Coloco a mão no rosto para amenizar a luz do sol em minhas vistas. Estou em um espaço aberto, com grama rasteira. O céu está azul e límpido; nuvens brancas, tão cheias que parecem algodão, se espalham.
Em meio às colinas, uma casa inteiramente moldada em cedro polido exalava um calor acolhedor que contrastava suavemente com o frescor da floresta ao redor. As janelas amplas, de vidro translúcido, deixavam o sol entrar em faixas douradas.
Uma criança corre atrás de uma borboleta de asas amarelas, sorrindo com dois dentes da frente faltando. Usava um vestido amarelo de babado e um laço combinado em seus cabelos escuros, semipresos.
Ela tropeça em um galho no caminho, ralando seus joelhos roliços. Faz cara de choro, mas as lágrimas não derramam de seus olhos.
Me aproximo para ajudá-la.
Antes que eu consiga me aproximar, uma mulher alta e esbelta vai ao encontro da criança, que permitiu que as lágrimas caíssem quando ela a abraçou.
— Selene?
— Mamãe, está doendo. — Selene faz um beicinho, mostrando para a mãe os recentes machucados.
— Vai ficar tudo bem, meu amor. Vai ficar tudo bem. — A mulher falou com doçura, oferecendo um sorriso largo para a filha. Ela ergueu o rosto da menina, e os olhos lilases brilharam com a promessa da mãe.
Olhos lilases.
A imagem mudou.
A mesma criança brincava de aviãozinho com um homem alto na sala. Ele a segurava no alto, fazendo movimentos para cima e para baixo, arrancando gargalhadas da menina. Me peguei rindo da cena, todo o meu corpo relaxando com a imagem maravilhosa.
Se meus pais estivessem vivos, será que minha vida teria sido assim, cheia de amor?
A mãe de Selene abre a porta com o mesmo sorriso da imagem anterior, dá um selinho no homem, pega a criança, coloca-a no chão e começa uma pequena perseguição pela sala. Todos estão rindo.
Os olhos lilases de Selene encontram os meus por uma fração de segundo, antes de ela passar pelo lugar onde estou parada, atravessando como se eu fosse um fantasma.
— Ela parece familiar... — sussurro para o vazio.
A imagem muda de novo. Dessa vez é diferente.
Vejo o espectro com quem conversei anos atrás, dizendo que esperaria meu retorno. A fada que prometeu uma coroa linda. As palavras da elfa antes de morrer.
Tudo começa a se misturar. Vejo fogo, lobos, gigantes, mortes — muitas mortes. As coisas estão passando rápido demais.
“Seu povo precisa de você.”
“Seu povo.”Acordo a cabeça latejando de dor como se tivesse abrindo meu crânio ao meio.
Olhos azuis me encararam.
Kain está aqui, dou uma risada um tanto histérica, observo a boca dele mexer, mas não escuto o som da sua voz.
— Você é irritantemente lindo. — Acho que eu falei isso em voz alta, ou talvez eu pensei. Não tenho certeza, apago em seguida novamente.
Sem sonhos, sem lembranças, apenas a fria escuridão.
— Mandy? — A voz masculina ressoa em meus ouvidos de forma doce e quente.
— Hum… — Abro os olhos devagar. A primeira coisa que vejo é o branco do teto; a luz do ambiente é fraca e amarelada.
Pisco algumas vezes até que minha visão comece a focar. O mundo ainda gira devagar, como se eu estivesse submersa, tentando emergir. Um zumbido baixo ecoa em meus ouvidos, abafando os sons ao redor.
Sinto algo quente segurando minha mão. Viro lentamente o rosto e vejo Kain sentado ao meu lado. Seus olhos — intensos e preocupados — me observam com uma ternura.
Minha boca está seca, minha língua parece areia.
— Água. — Peço
Kain solta minha mão e caminha até uma mesa do outro lado do cômodo. De lá, pega um frasco com um líquido viscoso de cor escura. Ele observa o conteúdo por um instante e seu rosto se transforma em uma careta.
— Sua avó pediu para te dar isso assim que você acordasse.
Ele volta para perto da cama e estende o frasco em minha direção. O vidro é morno ao toque, e o líquido parece sangue velho. O gosto é tão ruim quanto parece, viro tudo de uma vez para não ter tempo de me arrepender.