Capítulo 3

"Fugir não apaga cicatrizes. Só as esconde até a próxima batida na porta."

Matteo

Depois do café, o silêncio me acompanhou até o escritório.

O corredor da mansão parecia mais longo do que o normal. Os quadros de família pendurados nas paredes já não significavam nada. Eram só lembranças fossilizadas de uma linhagem manchada por sangue, poder e perdas. A ausência de Alessandra era como uma rachadura invisível em cada parede. Tudo parecia... vazio. E, ao mesmo tempo, prestes a explodir.

Giovanni fechou a porta atrás de nós assim que entramos. Jogou um fichário grosso sobre a mesa de mogno e se encostou na estante.

— Temos um problema. — começou.

— Novidade. — retruquei, sem tirar os olhos da tela do notebook.

— Um problema com nome e sobrenome.

Levantei os olhos, impaciente.

— Fala logo, porra.

— Giulia Bianchi. — disse ele. — A promotora. Estão dizendo que ela está mais ativa do que deveria. E melhor... que ela sabe onde Angeline se esconde.

Meu maxilar travou.

O nome dela ainda era um gatilho. Uma maldita cicatriz aberta que insistia em sangrar. Mas não deixei transparecer.

— Que tipo de informação é essa? — perguntei, seco.

— Nada confirmado. Mas temos um informante em Roma que garante que Giulia está financiando uma rede paralela. Discreta. Focada em interceptar rotas da Ndrangheta. Principalmente as ligadas a tráfico humano.

Cruzei os braços. O sangue começava a ferver sob a pele. A porra da heroína de toga queria brincar de justiceira em território nosso?

— E o que isso tem a ver com Angeline?

— Segundo esse informante, Giulia anda obcecada com uma possível testemunha-chave. Alguém que poderia ajudar a desmontar o núcleo da Calábria. Alguém que conheça os bastidores. As conexões. — Ele fez uma pausa e completou com pesar — Tudo aponta para ela, Matteo.

Me levantei devagar. Caminhei até a janela. O campo lá fora seguia calmo, mas era um engano. Por dentro, o império estava cheio de brechas. E uma delas atendia pelo nome de Angeline.

Giulia Bianchi tinha cruzado uma linha.

— Quero ela. — falei baixo.

Giovanni franziu o cenho.

— Como assim?

Me virei, encarando ele nos olhos.

— Sequestrada. Hoje. Manda dois dos nossos melhores homens. Ninguém pode saber que fui eu. Nada de rastros. Quero essa mulher aqui até o fim da semana. De preferência, em silêncio. Se tentar resistir, quebrem ela. Mas tragam viva.

Giovanni hesitou por um segundo.

— Matteo... isso pode trazer consequência. Ela ainda é promotora. Pública. Não é qualquer uma.

— E daí? — rosnei. — Quantos juízes, delegados e promotores já morreram em acidentes estúpidos? Ela se colocou no tabuleiro. Agora vai jogar conforme as regras. As minhas regras.

Voltei à mesa, peguei meu isqueiro de prata e acendi um cigarro.

— E se Angeline realmente estiver viva... Giulia vai ser a porta de entrada. Nem que eu precise arrancar isso dela dente por dente.

O silêncio do escritório pesou.

Giovanni assentiu.

— Vou cuidar disso.

— Cuida mesmo. E rápido.

Traguei fundo, deixando a fumaça encher os pulmões. O gosto era amargo, metálico. Como tudo naquela casa. Como tudo desde que ela me deixou.

Angeline.

O nome queimava como veneno, mesmo dez anos depois.

Ela achou que podia fugir. Que virar poeira a protegeria do que a gente tinha. Mas o tempo só fez crescer a dívida. E agora... a cobrança estava chegando.

O relógio marcava 09:47.

Começava agora o que ela jamais conseguiria evitar: o fim da fuga.

Porque até mesmo os fantasmas têm endereço.

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