Capítulo 2 – O Peso das Palavras

Eu senti meu nome pousando nos lábios dele como uma lembrança antiga, delicada demais para ser tocada:

— Julia.

A forma como ele disse meu nome me atravessou. Era um som familiar, mas diferente. Como uma música que você escutou muitas vezes, mas que agora toca com outro arranjo. Eu fechei os dedos com força contra o tecido do meu casaco, tentando manter o corpo presente.

— Guilherme. — respondi, firme, embora por dentro tudo tremesse.

Ele respirou fundo, dando um passo mais próximo. O suficiente para que eu sentisse o perfume leve que ele sempre usou, aquele cheiro que agora veio como um golpe inesperado. As lembranças não pedem permissão para voltar.

— Eu… não sabia se você estaria aqui — ele disse, olhando ao redor, como se a praça ainda guardasse versões antigas de nós dois sentados ali, rindo, sonhando.

— Eu sempre estive aqui — respondi, sem suavidade. — Pelo menos uma parte de mim.

Ele baixou o olhar, como quem entende mais do que gostaria.

— Eu queria ter voltado antes.

Um riso escapou dos meus lábios — não um riso alegre. Era aquele tipo de riso que queima, que machuca.

— Queria? — repeti, lenta, para que ele sentisse o peso da palavra. — Guilherme, você nem sequer se despediu.

O silêncio que se seguiu foi tão pesado que até o chafariz parecia mais alto.

Ele tentou se aproximar mais, mas eu levantei um pouco a mão. Não para afastá-lo — apenas para manter a distância exata entre o passado e o presente.

— Você simplesmente foi embora — continuei, com a voz baixa, mas firme. — Um dia estávamos fazendo planos. Eu lembro. Você disse que tudo ia dar certo, que o futuro seria nosso. No dia seguinte… você sumiu.

Meus olhos arderam, e eu odiei a sensação. Odiei porque eu não queria chorar na frente dele. Não queria parecer frágil, quebrada, ainda presa.

Mas eu estava presa.

Há doze anos.

— Eu acordei no dia seguinte e você não estava lá — continuei. — Nem uma carta. Nem uma mensagem. Nada. Guilherme, você levou o que eu tinha de mais bonito… e deixou um buraco no lugar.

Ele fechou os olhos, como se cada palavra fosse uma lâmina.

— Eu sei. — a voz dele saiu rouca. — Eu sei que te machuquei. Eu nunca deveria ter ido daquela forma.

Senti o estômago revirar.

— Então por que você foi? — minha voz falhou, mas não recuei. — Por que não disse nada? Por que não me deu nem a chance de entender?

Ele demorou a responder.

E quando falou, parecia lutar contra algo dentro dele:

— Eu tinha medo.

— Medo de mim? — perguntei, magoada.

— Medo de te prender a algo que eu não tinha como prometer — ele disse, finalmente levantando o olhar para encontrar o meu. — Eu estava desmoronando, Julia. Por dentro, eu estava em ruínas. E eu não queria que você caísse comigo.

Eu respirei fundo, tentando organizar o impacto dessas palavras. Elas vinham tarde demais. Chegavam quando o estrago já estava feito.

— Você podia ter confiado em mim — respondi, e minha voz era a mistura perfeita de dor e maturidade. — Eu teria caído com você. Eu teria ficado. Eu teria ajudado.

Ele sorriu triste. Um sorriso quebrado. Desculpado demais. Tarde demais.

— Eu sei. E talvez esse tenha sido o problema. Eu sabia que você ficaria. Eu sabia que você se entregaria por mim. E eu não queria ser a razão de você abrir mão de tudo que era.

Meu peito apertou de novo — mas por outro motivo. Porque parte de mim entendeu. E odiou entender.

— Então você decidiu escolher por mim — sussurrei.

— Eu decidi te proteger — ele corrigiu, mas a voz falhou.

— Não, Guilherme — neguei, firme. — Você decidiu me abandonar. E são coisas diferentes.

Ele ficou em silêncio.

E ali estava a verdade entre nós: crua, sem poesia.

Eu respirei fundo, sentindo o peso de doze anos se soltando, pouco a pouco, como um nó que finalmente afrouxa, mesmo que ainda não desate por completo.

— Durante anos eu me perguntei se eu tinha feito algo errado — confessei. — Se eu não fui suficiente. Se eu deveria ter sido mais isso, menos aquilo. Passei tanto tempo tentando entender… que quase me perdi.

Os olhos dele brilharam, úmidos, como se uma lágrima se formasse mas ele segurasse por orgulho ou por respeito.

— Você sempre foi suficiente — ele disse, com uma sinceridade que eu pude sentir. — Você foi… tudo.

Meu coração vacilou, só por um segundo.

Mas eu já não era mais aquela menina.

Respirei fundo.

— Guilherme… eu segui em frente. Não no sentido que você pensa. Eu vivi. Eu cresci. Eu aprendi a me reconstruir. Eu encontrei coisas boas depois de você. Pessoas boas. Amor… bom. Mas a marca ficou. E eu estou aqui hoje, porque eu precisava olhar pra você e dizer isso. Eu precisava encerrar essa história com a minha voz, não com o seu silêncio.

Ele engoliu seco.

— Eu entendo.

Eu olhei para ele, para aquele rosto que um dia eu soube de cor.

E percebi que sim… eu ainda sentia algo.

Mas não era o que eu esperava.

Não era saudade.

Não era amor.

Era fim.

Doce, suave, necessário.

Eu expirei devagar.

— Obrigada por ter vindo — eu disse, finalmente.

Ele assentiu, apenas com os olhos.

E pela primeira vez, em doze anos, eu senti a cicatriz — e não a ferida.

O passado estava diante de mim.

E eu não estava mais presa nele.

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