CAPÍTULO 07.

Hoje é sábado. São quase 14h e eu tô num daqueles salões chiques, sabe? Tudo espelhado, cheio de lustre de cristal pendurado no teto, flores caras decorando mesa por mesa, aquelas mesas redondas que a gente vê só em filme. Tô trabalhando numa gala de beneficência organizada por mulheres ricas que dizem lutar por outras mulheres. Eu sirvo taça por taça de espumante que vale mais que meu salário de um mês. Elas falam bonito, se abraçam, posam pra foto e me olham como se eu fosse o chão que elas pisam com salto de mil dólares.

Mas sinceramente? Hoje nem tô reclamando. O salário tá bom e o supervisor é respeitoso — um milagre. O turno é longo, das oito às dezoito, mas pelo menos não tô sendo assediada nem tratada como lixo. Fora os olhares de superioridade, tá tudo... suportável.

Meus cabelos estão trançados, presos em dois coques no topo da cabeça. Meu uniforme é simples, mas decente. E dentro da mochila tem a roupa que vou vestir na volta: jaqueta oversized laranja vibrante, legging preta e meus tênis creme e laranja da Nike — comprados usados, mas ainda inteiros.

A rotina não é novidade. Já me acostumei. Aos 17 anos, a pobreza virou meu segundo nome. Saio da escola, corro pra um emprego. Saio dele, vou pro segundo. E nos fins de semana, quando deveria descansar ou estudar, encaixo o terceiro. Tudo isso pra pagar as contas do hospital da minha mãe. Ela vive internada. O HIV virou AIDS. A AIDS virou tuberculose. E a tuberculose agora virou sentença. E mesmo assim, mesmo doente, ela ainda sorri quando me vê, como se não tivesse dor. Como se eu não tivesse a idade que tenho.

A verdade? Eu só durmo três horas por noite. Visito minha mãe menos do que queria. Porque o tempo que eu poderia estar ao lado dela, eu uso pra garantir que ela não seja maltratada num hospital público. Porque é isso: se a gente não paga, eles ignoram. Deixam o soro acabar, o remédio faltar, a dor crescer. E eu não posso deixar isso acontecer. Ela já sofreu demais.

Mas hoje... hoje tudo parece sair do roteiro. Tô indo ao balneário pra trocar de roupa e sair mais cedo, porque meu supervisor, que ouviu minha história, foi gente boa. Deu meu pagamento pelas horas trabalhadas e me liberou quando recebi a ligação do hospital: o estado da minha mãe piorou. E se eu quisesse me despedir dela... tinha que ser agora.

Só que antes de conseguir amarrar meus tênis, ouvi uma explosão. Alta. Surda. Depois gritos. Muita gritaria.

Meu coração para. A garganta seca. A cabeça gira.

Corro de volta pro salão.

O lugar tá tomado por fumaça. Gente tropeçando nos próprios pés, chorando, empurrando, berrando. Tem fogo. Tem vidro quebrado. Tem histeria. As portas estão trancadas. Alguém grita que o sinal foi cortado. Nada de bombeiros. Nada de polícia.

E ali, no canto, vejo as três organizadoras da gala. Mulheres que, até agora, estavam sorrindo pra câmera com taças de champanhe na mão. Estão cercadas. Um homem aponta uma arma pra elas. Ninguém faz nada. Ninguém se move. Todos só gritam e tentam escapar. Como se a vida de três mulheres não valesse o risco.

E é aí que minha cabeça grita comigo. "Você não tem tempo pra isso! Sua mãe tá morrendo!"

Mas outra voz, mais forte, responde: "Você também não tem o direito de deixar alguém morrer quando pode ajudar."

Eu escolho a segunda.

Pego uma cadeira de ferro e corro. Rápido. Sinto meu coração explodindo no peito. Grito antes de bater, pra que elas se afastem. E então acerto. E acerto de novo. E de novo. Até o homem cair, desacordado, o sangue escorrendo pela testa. Meus braços tremem, mas não posso parar.

