Mundo ficciónIniciar sesiónNunes é um policial instável, preso num futuro desolado e viciado em tarjas pretas. Sua única companhia? A terrorista que transforma sua dor em prazer. Após uma missão espacial catastrófica, ele é capturado por uma insurgente que o vê como moeda de troca, isolados em um sistema à beira do colapso temporal. Proibido de amá-la, Nunes se vê irresistivelmente atraído pela mulher que transformou seu sofrimento em êxtase, vivendo uma paixão tão insana quanto perigosa.
Leer másA sala oeste da nave parecia um anfiteatro futurista, onde a rotina se confundia com a contemplação do impossível. Entre mesas repletas de anotações e lousas riscadas de branco, o ar se enchia de café refinado e óleo de peppermint. Os cochichos dispersos dos programadores completavam a cena, debatendo fórmulas sobre o buraco negro lá fora.
— Chique, né? — Nevaska cruzou os braços, a postura desafiadora e relaxada.
— Chique? Cê tá de sacanagem... — Nunes murmurou, esparramando-se no sofá, a exaustão da vigília noturna pesando em cada músculo: — Que estilo cafona, mano!
O ambiente respirava o antigo estilo Frutiger Aero — superfícies translúcidas, curvas suaves, luzes suspensas que pareciam flutuar.
— Mano? — ela prendeu o olhar em Nunes, como se esperasse um veredito: — Tá me achando com cara de homem, porra?!
— Ôh, mana! Foi mal, meu amor... é o cansaço me fazendo passar vergonha — ele riu, as mãos apertando o rosto: — É a nave! Ela tá me deixando louco... cê sabe que eu sou do time do pessoal que curte ficar vendo filme antigo só pra ver como eram as ruas sem a PORRA do LED pra TODO lado... e a nave é o oposto disso. Só poluição.
— Poluição visual, é isso? — Nevaska caminhou devagar, parando na frente de Nunes, o sorriso aumentando, enquanto passava as mãos por sua cintura. Ela o tocou como se estivesse testando a temperatura da água: — Pelo menos o meu cheiro é melhor, nada de...
— Peppermint... — ele soltou a palavra com nojo, os olhos rolando: — Por que não escrevem “menta” logo? Americanizaram tudo...
— Ei, amor... — ela levou a mão ao queixo de Nunes, o toque trazendo seu rosto mais acima: — Relaxa... você tá estressado.
— Eu sei... foi mal por isso.
— Mais tarde... eu e você? De novo...? — ela sussurrou, as unhas afundando na carne do seu pescoço: — Depois de você terminar de descansar... acho que você merece sair de perto desses nerds... e sentir... sentir AQUELE meu cheirinho de essência de algodão do sabonete... aquele que você DERRETE em tesão.
A feição azeda e cansada de Nunes foi dissolvida por completo, substituída por um olhar que já dizia tudo. Há silêncios que são buracos negros: engolem tudo, menos o grito preso dentro de você. E Nevaska sabia ler Nunes como jamais ninguém soube.
Ela o puxou, as unhas riscando as costas dele por dentro da camisa. O toque que prometia tudo... e nada ao mesmo tempo.
— Notas e famílias olfativas... daquelas... daquelas da PORRA da fava tonka! — ela sussurrou, um sorriso animalesco surgindo, puxando Nunes num movimento rápido: — Iguais ao dela, caralho... Iguais aos que você gosta, né?!
Ele engoliu em seco. “Iguais ao dela” ainda não o confortavam como deveriam — talvez nunca seria o que ela queria que fosse.
— Um-hum... — ele forçou um sorriso, os lábios tremendo em uma timidez cansada: — E pra completar, um jazz qualquer de fundo... um banheirinho quentinho e escurinho... hmm...!
Ambos sorriram, a mão dele subindo lentamente pela nuca de Nevaska como quem tem sede no deserto. Seus dedos contavam uma história de carência antiga.
— Eu gosto do seu sabor — ele sussurrou, mordendo os lábios com uma mistura de cansaço e desejo: — É... viciante, sabe? Igual o óleo de menta da nave. Combina com você ser baixinha, sei lá.
— Eu sei... e só eu sei — ela cerrou os olhos, o rosto se aproximando, a testa encostada na dele: — É o nosso segredinho, policialzinho corrupto...
Nunes sentiu o estômago embrulhar. Ele a conhecera no início da missão, de uma forma peculiar. Tudo aquilo era rápido demais, rápido de um jeito errado, como se o romance entre eles tivesse errado a conta e esquecido de consertar o que estava quebrado — ou fosse apenas uma desculpa para curar uma carência.
— Posso sentar contigo? — ela sussurrou, mas a pergunta era uma mera formalidade.
