Capítulo 6

“Máfia não é espetáculo. É sangue. É pacto. É silêncio.”

Matteo

O cigarro queimava lento entre meus dedos. A fumaça subia preguiçosa no ar viciado da sala subterrânea da sede. A madeira da mesa rangia toda vez que alguém se mexia demais. A caveira no anel de Giuseppe tilintava sempre que ele tamborilava os dedos. Aquilo era irritante, mas fazia parte do ritual. A gente aprende a tolerar os pequenos vícios dos homens que já mataram por você.

— Roubaram mais um dos nossos carregamentos em Catanzaro. — disse ele com a mesma frieza de quem fala sobre uma remessa de pneus.

Giovanni bufou ao meu lado, os olhos fixos no mapa sobre a mesa.

— Foi a porra de alguma ONG?

— ONG não tem acesso ao nosso sistema bancário. Isso foi coisa de alguém de dentro. — disse Giuseppe.

Não falei de imediato. Observei. Analisei. A sala estava cheia de capos, os mais velhos, com o olhar vazio de quem viu amigos morrerem por omitir um nome. Os mais jovens, herdeiros de sangue, querendo provar algo. Violência, para eles, era a única linguagem que importava.

Na ’Ndrangheta, não se entra. Se nasce. Lealdade vem no sangue. E traição é paga com carne.

Meu pai dizia que o silêncio é a primeira lição. Eu aprendi a calar até o amor. Até a raiva.

— Matteo? — Giovanni me chamou.

Apaguei o cigarro na borda da mesa. Encarei todos, um por um.

— Quem estiver mexendo no nosso sistema está mais perto do que parece. As rotas de Catanzaro não são fáceis de rastrear. Os depósitos são registrados em nomes de mortos enterrados antes da Segunda Guerra. Isso não veio de fora. Veio de dentro.

— E se for os carabinieri? — perguntou um garoto estúpido, neto de um dos fundadores dos Giannuzzi.

— Eles só entram onde a gente deixa entrar. Não são eles.

Giovanni se inclinou.

— E a promotora?

Ninguém precisou dizer o nome dela. O ar ficou mais pesado.

— Anda mexendo com merda demais. Soldados sumindo, denúncias em propriedades fantasmas, e agora… ONGs. Se ela encostar no tráfico de gente, vamos ter que apagar a trilha antes que ela respire perto demais. — falei.

— Dois dos nossos estão seguindo ela. Está frequentando um bairro afastado, perto da linha do trem desativada. — disse Francesco.

Giovanni apoiou os cotovelos na mesa.

— O leilão em Marrata vai acontecer daqui a três dias. Dá para repor o que foi perdido.

Marrata.

O nome soava como festa. Mas era tudo, menos isso. O Leilão de Marrata era o tipo de evento que ninguém fora da velha guarda sabia que existia. Não acontecia todo ano. Só quando alguém precisava reabastecer.

Era isso. Carne nova. Corpo fresco para abastecer bordéis escondidos nas costas do Adriático. As garotas eram compradas como gado. Quem não servia, virava entretenimento de torturador.

— A lista já saiu? — perguntei.

— Ainda não. Mas deve vir amanhã. Se quiser, eu posso garantir prioridade nos lotes.

Assenti com a cabeça. A podridão era parte do jogo. Quem fecha os olhos vira alvo. E eu nunca fui bom em fechar os olhos.

— Quero também os nomes de todos que operaram a rota de Catanzaro nas últimas duas semanas. Um por um. E se tiver dedo de dentro… eu mesmo vou cortar.

— E se for guerra de território? — insistiu Giovanni.

— A gente revida com fogo. Não com dúvida.

Silêncio. Os mais velhos entenderam. Os mais jovens fingiram entender. Mas quem ousasse hesitar, sabia o destino.

Recostei na cadeira. Tamborilei os dedos sobre a madeira.

— E o prefeito de Reggio Calabria? — perguntei. — Ouvi dizer que ele anda tentando ser honesto demais.

— Já tentamos uma conversa. — disse Giuseppe.

— Tentem outra. Se não funcionar… troquem a cabeça dele.

— E se recusarem?

— Aceitam. Ou desaparecem.

O relógio marcava quase meio-dia quando a reunião terminou. Cada homem saiu dali com uma ordem clara. Sem questionar. Sem desafiar.

Desci sozinho para a garagem secreta. O corredor cheirava a umidade e pó, as luzes falhavam como o pulso de um doente terminal. Era ali que meu pai me deu minha primeira arma. Era ali que, anos depois, eu matei meu primeiro traidor.

Martina estava em Paris. Uma campanha para uma marca francesa que eu nem lembrava o nome. Ela era linda, elegante, perfeita para mostrar ao mundo, e perfeita para esconder o tipo de homem que eu era por trás das cortinas.

Na ’Ndrangheta, ninguém tem escolha.

Você nasce dentro. E morre dentro.

O que acontece entre esses dois pontos… é só consequência.

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