Cida logo após o acidente de Charles.
Torceu o nariz assim que abriu a porta. Um cheiro forte, azedo, pairava no ar, fazendo-a recuar por um instante. Arregalou os olhos ao se deparar com a bagunça. Roupas espalhadas por todo lado, penduradas em trincos, cadeiras e até nas quinas das prateleiras. Livros amontoados nos cantos.
Uma estante abrigava várias das pequenas invenções que sempre a tinham fascinado na infância, agora todas cobertas de poeira, imóveis, como se tivessem sido esquecidas no tempo.
A mais simpática delas parecia um robozinho, com uma telinha na barriga, parecida com a de um tablet. Paloma apertou o botão de ligar, mas nada aconteceu.
Na pia, uma pilha de pratos sujos. Ao lado, um balde cheio de pedras que ela nem quis pensar no motivo.
Por um momento, Paloma achou que o lugar tivesse sido saqueado. Mas logo entendeu que não. Aquilo era só... o jeito de Charles. Cuidar da casa nunca tinha sido mesmo o forte dele.
Começou a abrir as janelas do quarto e do banheiro para o ar circular. Nas paredes, recortes de revistas colados com fita, e cadernos de anotações manchados por algum líquido roxo.
A cama estava desfeita, como se ele tivesse saído apressado. Paloma sentiu um aperto no peito e um pouco de culpa também. Estava mexendo nas coisas pessoais de Charles. Ele com certeza não aprovaria aquela intromissão.
Mas precisava ser feito, pensou, soltando um suspiro cansado.
O quarto tinha uma porta extra. Ela a abriu devagar. Nos fundos do casebre, havia um toldo furado, um poste com uma caixa elétrica pendurada e um varal improvisado, com pedaços de corda amarrados em pregos.
Tudo parecia tão largado, tão negligenciado... Paloma sentiu a raiva subir de novo.
Será que César Monteiro pagava tão mal assim os funcionários, a ponto de Charles viver naquela miséria? E agora ainda queria negar o que era de direito de tia Cida.
Isso não era justo.
Nem um pouco.
Foi até o carro buscar sua bagagem. Estava surpresa com o calor que fazia ali, naquela época do ano. Transpirava mesmo vestindo short e camiseta sem mangas. Tinha se sentido meio ridícula ao colocar aquelas roupas na mala, afinal, geava em São Paulo quando saiu para pegar o voo, mas agora estava agradecida por ter trazido.
Depois de trocar de roupa, encontrou lençóis limpos no banheiro e arrumou a cama. A luz acesa indicava que a energia ainda não tinha sido cortada, mas imaginava quantas contas estariam atrasadas. Não havia internet, mas a água ainda corria nas torneiras, e a geladeira, apesar de precisar urgentemente de um degelo, funcionava bem.
Com alguns dias de trabalho, conseguiria deixar o casebre apresentável para venda.
Depois de fuçar vários armários, encontrou um aspirador de pó debaixo de uma pilha de sapatos. Mas a bolsa de papel estava completamente cheia. Procurou por uma nova, sem sucesso. Quando desistiu, já estava suada e coberta de poeira.
Ligou o ventilador de teto, mas o barulho era tão alto que teve de desligá-lo quase imediatamente.
Exausta, saiu, limpou a areia acumulada nos degraus da entrada e se sentou. Estava se sentindo cansada, frustrada, e um tanto desanimada.
Olhou para as janelas. Os vidros estavam opacos, e a porta precisava de reparos urgentes. Nem os degraus onde estava sentada pareciam firmes.
Charles, no campo científico, era brilhante. Mas no campo doméstico... um desastre total.
A tarefa à sua frente era muito maior do que imaginava. Chegava a ser assustadora.
E o que faria com relação a César Monteiro?
Ele tinha recusado completamente qualquer ideia de compensação financeira para tia Cida.
Será que teria mesmo que procurar um advogado?
Dissera a ele, no calor do momento, que a tia estava pronta para levar o caso à justiça. Mas agora, com a cabeça fria, percebia que nenhum advogado sério aceitaria aquilo.
César Monteiro tinha todas as cartas na mão: um contrato assinado por Charles, a falta de informações concretas sobre a tal invenção... além disso, era rico, poderoso e muito bem relacionado.
Paloma esfregou os ombros doloridos. Mas, mais do que o desconforto físico, o que doía era a lembrança do olhar ameaçador que ele lhe lançara. Arrepiou-se.
Ele a mediu de cima a baixo, a humilhou, e praticamente a enxotou da sala. E mesmo assim, mesmo com toda a frieza e arrogância... ela não podia negar: ele era um homem muito atraente.
Provavelmente tinha fila de mulheres atrás dele e, com certeza, sabia exatamente como se divertir com elas.
Era o tipo de homem que sempre detestou.