Capítulo 3 – No tabuleiro dele
A porta se abriu devagar, como se quem estivesse do lado de fora quisesse anunciar a própria presença. A luz fraca do beco invadiu o galpão por um instante, revelando a silhueta de um homem alto, jaqueta de couro, mãos enfiadas nos bolsos. Ele entrou sem pedir licença, os passos ecoando no chão de concreto. O cheiro de cigarro e chuva o acompanhava. Seus olhos varreram o ambiente, pousando primeiro em Dominic… e depois em Valentina. — Parece que você arrumou um problema, Ferraz — disse ele, com um meio sorriso carregado de ironia. Dominic apenas ergueu uma sobrancelha. — Ou talvez tenha encontrado a solução. Valentina manteve a faca erguida, mas o novo visitante não parecia se intimidar. Pelo contrário, havia algo no jeito dele que a deixava em alerta — como se conhecesse Dominic bem demais para se surpreender com o que estava acontecendo. — Quem é ela? — perguntou, o tom curioso, mas atento. — Uma mulher cheia de… iniciativa — respondeu Dominic, saboreando a palavra como se tivesse um segundo significado. — E com um talento especial para se meter onde não deve. Valentina deu um passo para trás, o olhar indo rapidamente entre os dois. Não sabia se aquele homem era aliado ou inimigo, mas a sensação de que estava cercada começava a se confirmar. O estranho tirou algo do bolso — uma chave inglesa pesada. Girou-a na mão como se fosse um brinquedo. — Quer que eu resolva isso agora? — Não. — Dominic manteve os olhos fixos nela. — Ainda estamos conversando. A tensão era palpável. E, pela primeira vez, Valentina percebeu que o jogo que pensava estar controlando tinha regras… mas não eram as dela O homem da jaqueta — que Dominic não se preocupou em apresentar — deu alguns passos lentos, a chave inglesa girando entre os dedos. O som metálico ecoava no galpão, como uma contagem regressiva que só Valentina parecia ouvir. Dominic recostou-se na cadeira, as pernas amarradas não diminuindo em nada a autoridade no olhar. — Sabe qual é o problema de cometer um erro, princesa? — Ele falou baixo, mas cada palavra cortava como vidro. — É que, às vezes, você não percebe que já passou do ponto de conserto. Valentina manteve a faca firme, mas a mão começava a suar dentro da luva. — E o que exatamente você acha que vai fazer? Está amarrado, lembra? — Engraçado… — Dominic sorriu, lento, perigoso. — Olha bem para mim e me diz: quem parece realmente preso aqui? O visitante riu baixo, como se soubesse a resposta. Ele circulou Valentina, medindo cada passo, até parar ao lado dela. Perto o bastante para que ela sentisse o cheiro de nicotina misturado com couro molhado. — Ela está nervosa — comentou ele, como quem avalia um animal acuado. — Mas tem fogo nos olhos. — Eu disse que era interessante — respondeu Dominic, sem tirar os olhos dela. — O tipo de mulher que vale a pena manter por perto… mesmo quando tenta te matar. Valentina sentiu o ar rarear. Eles estavam jogando com ela, testando seus limites. A presença dos dois — um sentado, outro em movimento — criava uma armadilha invisível. Dominic inclinou a cabeça, analisando-a como se estivesse decidindo o próximo movimento. — Então, princesa… vai me dizer o que eu quero saber, ou vamos deixar o meu amigo aqui se divertir um pouco? A chave inglesa girou mais uma vez, o som metálico estalando no silêncio. E Valentina, pela primeira vez desde que iniciou aquele sequestro, não tinha certeza se sairia dali inteira. Manteve a postura, mas cada músculo gritava alerta. Dominic não piscava, e o amigo dele parecia ansioso para agir. A tensão no ar estava tão densa que quase dava para ouvir o silêncio. — Última chance, princesa… — disse Dominic, a voz baixa, carregada de ameaça velada. — Quem você achou que estava levando? Ela apertou mais a faca, o metal frio contra a palma da mão. — Isso não importa. — Ah… importa sim. — O sorriso dele foi lento, calculado. — Porque a resposta vai decidir se você sai daqui… andando. O homem da jaqueta deu um passo para frente, levantando a chave inglesa como se fosse apenas mais uma ferramenta de trabalho. O brilho metálico refletiu a luz fraca, iluminando por um instante o olhar determinado — e perigoso — dele. Valentina recuou até sentir as costas tocarem a parede. O coração batia tão rápido que ela se perguntava se Dominic conseguia ouvir. Ele inclinou-se para frente, os olhos fixos nela. — Escolha, Valentina. Falar… ou apostar que vai conseguir me manter preso até o amanhecer. E antes que ela respondesse, a porta do galpão se abriu de vez, revelando uma terceira presença. — Bom… — disse a nova voz, grave e carregada de ironia. — Parece que cheguei na hora certa para a diversão. Valentina sentiu a respiração falhar. Agora eram três. E todos olhavam para ela como se fosse o único prêmio daquela noite.