Capítulo 3

  Eu nunca gostei de surpresas. E, ainda assim, ali estava eu, dentro de um carro que não era o meu, ao lado de um homem que eu não conhecia — e que, honestamente, me dava mais medo do que confiança. Quando Harold me enviou para acompanhá-lo, não havia absolutamente nada informado sobre carros luxuosos, seguranças particulares e convites silenciosos feitos apenas com um olhar.

  Spencer não precisava falar. Bastava erguer uma sobrancelha ou mover o queixo que tudo ao redor se ajeitava para obedecê-lo. O motorista, por exemplo, recebeu apenas o nome de um local e partiu, como se já estivesse acostumado àquela rotina de comandos curtos, e quase mudos. 

  O nome do destino, no entanto, me deixou inquieta: The Crown Hall. Um pub no coração da cidade, famoso por abrigar a nata da elite e da classe média alta. O tipo de lugar que mais parecia uma fortaleza — se você não estivesse na lista de convidados, simplesmente não entrava.

  Eu já estive lá com alguns amigos da faculdade. E, sinceramente, não conseguia imaginar Spencer em um ambiente desses. Ele era calculado demais, sério demais. Não parecia o tipo de homem que toleraria música alta, corpos colados em dança e o cheiro misturado de bebida e fumaça. Ainda assim, a curiosidade começou a se infiltrar em mim como uma faísca perigosa. Quem era, afinal, esse homem que eu deveria “acompanhar”?

  O trajeto durou quase uma hora. Tempo suficiente para eu pensar em mil desculpas para recusar qualquer novo convite — e, ainda assim, tempo insuficiente para decifrá-lo. Quando chegamos, Spencer saiu primeiro. O motorista abriu a porta para mim, mas o que me pegou de surpresa foi o gesto de Spencer: o braço estendido, esperando que eu aceitasse. Hesitei, porque não sabia se aquilo era um ato de cavalheirismo ou uma armadilha. Eu sempre me sentia testada por ele. Mas, no fim, me segurei nele.

  Na entrada, a fila dobrava a esquina. As pessoas se amontoavam, ansiosas para entrar, mas o segurança apenas nos lançou um olhar rápido e assentiu, abrindo caminho como se fôssemos reis. Nenhuma palavra, nenhum questionamento. Ele e seus dois seguranças passaram direto. Eu me senti uma intrusa com crachá falso.

  Lá dentro, o impacto foi imediato: o baixo pulsava no peito, a luz se fragmentava em cores que varriam os corpos dançantes, e o ar tinha cheiro de suor misturado com álcool. Spencer, indiferente àquela vibração, subiu comigo por uma escada lateral até a área vip. O contraste era absurdo. No andar de cima, o espaço era aberto e elegante, com sofás de couro, mesas baixas e uma vista privilegiada da pista. Um garçom apareceu quase de imediato, como se estivesse apenas esperando a chegada dele.

  Spencer pediu bebidas. Quando a taça foi entregue a mim, ele inclinou o rosto e perguntou:

  — Prefere outra coisa?

  Foi a primeira vez naquela noite que pareceu se importar comigo. Eu balancei a cabeça.

  — O que pediu já está ótimo.

  A taça era fina, fria. O vinho deslizou pela garganta como se quisesse acalmar o turbilhão dentro de mim. Mas não tive muito tempo para apreciar. Uma mulher se aproximou. Alta, loira, em torno dos quarenta anos, com uma elegância que parecia natural demais para ser apenas estética. Ela cumprimentou Spencer com familiaridade, depois me lançou um olhar de soslaio. Não era hostil, mas carregava algo silencioso — talvez julgamento.

  Eu fingi observar a pista de dança, como se o movimento lá embaixo fosse infinitamente mais interessante. E foi nesse momento que ele se inclinou levemente para mim:

  — Fique à vontade para aproveitar a pista, Carly. 

  O que ele disse me pegou desprevenida, mas não tanto quanto a conclusão que fiz logo depois: ele queria privacidade para conversar com a mulher. Então, apenas assenti, sorri de maneira educada e me levantei, levando minha taça comigo.

  Desci as escadas sozinha. Sentei no bar e observei. Corpos colidindo, sorrisos escorregadios, uma liberdade que nunca fez parte da minha vida. Eu sempre fui irracional demais para me perder assim.

  Foi então que um cara apareceu. Alto, ombros largos, tatuagens espalhadas pelo braço, camiseta regata preta sob uma jaqueta. Um contraste gritante com Spencer — rude na aparência, mas simpático no olhar.

  — Posso te oferecer uma bebida? — ele perguntou, encostando no balcão.

  Olhei para minha taça vazia e soltei um meio sorriso.

  — Por que não?

  Ele se apresentou como Eric. Eu, automaticamente, como Carly. O cuidado em manter o disfarce era quase automático agora.

  — Nunca te vi aqui antes.

  — Primeira vez — menti, sem hesitar.

  O bartender colocou à minha frente um martíni. Eu bebi um gole e Eric me convidou para dançar.

  Não pensei muito. Apenas deixei que meus pés me levassem até a pista.

  A música me envolveu. Eu não dançava havia semanas, mas naquela hora, deixei que o ritmo fizesse o trabalho que eu não tinha coragem de fazer: me libertar um pouco. Eric era ágil, divertido. E foi nesse momento que senti. Um olhar me queimando. Levantei os olhos para o andar de cima.

  Spencer.

  Ele estava ali, imóvel, observando. O rosto era uma máscara impossível de decifrar. E ao lado dele, ainda estava a mulher loira. Então, continuei dançando, como se nada mais ali importasse.  

  Mas em algum ponto, tudo mudou. Meu corpo ficou mole, pesado. As luzes giraram mais rápido do que antes. Eu não sabia se era efeito do martíni ou outra coisa. Eric me segurou pela cintura, aproximando-se mais. Eu queria recuar, mas não tinha forças.

  De repente, uma presença firme me arrancou de seus braços. Spencer.

  A maneira como afastou Eric não deixou espaço para contestação. Ele simplesmente me levou, arrastando-me de volta para o andar de cima.

  Me sentou em um dos sofás, inclinou-se, o rosto próximo ao meu.

  — Você está bem?

  Balancei a cabeça, sem conseguir formar palavras. Tudo ao redor virou um borrão. As vozes se misturavam. A loira dizia algo, Spencer respondia. Mas nada fazia sentido.

  O único ponto fixo era ele, e o modo como seus olhos me atravessavam como se buscassem uma resposta que nem eu mesma tinha.

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