Capítulo 2

  A porta se abriu e, por um instante, perdi o fôlego.  Não era o tipo de homem que eu esperava encontrar ali. Ele era jovem — bem mais do que a maioria dos homens que costumavam me contratar — e absurdamente bonito. Terno escuro sob medida, gravata perfeitamente alinhada, o cabelo castanho ligeiramente desalinhado, como se tivesse passado a mão por impaciência. Mas o que mais me atingiu não foi a aparência: foi a presença. Ele era o tipo de homem que preenchia o espaço sem esforço, como se o ar tivesse se tornado mais denso só porque ele havia entrado.

  Seus olhos — intensos, frios e atentos — se prenderam aos meus por alguns segundos, mas não havia curiosidade ali, nem gentileza. Só um comando mudo, quase arrogante.

  — Vamos ser rápidos — disse, sem sequer se apresentar.

  Engoli em seco, surpresa. Geralmente, havia ao menos uma troca formal, um nome falso ou um aperto de mão, qualquer coisa que disfarçasse o negócio por trás da companhia. Mas aquele homem não parecia interessado em formalidades.

  Levantei-me devagar, ajeitando o vestido com as mãos, e caminhei ao lado dele pelo corredor elegante. As paredes de madeira polida refletiam luzes amareladas, e cada passo ecoava, como se denunciasse minha insegurança.

  Não sabia como agir. Deveria andar próxima a ele, como uma acompanhante confiante? Ou segui-lo de longe, obediente, como uma sombra? As duas opções me incomodavam. Sentia-me deslocada, quase ridícula, e essa sensação era inédita para mim.

  Ele não disse nada até chegarmos diante de uma porta dupla, de madeira escura. Então, virou-se para mim, com a expressão carregada de impaciência.

  — Não diga nada. Apenas sorria. E não atrapalhe.

  Assenti em silêncio, sentindo o estômago dar cambalhotas. Minha garganta parecia seca demais para responder.

  Seus olhos percorreram meu corpo de cima a baixo, demorados. Não havia malícia no olhar, tampouco interesse — era como se estivesse avaliando uma peça em exposição, decidindo se estava adequada ao padrão.

  — A roupa está aceitável — concluiu, arqueando levemente a sobrancelha. — Sem exageros.

  Um calor desconfortável subiu até minhas bochechas. Eu não sabia se queria rir ou socar aquele homem. A situação parecia um experimento social de mau gosto, uma pegadinha cruel da vida.

  Ele empurrou a porta e o ambiente do outro lado engoliu minhas reflexões.

  Era uma sala reservada, ampla, com uma mesa de madeira no centro e quatro cadeiras ocupadas por homens de aparência refinada. Gravatas alinhadas, ternos caros, gestos contidos que denunciavam uma vida de poder e influência. Alguns deles também tinham acompanhantes ao lado — mulheres tão arrumadas quanto eu, mas em vestidos brilhantes e decotados, feitos para chamar atenção de qualquer ângulo.

  O homem ao meu lado arqueou uma sobrancelha ao observá-las, e por um segundo tive a impressão de que ele se irritava com aquele contraste. Eu, discreta e sóbria demais, destoava delas de um jeito gritante.

  Senti meu coração acelerar. O que ele estaria pensando de mim, exatamente? E, mais importante, por que parecia que nada do que eu fizesse seria suficiente para aquele homem?

  Acompanhei-o para dentro da sala, fechando as portas com cuidado atrás de mim. O som do clique ecoou como uma sentença. Senti que a partir dali nada mais estava sob o meu controle.

  Caminhei até a mesa e, sem saber exatamente onde me posicionar, sentei-me ao lado dele. Ajustei a postura, as pernas cruzadas, as mãos repousando sobre o colo — insegura, como se estivesse sempre a um gesto de ser repreendida. Minha pele parecia mais sensível sob a luz amarelada do lustre, e cada movimento meu parecia exagerado diante do silêncio que se seguiu.

  Os homens presentes cumprimentaram meu acompanhante com respeito quase ensaiado, inclinando a cabeça ou estendendo a mão. Ele apenas assentiu, indiferente.

