Amália se assustou, se encolhendo sobre a cama, ao ver Glauco abrir a porta.
— É assim que me agradece? Trago você para minha casa, ofereço minha comida... e você a recusa? Glauco disse diretamente. Assustada, Amália baixou os olhos. — Eu... — Vou te mostrar que não tem nada na sopa. Disse ele, direto. Aproximou-se da mesa. Pegou o prato e com um pouco mais de quatro colheradas, comeu toda a sopa, até raspar o prato por completo. Amália o olhava, atônita. Aquele homem grande, arrogante, de feições fortes... estava ali, de pé, devorando a sopa que ela recusara. — Apenas me deixe ir. Disse, baixinho. Talvez, se o tocasse com algum senso de piedade, ele a deixasse partir. — Ir? Tem alguém lá fora te esperando? Um amante? Glauco se inclinou, invadindo seu espaço. — Não tenho ninguém. Não sei do que está falando. Amália piscava rápido, ansiosa. Sua voz quase sumia. O calor dele, o cheiro amadeirado de sua pele, a intensidade dos olhos verdes... tudo a desnorteava. Sentia o coração disparar, suas mãos estavam suando. Glauco segurou seu queixo. Pequeno, frágil. Tão diferente de Sofia. Os olhos de Amália eram límpidos, assustados, seus lábios pequenos e bem feitos. Os olhos de Sofia eram sedutores, provocativos. Seus lábios, sempre vermelhos com os batons mais caros, pareciam feitos para a perdição. Tudo nela transbordava luxo... e luxúria. A garota à sua frente era bem diferente de Sofia. Os cabelos e olhos claros lhe conferiam uma aparência angelical, não fosse pela expressão dura e o olhar carregado de raiva. E ele se divertia com isso. — Se não tem ninguém, então me diga... por que quer ir? Glauco soltou-a e recostou-se, observando-a com curiosidade. Amália hesitou. — Por quê? Eu... é... Respirou fundo, mas mudou de rumo, erguendo o olhar desafiador: — Por que você quer me manter aqui? Glauco soltou uma gargalhada baixa. “Inteligente” pensou ele. “Ela não sabia para onde ir e ele sabia disso, então desviou o foco da conversa com astúcia”. Achou interessante. — Você será minha criada pessoal. A frase veio direta, cortante. Na luz fraca, ele percebeu os olhos dela se arregalarem. As bochechas coraram, revelando a confusão que se espalhava em sua mente. — Criada pessoal? A voz dela subiu um tom. — Não serei sua amante! Outra gargalhada ecoou pelo cômodo. — Você acha que está em posição de me contrariar? Glauco perguntou, ainda se divertindo. — Sabe quem eu sou? Amália se ergueu da cama, o olhar fixo, o queixo erguido. — Não sei. E também não me interessa! Ele a observou por um instante, depois soltou um único comentário: — Selvagem. Ela estreitou os olhos. — O quê? Você que é um... Amália estava com medo, mas seu orgulho era maior. — O quê? Ele deu um passo à frente e segurou seus braços frágeis. Que desapareciam em suas mãos. — Diga. Ele a encarou com olhos afiados. — Brutamontes! Hipócrita! Amália se debateu. — Quer que eu acredite que é diferente? Me tirou de lá para fazer o mesmo que eles! Glauco não respondeu de imediato. Algo em sua expressão mudou. — O que eles fariam com você? Perguntou, num tom mais baixo, mas cortante. — Já passou por isso? Ele perguntou com seus olhos afiados e um misto de incredulidade e raiva.O silêncio caiu entre os dois. Amália desviou o olhar, e ele viu seus olhos se encherem de lágrimas. Lentamente, ele soltou seus braços. — Me responda! Você já passou por isso? Ordenou, a voz grave se intensificando. Ela estremeceu com o grito, mas respirou fundo e murmurou: — Eu fui vendida, sim... mas fugi. Todas as vezes, eu fugi. Ela disse com toda a coragem que conseguiu juntar dentro de si. Glauco piscou, absorvendo as palavras. Então soltou uma gargalhada alta, como se aquilo fosse absurdo. — Aqueles imbecis deixaram você escapar? Na cozinha, Danilo, Nice e Manoela ouviram o som inesperado do riso de Glauco. Era raro. Muito raro. — O que tem de engraçado nisso? Amália retrucou, com a raiva crescendo. Glauco deu um passo à frente. — Acha que pode fazer o mesmo comigo? Antes que ela pudesse reagir, ele a puxou de súbito, aproximando seu corpo do dele. O coração dela disparou. Pega de surpresa, bateu as mãos contra o peito dele, tentando se afastar. Glauco não recuou. Com um gesto lento, o polegar roçou sua bochecha e depois os lábios. — Fique tranquila. Não pretendo dormir com você. Sua voz era baixa, carregada de ironia. — Não faz meu tipo. Então, soltou-a. Sem equilíbrio, Amália caiu sentada na cama. — Hoje você vai ficar sem jantar. Já que o desperdiçou... a menos que me peça com jeito. Ela o encarou, indignada. — O que quer dizer com jeito? — Ajoelhe-se e me peça. Então mando trazer outro prato de comida. Disse, olhando fixamente para ela. — Nunca! Respondeu, firme. — Tudo bem. Vai ser uma noite longa. Agora vou jantar, porque estou com fome. Disse, saindo e deixando a porta entreaberta. Amália o viu sair. Esperou alguns segundos e tocou a porta, incerta. — Achou que eu ia mesmo te deixar sair assim tão fácil? Ouviu a voz dele no corredor, com um sorriso sarcástico. — Só ia encostar a porta. Respondeu. — Claro que sim.... Disse ele, continuando pelo corredor. Antes de desaparecer: — Nem pense em fugir. Garanto que não sou como os outros. Na sala de jantar, Glauco se sentou à mesa. Não demorou para Nice e Manoela trazerem o jantar. Danilo também se aproximou. — Senhor... — Já sei. Não foi leiloada. Glauco o interrompeu. — Sim, senhor. — Vá. Teremos outras oportunidades. Quando o assistente virou para sair: — Sente-se! Ordenou. — Eu... Danilo pareceu hesitar. — Já jantou? — Sim, senhor. Na cozinha. — Ótimo. Sente-se. Preciso falar com você. Sirva-se, se quiser. — Obrigado. Estou satisfeito. Respondeu, sentando-se com cuidado. — Aquilo hoje no leilão é comum? Perguntou Glauco. — Nos leilões, não. Mas já ouvi sobre esse tipo de comércio no porto. — Quem está por trás? — Há muitos boatos, mas nada concreto. — Investigue isso. — Sim, senhor... Danilo hesitou. — Posso fazer uma pergunta? Glauco assentiu com a cabeça. — É por causa da garota?