Capítulo 1

“Você pode fugir de tudo, menos daquilo que te moldou.”

Angeline

Tromsø | Noruega

O frio de Tromsø não perdoa. Ele cala. Isola. Congela até a alma.

Era por isso que eu estava aqui.

Dez anos me escondendo no fim do mundo.

Uma cidade branca, morta, esquecida por Deus, onde o silêncio é lei e o passado não tem espaço.

Onde eu podia existir sem ser notada. Sem ser lembrada.

Onde Matteo Fontana não me encontraria.

Me tornei Elena Moretti assim que pisei no aeroporto.

Cortei o cabelo, as raízes e qualquer parte de mim que ainda atendesse por Angeline.

Passei a empilhar livros numa livraria modesta.

Depois, dar aulas de italiano para turistas perdidos e alunos preguiçosos.

Hoje, sou professora de línguas. Uma mulher reservada. Discreta. Quase invisível.

Meus colegas acham que perdi alguém. Que fugi de um marido violento.

Eles não estão errados. Só não têm ideia da gravidade.

Naquela terça-feira, tudo parecia igual. O vento cortante no rosto. O café ralo. A rotina anestesiada.

Até que vi o envelope no meu armário.

Branco. Sem logo. Discreto.

Com meu nome verdadeiro escrito à mão:

Angeline.

Foi como levar um tiro seco no peito.

Fazia uma década desde a última vez que alguém ousou me chamar assim.

Meu coração martelou dentro do peito.

Não porque haviam me achado.

Mas porque, ao escrever aquele nome, me arrancaram da falsa paz que eu construí.

Abri o envelope com os dedos trêmulos. Um único bilhete, escrito com uma caligrafia familiar:

Alessandra Fontana faleceu ontem à noite.

Achei que você gostaria de saber.

– Giulia Bianchi

Sentei. Devagar. Como se cada músculo tivesse esquecido como reagir.

Alessandra morreu.

A última mulher da família Fontana que me olhava sem ódio.

A única que ainda me chamava de figlia.

Ela era firme, direta, e muitas vezes cruel em suas verdades. Quando todos me viraram as costas, ela foi a única que me ofereceu abrigo, ainda que em silêncio.

Ela era o equilíbrio.

A bússola moral de Matteo.

A única capaz de contê-lo...

A última âncora que o mantinha, mesmo que por um fio, preso à sanidade.

E agora... ela se foi.

O vazio foi imediato. E ao mesmo tempo, o pânico.

Porque Alessandra era o último freio de Matteo.

A única que ele ouvia.

A única que ainda o fazia hesitar.

A única capaz de lembrar ao Don da máfia quem ele era antes de virar uma lenda mergulhada em sangue.

E agora, com ela morta... ele não tem mais nada a perder.

Fechei os olhos. Tentei respirar.

Mas já era tarde.

Na minha cabeça, já conseguia ouvir o som da porta sendo arrombada. Os passos pesados. A voz dele. A fúria.

Vindo atrás da única coisa que ele nunca conseguiu apagar.

Mesmo a milhares de quilômetros da Calábria... eu sabia que ele viria.

Não hoje. Não amanhã.

Mas viria.

Porque Matteo Fontana nunca deixou nada inacabado.

E eu fui a única ferida aberta da sua história.

Olhei pela janela coberta de gelo.

O mundo seguia normal lá fora.

Mas eu?

Eu já sentia o cheiro do sangue.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App