Capítulo 2

 

A moça me olhou de cima a baixo com um desdém digno de novela das seis.

— Se veio para a vaga de ajudante de produção, as entrevistas são com...

— Não. Eu sou a prima do Charles. Tenho um horário com o Sr. Monteiro, moça.

Na mesma hora, o ar altivo da recepcionista deu uma leve amolecida. O nome Charles parecia ter um efeito mágico. Ela consultou a agenda digital com um toque ligeiramente mais simpático, talvez um pouquinho menos enjoado.

— Ah, eu conheci seu primo. Foi uma pena o que aconteceu com ele... — disse com um tom solidário que Paloma não conseguiu avaliar se era genuíno ou ensaiado. — Mas sim, está tudo certo. Pode me acompanhar, por favor?

Paloma assentiu, ajeitando a blusa e apertando discretamente os passos para não ficar atrás.

A recepcionista, agora mais eficiente do que simpática, guiou-a por um corredor onde portas se alinhavam como soldados em revista.

Viraram à esquerda, depois à direita, numa espécie de labirinto corporativo onde, se Paloma fosse deixada sozinha, era capaz de acabar numa sala de manutenção ou num depósito de papel higiênico.

Enquanto passavam pelas salas, viu funcionários em baias bem-organizadas, alguns em volta da máquina de café conversando baixinho.

Tudo parecia limpo, climatizado e surpreendentemente acolhedor. Um contraste curioso com o calor do sertão lá fora.

A empresa tinha cara de lugar sério, mas não sisudo. Ela até pensou que poderia trabalhar ali, se não estivesse prestes a causar um pequeno terremoto institucional.

A recepcionista parou diante de uma porta dupla com a placa: Presidência. O ar-condicionado ali parecia ainda mais potente, como se até a temperatura tivesse que se curvar ao poder do “Sr. Presidente”.

— O Sr. Monteiro vai se atrasar alguns minutos — disse a moça, já meio impaciente. — Aceita um cafezinho ou água?

Paloma ia recusar, num impulso de não querer incomodar, mas percebeu as palmas das mãos suando. A coragem podia vir de dentro, mas a desidratação vinha do sol da PB-148.

— Água, por favor — respondeu, com um sorriso polido.

A recepcionista fez um biquinho de leve, como quem queria dizer "só ofereci por educação, não achei que aceitaria", e saiu com passinhos apressados que ecoavam no chão encerado.

Paloma aproveitou a ausência da moça para se acomodar numa poltrona próxima, cruzar as pernas com dignidade e ajeitar o cabelo. Estava prestes a enfrentar o homem que, na sua cabeça, era o vilão do filme. Mas se ele pensava que ela era só mais uma "paulista metida", ia ter uma bela surpresa.

Paloma andava de um lado para o outro, tentando se acalmar. Seus cabelos longos e castanhos estavam úmidos de suor nas têmporas, como se quisessem abandonar o barco antes que a ansiedade fizesse o resto afundar. O vestido florido, que parecia uma ótima ideia no espelho da casa da tia, agora mais lembrava o uniforme de uma tia simpática indo ao chá da igreja. Informal demais para aquele ambiente austero.

Mas não havia motivo para desespero, era o que ela repetia a si mesma em looping mental. Bastava manter a compostura, o tom firme e deixar bem claro ao Sr. Monteiro que sua tia e ela estavam cientes da valiosa contribuição de Charles à empresa. Só queriam o que era de direito.

Ainda assim, não esperava que a empresa onde Charles trabalhou, no meio do agreste paraibano, vale lembrar, fosse tão... imponente. Caminhava lendo os quadros informativos nas paredes como quem descobre um planeta novo: “Complexo Agroindustrial de Processamento da Palma e Derivados do Sertão.”

— Palma? — sussurrou, como se a planta tivesse fundado a ONU.

Tinha imaginado o primo empoeirado num quartinho improvisado atrás de uma lojinha qualquer, cercado por planilhas impressas em papel reciclado e ventiladores barulhentos. Jamais visualizou uma estrutura moderna, limpa e progressista como aquela.

Era uma organização poderosa. Daquelas que servem água com gás na recepção. Paloma sentiu-se tola por ter subestimado tudo. Claro que a imagem que fazia na cabeça era falsa, culpa da imaginação, dos filmes e, possivelmente, da estética duvidosa de Charles. Pequenas lojinhas não contratam profissionais formados para liderar departamentos de pesquisa com nomes que mal cabem numa placa.

E, convenhamos, uma simples caixa de supermercado como ela normalmente não teria a ousadia de marcar uma reunião com o presidente de uma empresa daquele porte. Paloma olhou em volta, aflita, perguntando-se em que momento da vida perdeu o senso de autopreservação.

A recepcionista retornou com um copo e um sorriso.

— O Sr. Monteiro não vai demorar.

— Obrigada.

Paloma sentou-se num sofá cor-de-vinho para beber sua água. Era couro verdadeiro, percebeu ao deslizar os dedos pelo material macio, daquele tipo que fazia barulho de riqueza até quando ninguém estava olhando.

A Indústrias Monteiro claramente não brincava em serviço, mas não era de admirar que pudessem pagar pelo melhor, pensou Paloma, se tinham o hábito nada modesto de faturar em cima das descobertas alheias, especialmente dos próprios funcionários.

Não foi isso mesmo que Charles insinuou na última mensagem? Com todo aquele drama e reticências?

Com um copo na mão (uma peça tão fina que ela teve medo de quebrar só com o olhar), Paloma se levantou e começou a andar pela sala de novo.

A janela dava para um jardim pequeno e bem cuidado. Claro que sim. Nada menos que flores simétricas e uma grama que provavelmente era cortada com régua. Virou-se, impaciente, e notou várias molduras penduradas na parede. Uma exibia a planta original da Indústrias Monteiro, com cara de museu corporativo; ao lado, a versão moderna, que provavelmente custou o equivalente a um jatinho por metro quadrado.

Então seus olhos pousaram numa fotografia emoldurada menor. Um homem de uns setenta anos, elegante, de cabelos brancos, sorria com dignidade moderada. A plaquinha prateada embaixo o identificava como João C. Monteiro.

Paloma examinou o retrato com atenção e sentiu-se estranhamente reconfortada. João C. Monteiro parecia competente, decidido… e, veja só, nem um pouco desonesto. Havia algo de bom humor naquelas rugas ao redor dos olhos e da boca, o tipo de homem que talvez até contasse piadas em almoços de domingo.

É claro que alguém assim não ficaria insensível aos problemas de uma viúva doente, que dependia do falecido filho único para sobreviver.

Paloma se agarrou a essa esperança com força e decidiu tentar parecer o mais simpática possível. Pelo menos até alguém assinar um cheque.

Foi nesse exato instante que a porta se abriu. Paloma se virou depressa, com o coração acelerado.

— Paloma Franco?

Mas não era quem ela esperava.

O homem que entrou era alto. Muito alto. Ombros largos o suficiente para parecer que estavam prestes a pedir licença para atravessar a porta. E definitivamente não era o senhor simpático da fotografia.

 Este aqui era outra história. Uma história com menos rugas e mais músculos.

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