O avião decolou e, nesse momento, tudo o que Isabel fora em Solária deixou de existir. Não houve lágrimas. Só uma dor por ter escolhido errado, uma dor que parecia ocupar cada espaço dentro dela. O som das turbinas era constante, quase hipnótico, e ela deixou que a envolvesse. Era mais fácil se prender àquele ruído mecânico do que ao caos que rodava em seu peito.
Pelas janelas, ela viu a cidade diminuindo, as luzes se tornando pontos pequenos até desaparecerem na escuridão da noite. Era estranho: parecia que observava sua própria vida se apagar, rua por rua, memória por memória.
As horas passaram, e as lembranças de sua vida em Santa Aurélia vieram com força, todas de uma só vez.
Ela se viu ainda menina em Santa Aurélia, correndo pelos jardins floridos do casarão, rindo despreocupada, acreditando que o mundo era todo dela. Depois, lembrou-se da primeira vez que ouviu sobre o casamento arranjado com os Ferraz. Tinha doze anos, talvez treze. Riu na hora, achou um absurdo. Mas logo entendeu que não era brincadeira. Era destino, como sua mãe insistia em repetir.
O eco da discussão ainda a queimava:
Ela fugiu do casamento. Fugiu de tudo o que disseram que não podia ser mudado. Escolheu Adriano em meio à sua rebeldia, seu grito de independência, jurou que seria amor para a vida toda, mesmo tendo que aceitar calada as decisões que ele tomava. Ela não tinha voz. E agora, ironicamente, era a traição dele que a arrastava de volta para o destino que tanto rejeitara.
Apoiou a testa contra o vidro frio. Lá estava ele, de novo, em sua mente: Adriano, em Porto Esmeralda, vivendo a lua de mel deles... com Elena, não com ela. Isabel se imaginou naquela praia, ouvindo promessas que nunca seriam cumpridas. O gosto da humilhação era amargo, quase insuportável. Por isso, decidiu que ele nunca mais entraria em sua vida.
Quando o comandante anunciou que haviam chegado ao destino, o coração dela disparou. As luzes de Santa Aurélia surgiram pela janela. Era a mesma paisagem de sua infância.
O aeroporto era menor do que lembrava. O cheiro de café forte no ar, os anúncios abafados... tudo parecia igual e, ao mesmo tempo, diferente. Suas mãos tremiam quando pegou a mala.
E então, ela o viu.
Alfredo. De pé, próximo à saída, com a mesma postura rígida e o olhar sereno de sempre. O cabelo agora grisalho, mas o rosto ainda carregava aquela serenidade que a lembrava da infância.
Quando seus olhos se encontraram, Isabel temeu a censura. Mas não havia nada disso. Só uma sombra de sorriso, discreta, que a desarmou.
O peito dela apertou. Isabel não conseguiu responder de imediato. Tudo o que saiu foi um sussurro rouco:
Ele pegou sua mala sem cerimônia, como se nenhum tempo tivesse passado, e a conduziu até o carro preto estacionado do lado de fora. Ela entrou no banco de trás e, pela janela, viu o aeroporto se afastar.
Isabel estava apenas voltando para casa. Voltando para o casamento que não aceitara, para a família que deixara, para aqueles que a amavam acima de tudo.
A estrada se estendia diante dela, longa, parecia não ter fim, mas talvez fosse a ansiedade que fazia parecer assim. E ela não estava fugindo... estava finalmente voltando a ser quem sempre deveria ter sido.