— Claro, meu bem — Nunes deu uma sequência de tapinhas suaves e desanimados no sofá: — Senta aí, te faço um cafuné antes de dormir. Só não pula em mim igual a última ve—!
— HÁ! — Nevaska saltou, um pulo desajeitado: — VAI, IDIOTA! — ela cravou as mãos na barriga dele, os dedos dançando e pressionando a pele sensível: — Vira aí! Dá espaço, quero deitar!
— SAI! SAI, DESGRAÇA! — ele gritou, entre gargalhadas, um som que explodiu fora de controle.
— VIRA PRO LADO LOGO! — ela mordeu os lábios, os dedos afundando mais na carne.
— TÁ! TÁ BOM, PORRA!
O som da voz de Nunes, inesperadamente alta naquele corredor hermético, caiu como um objeto pesado em vidro. Em um instante, todos os ruídos ambientes — os bipes dos painéis, o murmúrio das conversas, até o zumbido sutil da ventilação — desapareceram.
Três técnicos de jaleco azul, que estavam a poucos metros analisando um painel, pararam a mão no meio do ar. Uma analista, com a prancheta sob o braço, congelou com o lábio ligeiramente entreaberto, como se tivesse engolido uma palavra. Todos os olhares, sem exceção, convergiram para Nunes, de uma maneira fria e desprovida de humanidade. Não era raiva ou curiosidade. Era um silêncio de falha, a estranheza de uma máquina que opera fora dos parâmetros.
O desconforto subiu pela espinha de Nunes. Ele apertou os dentes, sentindo o calor subir ao seu rosto.
“Não de novo, caralho.” — ele fechou os olhos com força, o rubor espalhando-se pela pele.
Ele levou as mãos aos pulsos de Nevaska, apertando como quem diz: “já deu.”
Ela cedeu ao aperto dele, parando o movimento, e virou o rosto, a expressão subitamente envergonhada.
Em outra janela, a lua aquática espalhava brilhos azul-cúpula. Os engenheiros espaciais chamavam assim — uma fusão etérea entre a água turva e os brilhos azul-profundo e vermelho-sangue do buraco negro supermassivo. Para Nunes, a arte cósmica parecia apenas mais uma piscina gigante, em pleno verão.
— Desculpa, eu esqueci que eles tratam a gente diferente…
— Não é tratar diferente, meu amor — Nunes inspirou fundo, as mãos subindo devagar até o rosto dela, o toque tentando ser uma âncora numa realidade que insistia em rachar: — É que… eles dizem que você não existe. E isso me assusta, sabe?
Nevaska não apenas sorriu; ela escancarou a boca numa fissura macabra que tomou conta de seu rosto. Aquele não era um sorriso humano, era uma deformidade viva que desafiava a anatomia, um rasgo largo demais, grosseiro demais para caber na face de uma mulher normal.
Nunes sentiu um arrepio gélido e nauseante percorrer sua espinha, o tipo de frio que vem não de uma nevasca, mas da visão de algo que não deveria existir. O horror estava nos dentes: brancos de um jeito lustroso, como marfim polido, mas longos, afiados e numerosos demais. Eles reluziam sob a luz fraca, parecendo presas expostas, prontas para rasgar. Por um instante aterrador, Nunes viu não sua namorada, mas uma máscara de carne esticada sobre uma caveira faminta.
— Eu sei que te assusta — ela fechou a boca, o sorriso sumindo como uma porta batida: — Mas eu tento tanto... tanto te fazer aprender... é o único jeito. Amor não é só sentimento. É obediência. E você é divergente nesse assunto.
Ele piscou, confuso.
— Às vezes você me lembra minha ex-namorada, sabia? Eu disse exatamente isso pra ela quando—
— Quando ela terminou com você por áudio? — ela riu, o som da risada familiar demais para ser coincidência: — Já fazem semanas, Nunes. Ela foi embora. Você sabe que ela não vai mais voltar.
