Capítulo 4

A pergunta a pegou totalmente de surpresa. Paloma sentiu os olhos castanhos dentro dos seus, gelados e ameaçadores. Toda a fala que ela havia decorado pacientemente ao longo dos dias, de repente lhe fugiu da memória.

— Eu apenas queria... o que quero dizer é... — Engoliu em seco e desviou o olhar. — Minha tia e eu soubemos que, um pouco antes de morrer, Charles havia descoberto ou inventado uma coisa valiosa para a companhia. Ele estava certo de que sua pesquisa renderia um bom dinheiro, tanto que tinha até planejado trazer sua mãe para morar aqui. Agora que ele morreu, me parece justo que sua mãe receba a ajuda monetária que lhe é de direito.

— Compreendo.

"Pelo canto do olho, Paloma o viu baixar a cabeça para estudar a pasta e se permitiu observá-lo novamente. Era um homem forte, de físico bem definido, sem um grama de gordura sobrando. Os olhos tinham linhas suaves, que lembravam as do pai, mas o resto do rosto era firme, marcado como o de alguém acostumado à vida dura do sertão.

— Moça — começou César Monteiro de novo, fechando a pasta — devia saber que qualquer coisa que Charles “inventasse ou descobrisse” dentro da companhia, pertence à companhia. Estou certo de que assinamos um acordo referente a isso.

Paloma mordeu o lábio superior. Claro que já tinha pensado nessa possibilidade, afinal, não era burra, mas a mensagem de Charles tinha sido tão dramática… “Desta vez o maldito Monteiro não vai me enganar...” e Charles nunca foi o mais calmo dos homens.

— Acredito que Charles tenha feito alguma coisa para proteger seus interesses — ela falou por fim, hesitante.

César Monteiro se inclinou e apertou um botão na parede. Quase imediatamente uma moça ruiva entrou na sala, caderno em punho.

— Poderia me arrumar a pasta pessoal de Charles Silva, por favor? — ele pediu. — Deve estar no arquivo morto, atualmente.

A moça assentiu, lançando um olhar furtivo para Paloma e depois para César.

 Instintivamente, Paloma percebeu que os sentimentos da ruiva pelo patrão iam além do profissional. O que, sinceramente, não era surpresa nenhuma.

Ele era atraente.

Mais que isso, ela teve que admitir, embora a contragosto, que César Monteiro exalava uma virilidade quase primitiva, uma masculinidade crua, só disfarçada pelo terno bem cortado e a gravata impecável.

 Havia algo na maneira como se movia, na firmeza de seus gestos, que sugeria um tipo de poder silencioso, controlado com precisão.

Mas por que diabos estava pensando nisso?, repreendeu-se, horrorizada.

Tinha ido até ali para exigir justiça pela tia Cida, não para se sentir como uma colegial boba diante de um homem bonito.

Tá, ela era meio inexperiente... mas ninguém precisava saber disso. Ainda mais quando a atração era tão descaradamente física!

— Isso vai demorar alguns minutos — disse César Monteiro. — Temos a maioria de nossos dados em computador, claro, mas presumo que a senhorita vá querer ver, com os próprios olhos, o acordo assinado por seu primo.

Paloma fez que sim com um gesto de cabeça.

— Planeja ficar muito tempo em Cabaceiras? — ele perguntou, após alguns momentos de silêncio.

— O suficiente para empacotar os objetos pessoais de Charles e vender seu casebre por aqui. E também resolver esse problema com a companhia — terminou, firme.

Ele não demonstrou a mínima reação:

— O que você faz em... — ele abriu a pasta de novo — São Paulo?

— Sou caixa em um dos supermercados do Grupo RTN.

— De férias?

— Sim. Pedi adiantarem as férias. Meu chefe me deixou vir para cuidar dos problemas de Charles. Expliquei a ele que tia Cida não poderia resolver tudo sozinha. Mora perto daqui , em João Pessoa. Ela teve um AVC há alguns meses e está parcialmente paralisada.

— Sinto muito. Você está sozinha, então?

— Sim... Quer dizer, não tenho namorado, se é isso que quis saber.

 

César franziu levemente a testa, como quem tenta entender de onde aquela informação surgiu.

— Quando perguntei se estava sozinha, quis dizer se veio dirigindo até aqui sozinha. Não estava interessado na sua vida amorosa.

Brilhante, pensou Paloma, sentindo o rosto queimar. Por que cargas d’água tinha dito aquilo? Como é que ia convencer aquele homem sério e gelado de que não era uma tola, se já tinha falado como uma?

Ainda vermelha, respirou fundo, juntou os cacos da própria dignidade e tentou se recompor com uma resposta mais sensata:

— Sim, sou a única parente que conseguiu vir ao socorro dela. A  mãe de Charles está impossibilitada de viajar no momento. Ela faz terapia, e acredito que vá melhorar bastante. Todo o mundo achava que ela devia ir para um hospital para o tratamento, mas ela recusou. E consegue viver muito bem sozinha. — Ela encarou César Monteiro. — Era Charles quem praticamente a sustentava. É por isso que eu acho que ela merece receber qualquer quantia a que Charles tenha direito.

Ele assentiu com um gesto de cabeça, deixando esperanças para Paloma:

— Sim, claro. Ao que eu saiba, no entanto, Charles não tem mais nada a receber.

— Mas a mensagem dele dizia...

Paloma se interrompeu, procurando se lembrar das palavras exatas dele. O print da  mensagem enviada para tia Cida estava em seu celular, mas não queria mostrá-la. Era sua única prova de que Charles realmente tinha descoberto uma coisa importante, e teria de usá-la na corte, se necessário.

— ...Charles escreveu, dizendo que tinha feito uma importante descoberta científica.

Naquele instante a jovem voltou com a pasta. Ficou esperando, mas César Monteiro a dispensou. Tirou uma folha de papel da pasta e entregou-a a Paloma. Como ele tinha dito, era um acordo legal entre Charles Silva e a firma, e dizia que qualquer coisa que Charles inventasse ou produzisse enquanto empregado da Monteiro, pertencia à Indústrias.

— É o procedimento normal — César Monteiro explicou. — A companhia não poderia financiar um laboratório de pesquisas para o benefício privado dos pesquisadores, embora nós tenhamos dado muitos prêmios de incentivo e bônus aos empregados.

Paloma devolveu a folha, evitando olhá-lo. Depois lembrou-se de um argumento final que tinha armazenado, caso um papel como aquele surgisse.

— Eu me lembro de que houve um caso publicado, não faz muito tempo, de um homem que conseguiu receber bastante dinheiro da companhia como indenização. Ele tinha feito uma descoberta, e a companhia estava ganhando dinheiro em cima disso, tendo pago a ele apenas uma pequena quantia... um bônus.

César Monteiro a fitou por longos e silenciosos minutos:

— Está pensando num processo na justiça?

Paloma ergueu a cabeça, em desafio.

— Se necessário.

Mas se ela pensava ter saído vitoriosa, estava redondamente enganada.

— Sua informação sobre esse caso anterior deve ser verdadeira — ele falou, com frieza. — Mas nesse caso uma invenção específica estava em jogo. Agora me diga, que tipo de “maravilhosa invenção” Charles produziu enquanto trabalhava na Monteiro? O que você está querendo me convencer de que foi tão valioso assim para a firma?

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