— Vocês tão bem? — pergunto entre tosses.

Elas assentem, trêmulas, se ajudando a levantar. Uma delas parece estar em choque.

Fogo por todo lado. Alguém tenta abrir a porta principal, mas tá quente, trancada. Mordo o lábio com raiva, com desespero. Me recuso a morrer ali. Me recuso a deixar essas pessoas queimarem.

Corro pra cozinha. Arranco um extintor da parede com tanta força que quase caio pra trás. Carrego ele até a porta. O metal da maçaneta queima minha pele, mas eu não ligo. Grito. Soco. Bato o extintor contra a madeira. De novo. E de novo. Até a madeira ceder um pouco. Então, com raiva e desespero acumulados de uma vida inteira, dou um pontapé tão forte que a porta se rompe.

O ar fresco invade o salão. E com ele, a multidão desesperada me atropela, me empurra, passa por cima de mim. Caio. Sinto os joelhos ralarem. Mas me levanto. Ainda falta gente.

As três mulheres... ainda estão lá.

Volto correndo.

A mais velha desmaiou. As outras duas tremem tanto que mal conseguem carregá-la. Eu a levanto sozinha, com os braços doendo, as pernas bambas. Saímos quase rastejando. Quando enfim cruzamos a porta e alcançamos o jardim, meus pulmões gritam por ar.

Uma das mulheres se ajoelha e me segura a mão:

— Por favor... liga pro meu marido... Nikolai... ele precisa saber.

Olho pra ela. Meus dedos tremem, mas pego meu celular. Eu tô ficando sem tempo. Mas mesmo assim... eu ligo. Espero tocar. E toco. E falo.

— Alô.— uma voz seria e fria, fala por detrás da linha.

— Boa tarde, Sr. Sua esposa mandou te ligar. Aconteceu uma explosão na galã.

— Explosão? Quem é? Como está minha mulher? O que aconteceu?— ele grita exigindo respostas.

— Sua esposa está bem, senhor. Estamos do lado de fora. Mas venha logo. Ela precisa de você.— meu crédito acaba e a chamada cai.

Fico com elas. Mesmo sabendo que minha mãe talvez esteja dando o último suspiro agora.

Mesmo sabendo que posso nunca mais vê-la viva.

Fico. Porque coragem, eu aprendi, não é ausência de medo. É agir apesar dele. É olhar o medo nos olhos e seguir em frente.

(...)

O marido chega. Um carro preto, grande, com um segurança dirigindo. Ele corre, abraça a esposa, que chora no peito dele. A outra mulher também é acolhida. A mais velha é levada ao hospital. E eu?

Eu viro as costas e corro.

Corro com a alma em pedaços. Corro chorando. Corro sem ar, sem saber se vou chegar a tempo.

Quando chego no hospital, meu corpo inteiro treme. Meus pulmões ainda carregam a fumaça. Minhas pernas falham. Subo os degraus como se cada um fosse uma montanha. E quando chego ao quarto...

Minha mãe ainda está viva.

Fraca. Quase sem forças. Mas viva.

Ela sorri. Mesmo com os lábios rachados, os olhos fundos. Sorri como se fosse me dar o mundo.

— Você chegou... minha menina corajosa... — ela sussurra.

Me ajoelho ao lado dela. Seguro sua mão. Choro.

— Tô aqui, mãe... tô aqui. Não me deixa. Por favor. Não me deixa mãe. Eu faço tudo que for preciso. Eu trabalharei mais se for necessário. Eu trocarei de lugar com você.

— Nenhuma mãe aceitaria...tal coisa....eu sinto muito filha, sinto muito pela mãe que fui... sinto muito por não ter feito mais...

— Não. Não. Não. Mãe... só fica comigo.

O mundo quebrou tudo em mim. Quebrou minha infância. Meus sonhos. Meus ossos, minha alma.

Quando deram 18h. Minha mãe deu seu último suspiro.

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