Nunes respirou fundo.— Que merda cê tá falando, cara? — Nunes murmurou, a testa franzida.— É, porra. Agora que você tá solt— Uma cacofonia de vozes irrompeu, as sílabas se emaranhando em um rugido indecifrável. Franco falou por cima. Nunes sentiu seu cérebro falhar ao processar o fluxo duplo de linguagem, como se duas estações de rádio estivessem tocando ao mesmo tempo— Pera aí... — Nunes riu, o olhar passando entre Rúi e Franco: — Um fala de cada vez. Você primeiro, Franco.Franco ouviu, mas não respondeu. Apenas inclinou a cabeça, muito devagar, como um pássaro observando um inseto moribundo. Seus olhos azuis se estreitaram até se tornarem fendas. O que Franco via não era Nunes falando com um amigo, mas sim um homem alternando o olhar entre a parede e o colega, pedindo a ambos que cedessem a vez de falar.— Responde ele, Nunes! — Rúi cutucou Nunes no ombro.— E a central? — Nunes ignorou Rúi, se virando para o Franco: — Tá sabendo disso já?Nos cantos da sala, o murmúrio de outra
O grito cortou o ar da cabine, não como um som normal, mas como uma sirene de emergência. Dezenas de pares de olhos se voltaram para Nunes, mas o que mais o atingiu não foi o olhar em si, e sim a quietude instantânea que se seguiu. Ninguém se moveu, ninguém tossiu, ninguém voltou a teclar. Eles o encaravam, não com preocupação, mas com a impassibilidade fria e absoluta de quem observa um animal no zoológico, ou talvez, um objeto de estudo que está se comportando de forma previsível e indesejada.— Ou! Calma, cara! — Rúi riu, nervoso, todos da nave encarando os dois: — Você tava gemendo altão o nome da mina, de novo!Nunes mordeu o próprio lábio, as lágrimas saindo.Era ele — o amigo que Nunes nunca teve — e por isso insistia existir.— Desculpa… q-que nome eu tava gritando? O da Nevaska?Rúi piscou, confuso.— Nevaska?! — ele arqueou uma sobrancelha: — Não tem mulher na nossa tripulação não, irmão.…O coração de Nunes parou de pulsar por meio segundo, um vento gélido passando pelo es
*TRRRIM-TRRRIM!*“Ah… merda.” — Nunes levantou o rosto do chão. O ambiente estava escuro, a baba acumulada nas bochechas, “Eu apaguei?”Cozinha. Apenas o tic-tac do relógio ao fundo.25 de setembro de 2027 — um dia antes da missão.3:30 da manhã, Nova York, cobertura de um prédio.O tic-tac marcava o tempo — constante, robótico, previsível. Mas havia algo errado na repetição: como se cada batida viesse levemente atrasada, ou adiantada. O som não acompanhava o mundo real. Era um metrônomo de pesadelo, avisando que o sonho já estava condenado a pegar fogo.*TRRRIM-TRRRIM!*— Merda, o Alprazolam me derrubou feio.Ele se levantou, o barulho do telefone fixo sendo sua única fonte de direção em meio ao escuro.*TRRRIM-TRRRIM!*E atendeu.— Alô...? — Nunes franziu o cenho.... Nada.Apenas estática.— Alô… — a voz veio da escuridão.— AH! — Nunes se virou, os olhos percorrendo a cozinha: — QUEM?!Ele sentiu, as mãos subindo pela cintura, agora levemente roçando seu pescoço. Aquela delicadeza
Nunes engoliu em seco, um arrepio subindo pela espinha, não pelo susto, mas pela violência do acerto.— Eu só… olha, eu quero minha vida de volta. Quero terminar essa missão e… voltar pra casa. De volta pra Nova York. De volta pra ela… mas ela não me quer.— Eu sinto que mudanças estão próximas… — ela cerrou os olhos, a posição mudando com uma lentidão calculada. Ela escorregou para o colo dele, a transição sutil, mas absoluta: — Eu acho que—— Amor… não! — ele arregalou os olhos, as mãos tentando empurrá-la de leve, a testa franzida em desespero contido: — Tá cheio de gente olhando… isso é errado.— Quer que eu saia? Toma a porra do seu Alprazolam — ela cruzou os braços, um movimento deliberadamente lento roçando contra sua cintura. Era errado demais para dar prazer; e justamente por isso dava prazer: — Você fez aquilo com ela, Nunes. Ela tá fria por culpa sua, e você sente saudades dela.A trilha sonora da nave, uma música antiga de baixa qualidade — cheia de ecos metálicos e sintet
A sala oeste da nave parecia um anfiteatro futurista, onde a rotina se confundia com a contemplação do impossível. Entre mesas repletas de anotações e lousas riscadas de branco, o ar se enchia de café refinado e óleo de peppermint. Os cochichos dispersos dos programadores completavam a cena, debatendo fórmulas sobre o buraco negro lá fora.— Chique, né? — Nevaska cruzou os braços, a postura desafiadora e relaxada.— Chique? Cê tá de sacanagem... — Nunes murmurou, esparramando-se no sofá, a exaustão da vigília noturna pesando em cada músculo: — Que estilo cafona, mano!O ambiente respirava o antigo estilo Frutiger Aero — superfícies translúcidas, curvas suaves, luzes suspensas que pareciam flutuar.— Mano? — ela prendeu o olhar em Nunes, como se esperasse um veredito: — Tá me achando com cara de homem, porra?!— Ôh, mana! Foi mal, meu amor... é o cansaço me fazendo passar vergonha — ele riu, as mãos apertando o rosto: — É a nave! Ela tá me deixando louco... cê sabe que eu sou do time d
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