  — Vamos direto ao assunto — disse, sua voz grave cortando o ar com precisão.

  Um desconforto percorreu a mesa. Os outros se entreolharam, como se a pressa dele fosse uma quebra de protocolo. Ainda assim, começaram a falar.

  — O mercado de ações está instável, e algumas das maiores empresas já sentem os impactos... — disse um deles, um homem de meia-idade, enquanto ajeitava a gravata com dedos nervosos. — Estamos diante de uma nova crise. Talvez a mais complexa dos últimos anos.

  Outro completou, com mais confiança:

  — E acreditamos que uma aliança com você seria essencial para resistir a esse cenário.

  Eu observava em silêncio, tentando absorver o clima. Palavras como ações, projeções, salvamento e crise ecoavam em minha cabeça como se pertencessem a um idioma distante.

  Meu acompanhante recostou-se levemente na cadeira, cruzando os braços. Seus olhos frios examinaram cada rosto à mesa antes de falar:

  — E o que vocês têm a oferecer com essa parceria?

  A pergunta soou como um desafio. O silêncio que se seguiu foi quase constrangedor. Um dos homens, o mais jovem entre eles, hesitou visivelmente. Seus dedos tamborilavam na madeira da mesa, e parecia arrependido de estar ali. Ainda assim, respirou fundo e respondeu:

  — Todas as empresas que figuram entre as trinta melhores do mercado precisam de parcerias para se manterem no topo. A lógica é clara: união é força.

  Meu acompanhante arqueou uma sobrancelha, como se a frase fosse uma ofensa pessoal. Seus olhos estreitaram-se, e ele inclinou-se ligeiramente para a frente.

  — Repito — disse com firmeza, cada sílaba carregada de desprezo contido. — O que você tem a oferecer?   

  O homem engoliu seco, emudecido.

  — A minha empresa — continuou meu acompanhante, sem pressa, sem disfarçar a arrogância — não está entre as trinta. Está entre as quinze maiores do mercado financeiro.

  Ele falou aquilo com tanta segurança que parecia uma sentença irrevogável. Não havia modéstia, nem humildade. Apenas um fato, colocado ali para esmagar qualquer dúvida.

  Por um segundo, esqueci de respirar. Olhei para ele de soslaio, fascinada e desconcertada ao mesmo tempo. Ele parecia feito de aço — frio, afiado, inquebrável.

  E, quando seus olhos se desviaram para mim por um breve instante, senti como se tivesse sido pega observando demais. A tensão daquele olhar me atravessou como um raio. Rapidamente forcei um sorriso discreto, lembrando da ordem que ele havia me dado.

  Apenas sorrir.

  E não atrapalhar.

  A tensão foi quebrada pelo homem mais jovem, que parecia não saber mais onde enfiar as mãos. Sua voz saiu baixa, quase engolida pelo próprio arrependimento:

  — Talvez… tenha sido um erro buscar uma parceria. Peço desculpas, senhor Spencer.

  Spencer.

  Meu coração deu um salto estranho. Até então, ele era apenas ele. O homem de voz arrogante, olhar frio e presença sufocante. Mas agora tinha um sobrenome. Spencer.

  Prometi a mim mesma, ali, no silêncio daquela sala lotada de intenções falidas, que nunca mais o acompanharia a nenhum outro evento — não importasse o que Harold dissesse.

  Meu acompanhante não pareceu minimamente ofendido com o pedido de desculpas. Pelo contrário, ajeitou o corpo para frente e apoiou as mãos sobre a mesa com calma quase calculada.

  — Senhores — sua voz soou firme, articulada, impecável, como se cada palavra tivesse sido medida antes de sair —, estamos aqui para encontrar soluções. Os problemas já foram expostos o suficiente, e os esqueletos dessa tragédia quase anunciada não precisam de mais palco. O que importa, agora, é o que se pode construir a partir daqui. Então, me diga, senhor Reece, quais são os seus planos para essa parceria que tanto deseja?

  O homem, que até então parecia prestes a recuar, respirou fundo.

  — Sr. Spencer— apresentou-se, como se estivesse se dando uma segunda chance. — Tenho algo a propor.

