Capítulo 1 (parte 3)

Nunes respirou fundo.

— Que merda cê tá falando, cara? — Nunes murmurou, a testa franzida.

— É, porra. Agora que você tá solt— Uma cacofonia de vozes irrompeu, as sílabas se emaranhando em um rugido indecifrável. Franco falou por cima. Nunes sentiu seu cérebro falhar ao processar o fluxo duplo de linguagem, como se duas estações de rádio estivessem tocando ao mesmo tempo

— Pera aí... — Nunes riu, o olhar passando entre Rúi e Franco: — Um fala de cada vez. Você primeiro, Franco.

Franco ouviu, mas não respondeu. Apenas inclinou a cabeça, muito devagar, como um pássaro observando um inseto moribundo. Seus olhos azuis se estreitaram até se tornarem fendas. O que Franco via não era Nunes falando com um amigo, mas sim um homem alternando o olhar entre a parede e o colega, pedindo a ambos que cedessem a vez de falar.

— Responde ele, Nunes! — Rúi cutucou Nunes no ombro.

— E a central? — Nunes ignorou Rúi, se virando para o Franco: — Tá sabendo disso já?

Nos cantos da sala, o murmúrio de outras conversas cessou. Não houve o parar brusco de antes, mas sim um esvaziamento lento e gradual do ambiente. As pessoas se viravam discretamente, a incredulidade em seus rostos não era mais julgamento, mas sim medo. Era o ápice do Vale da Estranheza — eles não estavam apenas vendo Nunes ter um lapso; estavam presenciando uma cena bizarra de loucura aguda e pública.

— A gente mandou mensagem... — Franco riu, o olhar fitando Nunes: — Mas disseram que não precisamos nos preocupar. Não pode ser os insurgentes porque a única tripulação humana que cruzou o buraco de minhoca foi a gente até hoje.

— Agora responde minha pergunta, tonhão! — Rúi gesticulou com a mão em um movimento rápido, e Nunes sentiu o cabelo ser repentinamente bagunçado, mas não sentiu o toque físico. Foi uma impressão fria e momentânea, a certeza de que algo o havia atingido, embora nenhum calor ou pressão tivesse sido exercido.

— PARA, PORRA! — Nunes empurrou Rúi para longe, agora todos em silêncio.

Nunes empurrou o ar, o nada, com uma força real, e o efeito Elias atingiu a cabine como um choque. Franco recuou um pouco na cadeira, a mão subindo até o próprio pescoço em um reflexo de defesa. O silêncio que se seguiu não foi apenas de observação; era o silêncio atordoado de quem está vendo uma ruptura da sanidade se manifestar fisicamente, um vácuo no corredor onde a violência de Nunes se esvaía.

— Grita mais… grita pros vizinhos ouvirem! — ele brincou, se aproximando de novo: — E eu falei sério. Lembra daquela mina, mês passado?

— Que eu prendi? — Nunes arqueou uma sobrancelha.

— Exato. Ela era gata. Pra caralho. E era insurgente. Só queria saber isso, sabe? Acho que você sempre teve vontade de ficar com uma. Papo de virar gato e sapato dela. Te vi todo… durinho com aquela desgraçada!

— Queriam minha opinião no que, Franco? — Nunes ignorou Rúi, outra vez.

O cheiro de peppermint parecia agora uma névoa anestesiante, permitindo que Nunes ignorasse o pavor silencioso que emanava de cada colega na sala.

— Nunes… — Franco riu, coçando a nuca, como se escolhesse bem as palavras: — Ninguém na verdade pediu sua opinião. Você só… levantou e veio. Mas desde que você saiba algo sobre modelos de nave… — ele abriu uma tela no monitor, uma espécie de maquete 3D do objeto à distância: — Isso tem cara de nave. Mas e o modelo dela? Às vezes seu Rúi interior aí sabe, né? — Franco segurou uma risada, a voz quebrada.

… Nunes se concentrou, os olhos cerrados.

— Você ficaria ou não? — Rúi sussurrou no ouvido de Nunes, provocativo.

— Caralho, irmão… — Nunes esfregou a mão nas têmporas: — Tá parecendo um punheteiro! Fica com essas ideias de fetiche de policial com vagabunda!

Os colegas trocaram olhares, a única comunicação sendo um lento balançar de cabeça. Loucura virou entretenimento.

— Mas a Laura não tinha sido presa? — Rúi não apenas sorriu; ele escancarou a boca em uma fissura macabra que tomou seu rosto. Aquele não era um sorriso humano, era uma deformidade viva que desafiava a anatomia, um rasgo largo demais, grosseiro demais para caber na face de um homem normal.

Nunes sentiu um arrepio gélido e nauseante percorrer sua espinha. Outra vez.

O clima pesou como uma bigorna por um instante.

— Rúi… — Nunes rugiu: — Não fala dela, porra.

— Tá bom! Tá bom, Durateston — ele cruzou os braços: — Eu fico daqui olhando só, então!

— P-E-R-F-E-I-T-O! — Nunes soprou a palavra, a paciência já esgotada: — Agora deixa eu prestar atenção aqui!

Franco piscou, lento. Se perguntou se Nunes sequer o tinha ouvido antes. O olhar de Nunes recaiu novamente no holograma que rodava lentamente em 360 na tela do monitor.

— Não é dos policiais. A gente usa um modelo de propulsão diferente ali no booster — Nunes tocou a tela com a mão, circulando em uma parte: — E… a parte central da nave deles tá estranho. Tipo em formato de… pentágono irregular? Diferente da nossa estrela.

— Pois é. Achamos estranho isso também — Rúi retrucou, entrosado.

Nunes olhou para ele de supetão, os olhos cerrados.

— E vocês vão tomar que providência? Isso tá cheirando mal — Nunes continuou: — Queima de arquivos. Tipo como se eles quisessem ver se era possível mandar uma tripulação humana pra cá e depois… matar. Sem rastros.

— Pessoal tá se armando — Franco explicou: — O modelo da nave apresenta ter sala pra acoplagem. Compatível com a nossa. Eles podem chegar e simplesmente invadir.

— Como?! Isso é espaço, porra. Como que uma nave a milhões de quilômetros por hora chega e simplesmente INVADE nossa?

— É simples… — Franco deu de ombros: — Eles calculam o tempo pra chegar até a gente baseado na velocidade deles… e vai diminuindo muito conforme chegam. Mesmo que a gente também esteja rápido. E é isso. Colam devagarzinho a nave deles na nossa, bem na sala de atracagem de naves, igual naquela cena tensa do Cooper do Interestelar atracando na nave depois do planeta aquático. Só que aqui é real. E os insurgentes são especialistas nessa merda. Se for eles mesmo, estamos fodidos.

— Tá… — Nunes se levantou: — Vou me armar também, colete e o caramba. Pede pro pessoal ficar em alerta. Sério.

— Sim, senhor!

Nunes abriu caminho, passando pela multidão curiosa, caminhando até um outro quarto. Rúi veio atrás, um contraste com a altura de Nunes.

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