Capítulo 5

Paloma o olhou, alarmada, em seguida desviou o olhar. Estava tão certa do “descobrimento” fabuloso de Charles que nunca, jamais, tinha pensado em negar sua existência.

E era o que César Monteiro estava fazendo. Ele a estava desafiando a provar que Charles tinha mesmo dado uma contribuição importante para a Indústrias Monteiro. Era um desafio que, ele sabia, ela não saberia enfrentar.

Droga! Por que Charles fazia tanto segredo de suas experiências? Por que não havia explicado direitinho para a mãe no que consistia sua invenção? Por que tinha sido tão misterioso?

Suspirou.

Provavelmente não era nada do que ela estava pensando.

Charles devia ter achado que, mesmo explicando, nem sua mãe nem Paloma entenderiam nada. E era lógico que ele não esperava que um desastre de automóvel lhe tirasse a vida tão cedo.

— Imagino que, se o caso fosse levado à corte, os próprios papéis da companhia revelariam a invenção de Charles. Isso, se eles não fossem adulterados, claro.

Naquele momento Paloma se arrependeu do que tinha dito. César Monteiro se pôs de pé, indignado. Seu rosto ficou sombrio de raiva, e os olhos castanhos brilharam ameaçadoramente. Paloma se encolheu, de olhos arregalados. Pegou o copo de água e bebeu um gole, nervosa.

Num esforço supremo, ele relaxou:

— Diga-me, moça, conhecia bem seu primo?

A pergunta a pegou totalmente desprevenida.

Olhou para o copo, sem saber ao certo como responder. De um lado, achava que conhecia Charles muito bem. De outro, que não o entendia bem. A mãe de Charles e a sua eram irmãs, e as duas famílias conviveram muito enquanto Paloma crescia. Charles sempre tinha sido seu grande amigo, apesar de ser seis anos mais velho do que ela. Paloma adorava as ideias mirabolantes que ele inventava, as teorias malucas que tentava convencê-la a aceitar como verdade.

Ele colecionava prêmios na faculdade, e Paloma não perdia a oportunidade de se gabar com as colegas da escola: dizia, cheia de orgulho, que o primo era o rapaz mais inteligente do mundo.

Mas um dia, tudo mudou um pouco.

Uma das amigas contou, quase como quem revela um segredo importante, que a irmã mais velha achava Charles um “esquisito”. Paloma ficou furiosa e discutiu com ela na hora.

A amiga tentou amenizar, dizendo que ele era apenas “engraçado”, que se vestia de forma estranha e tinha umas ideias meio “malucas”.

Paloma não quis ouvir mais nada. Para ela, Charles era genial, e ponto final.

A partir daquele dia, Paloma cortou relações com a amiga  e ninguém mais teve coragem de dizer uma palavra sobre Charles, pelo menos na sua frente.

Ainda assim, ela não conseguia livrar-se da sensação de que as colegas se riam dele pelas costas.

Sim, Charles era diferente. Mas isso não fazia dele um “maluco” ou um “esquisito”, só porque usava óculos de lentes grossas e andava sempre com a testa franzida!

Ele era simplesmente inteligente demais e, por isso mesmo, incompreendido.

Com o tempo, Charles começou a emagrecer, a isolar-se cada vez mais. Nessa altura, Paloma já tinha perdido o contato com ele.

 Enquanto Charles se dedicava à universidade, a vida dela deu várias voltas. Primeiro, a mãe adoeceu e morreu de forma repentina. Depois disso, houve alguns meses nebulosos, dos quais Paloma mal conseguia lembrar-se. Tudo lhe parecia um sonho confuso. Por fim, o pai casou-se com uma mulher bem mais nova, mãe de três crianças, e a casa virou de pernas para o ar.

Um dia, soube por tia Cida, que as coisas não tinham corrido assim tão bem para Charles depois de se formar, ao contrário do que todos imaginavam.

Ele trocava de emprego com frequência, sempre insatisfeito, reclamando que os esquemas das empresas onde trabalhava eram demasiado rígidos. Dizia que precisava de liberdade para criar os seus inventos.

Quando se mudou para Cabaceiras, no entanto, parecia ter finalmente encontrado algum equilíbrio. Parou de reclamar. Começou a enviar dinheiro com regularidade para a mãe, e tudo indicava que a vida estava, enfim, a entrar nos eixos.

Tia Cida chegou a ficar eufórica com a última carta do filho. Nele, Charles falava com entusiasmo de uma “descoberta sensacional” e dizia que, em breve, poderiam mudar-se para um lugar melhor, com o dinheiro que aquilo lhes traria.

E então, do nada, o telefonema frio e impessoal: Charles tinha morrido num acidente de carro.

Paloma inspirou fundo, tentando conter o nó que se formava na garganta.

— Está passando bem?

Ergueu os olhos e viu César Monteiro inclinado na sua direção. Havia uma sombra de preocupação no seu olhar.

— Sim, eu... estou bem. Estava a pensar no Charles. Ainda me custa acreditar que ele morreu.

— Não respondeu à minha pergunta — disse ele, num tom mais direto.

— Acho que o conhecia razoavelmente bem — respondeu ela, com cautela. — O suficiente para saber que ele era perfeitamente capaz de inventar algo com grande valor comercial na área das indústrias.

— Isso não está em discussão. Foi exatamente por isso que o contratamos. A questão é: o que foi, exatamente, que ele inventou?

A conversa estava a andar em círculos, pensou Paloma, desolada. Todos os argumentos que tinha ensaiado pareciam ter desaparecido da sua mente.

César Monteiro tamborilava os dedos sobre a pasta fechada, num gesto impaciente. Paloma sentiu um calafrio ao perceber que a conversa estava prestes a terminar e que ela não tinha conseguido absolutamente nada.

— Sr. Monteiro, é bom que saiba: se o senhor se recusar a chegar a algum tipo de acordo financeiro, a minha tia está disposta a levar este caso a tribunal! — exclamou, tentando manter a firmeza na voz.

— Ah, é? — disse ele, com um sorriso irónico. — E com isso pretende me assustar? Não sou homem de cair em blefes, minha cara. Não vai arrancar um tostão da minha empresa com esses truques baratos.

— Truques...? Truques baratos?! — repetiu Paloma, ofendida. — Sr. Monteiro, asseguro-lhe que quem usou truques foi o senhor, ao explorar o trabalho do meu primo. Mas fique sabendo: não vai enganar a minha tia como enganou o Charles. Não estou blefando!

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