Capítulo 20 — A Sombra do Leilão
O salão voltou a respirar como se nada tivesse acontecido. O quarteto fez as pazes com as notas, as taças cintilaram, as conversas retomaram o tom morno de quem gosta de ser visto. Mas eu ainda sentia no peito o peso do caderno sem nome e, na boca, a sobra do quase — o quase beijo, a quase queda, o quase crime filmado pelas câmeras que Helena já conhecia antes de mim.
Encontrei-a de novo num terraço lateral, onde o pátio de laranjeiras desenhava sombras redondas no chão. O vestido marfim dela parecia acender sem pedir permissão. A cidade subia como um perfume — pedra aquecida, flor, poeira antiga. Ela não virou quando cheguei; sabia que eu saberia que era ela.
— Eles foram embora — disse, sem me olhar. — Mas ainda estão aqui.
— Saboya?
— Sombras não precisam de gravidade.
Aproximei-me até que o perfume dela — seco, com especiaria discreta — tomasse o lugar do ar. O rubi no dedo respirava de novo, uma brasa calma. O silêncio entre nós tinha temperatura.