CAPÍTULO 06.

Por causa daquela situação tivemos que mudar de cidade, minha mãe tinha medo que aqueles homens voltassem para completar o serviço.

Mas, mesmo tendo nos mudado para Baltiysk, a situação não melhor. Tive que mudar de escola, me despedir das minhas amizades.

Quando eu tive, 14 anos, minha irmã, Vera. Que por acaso, aquela situação, fez apenas com que ela se torna-se uma mulher, mas distante e apática que se importa com dinheiro. Por ser bonita, ela usava sua beleza para ganhar dinheiro e ajudar a pagar a renda da casa, as contas de energia, da água, da internet. Ela devia as despesas com minha mãe.

Mas, por causa de seu estado de saúde minha mãe ficou cada vez mais magra e pálida e os homens pararam pouco a pouco de a procurar.

Então dependíamos, mais da gentileza de Vera. Vera é bonita, tal como minha mãe, Vera gosta de usar,top halter branco e calças cargo largas na cor verde-oliva. Seu corpo é robusto diferente de meu que é magro, ela gosta de usar anéis nas mãos,  possui longos cabelos escuros com franjas. E está sempre com uma expressão  levemente distante.

Ela não deixou que o estupro tomasse sua autoestima. Mas, tenho a certeza que matou algo dentro dela. Ninguém na minha casa teve tempo para se lamentar, mas, todos vivíamos como se nada tivesse acontecido.

Estava tudo levemente estável, até Vera dizer que achou um homem rico, e que ele queria que ela fosse viver com ela. Ela levou Vicente meu sobrinho consigo e foi embora. Minha mãe apenas torceu para que o relacionamento dela desse certo. E que ela encontrasse a felicidade.

Bom, nós primeiros quatro meses Vera ainda mandava dinheiro para nós, para que pudéssemos pagar as contas. Até ela dizer que não ia mas, nós transferir dinheiro e me aconselhar a arranjar um emprego.

Minha mãe não queria que eu fosse como ela e Vera, ela quis se esforçar a trabalhar, para que eu não me sujeita-se a prostituição.

E eu também não queria me prostituir.

Sentia que iria morrer, logo que começasse a me prostituir. Eu não ia aguentar. Eu ia surtar. Não ia suportar.

— Existem outros trabalhos mãe. Fica calma. Eu também não quero essa vida para mim.

Mesmo desconfiando ela teve de aceitar. Não tínhamos outra saída. Eu tinha de começar a trabalhar.

(...)

Tem gente que pensa que pobreza é só não ter dinheiro. Que é só não poder comprar tênis de marca ou celular novo. Mas não é. Pobreza é acordar todo dia com o peso do mundo nas costas e ainda assim ter que levantar. É não ter escolha. É ter que engolir o choro, apertar os dentes e fingir que tá tudo bem, mesmo quando tudo tá ruindo por dentro. Pobreza é o que me rouba todo dia um pedaço da infância que eu nunca tive.

Tenho quatorze anos, mas me sinto com quarenta. Meus pés doem, minhas costas doem, minha alma... já nem sei mais onde ela foi parar. De manhã vou pra escola porque, sei lá, ainda me agarro a essa ilusão de que estudar pode mudar alguma coisa. Mas no fundo eu já sei que não vai. A desigualdade já tá marcada na minha pele, nos meus ossos. Ninguém liga pra menina pobre da periferia que sonha em ser alguém. Eles só olham pra gente quando a gente falha. E aí apontam o dedo e dizem que a culpa é nossa. Sempre nossa.

À tarde, vou direto pra loja de conveniência. Fico lá em pé, sorrindo pra cliente que me trata como lixo, fingindo que gosto de vender refrigerante e cigarro, fingindo que não tenho medo daquele cara que sempre me olha estranho. Depois da loja, corro pro bar. Visto a camisa apertada, prendo o cabelo, passo um batom barato e viro garçonete. Carrego bandeja, desvio de mão boba, aguento piada suja e ainda sorrio. Volto pra casa quase meia-noite, morta, com as pernas tremendo, o estômago vazio e o coração em pedaços.

Faço isso todo dia. Todo santo dia. Porque não tem outra opção.

Minha mãe... minha mãe é tudo o que me resta. Mas ela tá doente. AIDS. HIV. E agora tuberculose. Ela já era fraca, agora tá desmanchando. No meu aniversário de quinze anos, ela teve uma recaída. Grave. Quase morreu. Passei a madrugada no hospital ouvindo o bip do monitor, segurando a mão dela, implorando pra ela não me deixar. Chorei até dormir sentada naquela cadeira dura. E no outro dia, acordei, lavei o rosto e fui trabalhar. Porque as contas não param. Nunca param.

A gente era quatro em casa. Eu, minha mãe e Vera e Vicente. Só que minha irmã agora tá morando com o namorado e levou o filho. Disse que não aguenta mais viver nessa miséria. Deixou tudo pra trás. E eu... fiquei. Porque alguém tinha que ficar. Alguém tinha que cuidar da nossa mãe. Alguém tinha que segurar as pontas.

Agora sou só eu. Eu e ela.

Pago a renda da casa, a energia, a água, a internet, os remédios, o transporte pro hospital, os exames. E tudo isso com salário de loja e de bar. Às vezes, penso em largar a escola. Me dedicar só ao trabalho. Porque cada hora fora do trabalho é uma conta a mais que não vou conseguir pagar. Só que, se eu largar a escola, aí acabou de vez. Nunca vou sair dessa vida. Nunca vou deixar de ser só mais uma pobre fodida no sistema que só serve pra enriquecer os outros.

Sabe o que dói? Saber que tem gente vivendo no luxo, desperdiçando comida, comprando carro de meio milhão, enquanto minha mãe morre devagar num quarto de hospital público sem ventilador que funcione direito. Enquanto eu conto centavo por centavo pra comprar o antibiótico. Enquanto eu durmo três horas por noite pra poder sustentar a única pessoa que ainda me ama nesse mundo.

Dizem que o mundo é assim mesmo. Que é natural. Que sempre vai ter rico e pobre. Que a vida é injusta. Mas isso não é verdade. Isso é construção. Isso é escolha. Escolha de quem tem poder de manter os outros presos na lama. É opressão, pura e simples. É exploração. Eles vivem porque a gente sangra. Eles riem porque a gente chora. E ninguém faz nada. Ninguém quer mudar. Porque mudar significa abrir mão de privilégios. E ninguém quer abrir mão de nada.

Às vezes, me pego pensando se um dia vou ser feliz de verdade. Tipo, de verdade mesmo. Não essa felicidade fingida de quem ganhou um bombom no final do expediente ou de quem conseguiu pagar todas as contas no mês. Falo de felicidade plena. De acordar sem medo. De dormir em paz. De poder sonhar.

Mas como é que se sonha quando tudo ao redor é miséria?

Quando a cidade inteira te olha como se você fosse descartável? Quando você sabe que se você morrer hoje, ninguém além da sua mãe vai sentir sua falta?

Pobreza não é só não ter dinheiro. É não ter escolha. É não ter tempo pra respirar. É ser empurrada pra um mundo onde você já nasce perdendo.

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