  Ele começou a expor a sua ideia com convicção, descrevendo estratégias de fusões, investimentos e projeções de médio prazo. Falava rápido, mas não parecia inseguro. Os outros dois homens o observavam em silêncio, absorvendo cada detalhe, como se aquilo fosse mais convincente do que eles mesmos tinham a oferecer.

  Eu, por outro lado, observava Spencer. E ele não parecia nada convencido.

  Os olhos semicerrados, a mandíbula levemente contraída, o corpo inclinado para trás na cadeira — tudo nele dizia que preferia estar em qualquer outro lugar. Aquela postura não era de tédio, mas de paciência forçada. Uma paciência que custava caro.

  Quando Reece terminou, os outros dois tentaram complementar, mas a maneira como trocaram olhares denunciava que já não estavam tão interessados em lutar por aquela parceria. A falta de entusiasmo de Spencer era um balde de água fria difícil de ignorar.

  E então ele moveu a peça seguinte no tabuleiro. Virou-se para mim, como se de repente tivesse lembrado da minha existência.

  — Sirva-nos algumas bebidas.

  Levei um segundo para reagir. Então era essa a minha utilidade ali? Um adorno, um disfarce? Tentei não demonstrar nada. Levantei-me e obedeci, deslizando a garrafa pelo cristal das taças com um sorriso treinado.

  — Qual o seu nome, senhorita? — perguntou um deles, o mais educado, que Spencer havia chamado de Beane.

  Meus lábios se entreabriram, mas hesitei. Olhei rapidamente para Spencer. Ele não disse nada, apenas me lançou um olhar direto, firme, que carregava uma ordem silenciosa.

  — Carly — respondi, com voz simpática, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

  Beane sorriu satisfeito e aceitou a taça. Depois, ele me agradeceu com um sorriso. 

  A reunião continuou com mais leveza. A comida foi pedida, risadas superficiais surgiram aqui e ali, e a tensão inicial foi dissolvida em um simulacro de camaradagem. Duas horas se arrastaram nesse compasso estranho — negócios disfarçados de confraternização.

  No final, veio a pergunta inevitável.

  — Então, senhor Spencer… — começou Reece, após um gole de vinho —, aceita a parceria?

  Spencer fez uma pausa calculada, levando a taça aos lábios. O silêncio prolongado pareceu coreografado para aumentar a expectativa.

  — Entrarei em contato em breve — respondeu por fim, enigmático. — Não os deixarei à deriva.

  Ambíguo o bastante para não fechar nenhuma porta. Convincente o suficiente para mantê-los presos à esperança.

  Depois, ergueu-se, como quem decide encerrar o jogo.

  — Já está tarde, e tenho outro compromisso.

  Os três homens assentiram, agradecendo pela atenção, desejando que tudo desse certo, mesmo que soubessem que a decisão final não estava nem perto.

  Levantei-me também, esperando-o junto à porta. Spencer me encarou por um instante que pareceu mais longo do que deveria, como se estivesse decifrando algo em meus olhos. Depois, abriu a porta e foi o primeiro a atravessá-la. Fez um gesto sutil para que eu o acompanhasse ao seu lado.

  Os três ainda sorriram, forçando cordialidade, antes de a porta se fechar atrás de nós.

  Spencer acertou os detalhes no balcão do restaurante com a mesma calma imperturbável de sempre. Do lado de fora, o ar da noite parecia mais leve, mas minha mente não.

  — Ainda gostaria de me acompanhar em outro lugar? — ele perguntou, como se tivesse toda a certeza de que a resposta seria sim.

  Hesitei. Estava exausta. Tudo o que eu queria era tirar aqueles sapatos, esquecer aquele jantar e me convencer de que jamais toparia outra noite assim. Mas pensei em Harold. Pensei em como ele reagiria se o cliente reclamasse de alguma coisa.

  Antes que eu pudesse recusar, Spencer acrescentou, com uma simplicidade cirúrgica:

  — Claro que haverá um adicional.

  Engoli minha própria fraqueza.

  — Está bem. Eu acompanho.

  Era o que eu tinha para responder, mas vi minha dignidade ser pisoteado pelos meus próprios saltos, que estavam massacrando meus pés. 

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