Capítulo 2

“A ausência de uma mulher forte é o início da ruína de um império.”

Matteo

Calábria | Itália

A mansão Fontana estava irreconhecível.

Mesmo com todos os móveis no lugar, os tapetes limpos, o café servido na hora certa… havia um vazio ali que não era físico. Era ancestral. A ausência da minha avó pairava no ar como uma sombra que ninguém queria reconhecer, mas que pesava sobre cada canto da casa.

Ela dava vida àquela estrutura fria. Agora, só restava o eco.

O silêncio da mesa de café era quase mais barulhento que um tiroteio. Desde que minha avó foi enterrada, tudo parecia fora do eixo. Desalinhado. O coração da casa tinha parado de bater.

Luca estava à minha esquerda. Quieto. O olhar baixo, as mãos no colo, tentando sumir na cadeira. Eu não o encarava. Não porque evitava. Mas porque não queria ver.

Não queria ver os traços dela estampados no rosto dele.

A maldita lembrança do que me destruiu.

Tratei-o com a frieza de sempre. Nem bom dia, nem pergunta. Só presença.

Como se ele fosse apenas mais uma mobília na mansão.

E ele já entendia o recado: não espere nada.

À direita, Isabella. A filha que mais parecia uma granada sem pino.

Cruzava os braços com desprezo, encarando o prato como se cada garfada fosse uma punição. Já não se esforçava para esconder a raiva, de mim, do mundo, da família.

Era rebelde na essência.

A adolescência só deu desculpa.

Verônica, como sempre, se mantinha ereta, elegante, afogada no próprio ego. Mexia o café como se estivesse no camarote de um desfile, e não no epicentro do colapso da máfia mais temida da Calábria.

O luto nela era estratégia, não sentimento.

Ela nunca amou Alessandra. E Alessandra nunca a aceitou. Nem viva. Nem morta.

Giovanni entrou sem pedir licença, o que já era hábito.

Tomou o lugar dele na mesa como se fosse o terceiro irmão perdido da família.

Era mais que meu conselheiro. Era o único com coragem para me cutucar e não levar um tiro por isso.

Serviu-se de café, tomou um gole e disparou:

— Os sicilianos chegaram ontem à noite. Estão no hotel em Reggio. Aguardando sua decisão.

Continuei olhando pro fundo da xícara.

— Vão aguardar mais. — respondi. — Não é o momento para alianças forçadas.

— E quando vai ser? — retrucou, sereno. — A morte de Alessandra abriu espaço. E você sabe que todo espaço vago vira alvo.

— Sei exatamente o que abriu. — rebati. — Mas não sou moleque para fazer acordo no calor do luto.

Silêncio.

Giovanni recuou, como de costume. Sabia quando parar.

Mas o olhar dele me acusava. Achava que eu estava hesitando.

Talvez estivesse.

Verônica soltou um suspiro forçado. Em parte por tensão, em parte por cálculo.

— Isabella precisa de um limite. — disse, sem desviar o olhar da neta.

— Ela só precisa entender que o mundo não gira ao redor da dor dela. — respondi, seco. — Ninguém aqui teve escolha.

Giovanni soltou uma risada seca.

Isabella largou o garfo no prato com força e se levantou.

— Foda-se esse teatro. — murmurou, antes de sair da sala.

O som dos passos dela na escada ecoou como um tapa.

Giovanni apenas observou.

Verônica cruzou as pernas, altiva, como se não fosse com ela.

E eu? Continuei bebendo o café amargo.

Era isso que tínhamos agora.

Uma mansão que parecia mais um mausoléu.

Uma filha que me odiava.

Um filho que era a lembrança viva do que eu queria esquecer.

E uma família à beira do colapso.

A morte de Alessandra foi só o começo.

O verdadeiro inferno ainda estava batendo à porta.

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