Mundo ficciónIniciar sesiónEla nasceu como a filha mimada do Rei Lobo, destinada a herdar a lua e o poder. Ele surgiu em sua vida ferido, desesperado… e a conquistou com mentiras. No dia do casamento, Selene acreditava estar selando seu destino ao lado do companheiro escolhido pela Deusa. Mas a lua sangrou naquela noite: seu noivo revelou ser filho do Alfa inimigo e, diante de seus olhos, transformou amor em massacre. A família dela foi destruída, sua alcateia reduzida a cinzas, e ela, feita prisioneira como fêmea reprodutora. Traída. Marcada. Sobrevivente. Quando conseguiu escapar, Selene jurou vingança. E para alcançá-la, aceitou o pacto com um Rei Lobo amaldiçoado: Damian governa de dia, apaixonado e dominante, Damon reina de noite, frio e implacável. Dois irmãos, uma fortaleza, uma rainha marcada pela lua. Entre a luz e as sombras, entre desejo e sangue, Selene encontrará não só o poder para destruir seus inimigos… mas também a tentação proibida de amar em dobro. Quando a lua marca em dobro, não há volta. Apenas vingança, paixão e destino.
Leer másSelene
Eu sempre soube que a fortaleza dourada que meu pai construiu para mim também era uma jaula. O luxo tinha barras invisíveis, aulas de etiqueta, reuniões com anciãos, sorrisos que exibiam dentes e escondiam garras. Naquela manhã, risquei o mapa que meu tutor traçou para o meu “dia perfeito” e decidi ter o meu de verdade, um que cheirasse a terra molhada, folhas esmagadas e vento livre. O bosque começava após a ponte de pedra. A luz atravessava as copas como feiches quentes e, por um momento, bastou respirar para que a loba em mim esticasse as patas, aliviada. Descalcei as botas para sentir a seiva fria da grama. Eu tinha dezenove verões e um coração que batia como um tambor impaciente, era difícil ser a filha do Rei Lobo e, ao mesmo tempo, apenas Selene. Foi então que o cheiro veio… ferro e chuva. Sangue. Minha loba, Ash, ergueu-se por dentro, atenta. — “Cautela.” — sussurrou, como se pudesse falar. Para mim, porém, sua voz era sensação… arrepio na nuca, peso na língua. Segui o rastro entre samambaias até ouvir um gemido baixo, quase humano. As árvores se abriram para uma clareira inclinada, e ali, meio escondido pelas sombras, jazia um lobo negro. Grande, tão grande que a terra parecia moldada para cabê-lo. O flanco subia e descia de maneira irregular. As costelas tinham cortes, os pêlos estavam úmidos e colados, e havia uma flecha de ponta serrilhada fincada logo abaixo da escápula. — Oh, lua… — ajoelhei ao lado dele, a mão pairando no ar, indecisa — eu não devia… O Conselho repetiu mais de mil vezes: — Lobos errantes trazem guerra. Um lobo ferido, então, traz morte. O animal abriu os olhos. Não eram amarelos comuns, tinham um âmbar profundo, quase queimado, e neles havia dor, e um pedido. Meu peito apertou. A flecha sangrava, lenta, o cheiro era forte demais para ignorar. — Calma, grandão. — sussurrei — Eu posso ajudar. Ele rosnou de leve, não em ameaça, mas em alerta. Aproximei os dedos, deixando que ele cheirasse minha pele. Ash se moveu dentro de mim, cautelosa, porém curiosa. Quando o focinho tocou meus dedos, senti o calor áspero da respiração e uma confiança frágil, como gelo fino. Olhei ao redor. Havia uma fenda entre duas rochas cobertas de musgo, uma caverna jovem, estreita para um exército, perfeita para um segredo. Voltei para o lobo. — Eu tenho um lugar. Se você confiar em mim por alguns minutos, prometo que não vou te abandonar. Ele piscou, e juro que foi um assentimento. A flecha precisava sair, mas primeiro eu precisava escondê-lo. Rasguei a barra do meu vestido para improvisar uma faixa, respirei fundo e toquei o pêlo. — Vai doer. — avisei — Em nós dois. Com a força que não parecia caber no meu corpo, arrastei-o devagar, um centímetro de cada vez, guiando a cabeça pesada e empurrando o traseiro com o ombro. O lobo tentou ajudar, firmando as patas, mas a dor o fazia falhar. Levei quase uma eternidade para alcançar a fenda. A caverna cheirava a água antiga e pedra. Havia espaço suficiente para nós dois e para o silêncio. — Pronto. — falei, ofegante — Aqui ninguém vê. Tirei o cantil do cinto e limpei o sangue ao redor da flecha. O lobo me observava com aquela intensidade febril. Eu tremia, mas não recuei. Puxei a haste com rapidez. Ele soltou um urro que tremeu a rocha e meu coração. O eco voltou como trovão. Eu enfaixei a ferida com as tiras do vestido, pressionando até o sangramento ceder. — Ainda comigo? — perguntei. Ele abaixou a cabeça no chão, as pálpebras pesaram, mas o olhar continuou preso ao meu. Senti uma estranha maré de calor subir pelos braços. Era o vínculo? Não podia. Vínculos se formavam com toque de alma, não com gaze improvisada. Mesmo assim, havia algo ali, um fio de prata invisível, amarrando meu pulso ao peito dele. — Eu volto amanhã. Trago comida. — prometi, acariciando-lhe a orelha com ponta dos dedos. Quando me ergui para sair, ele tentou levantar, falhou. A língua áspera tocou meu pulso nu, um agradecimento sussurrado. Meu coração tropeçou dentro do peito. — Shh. Descanse. Saí da caverna com as pernas bambas e a mente fervendo. A cada passo longe dali, o fio puxava, pedindo que eu retornasse. Mas, antes, eu precisava enfrentar uma alcateia: a minha. Voltei à fortaleza pelo caminho do moinho para evitar os olheiros do muro leste. Ainda ofegava quando cruzei o pátio interno. Soldados treinavam com lanças, o ferro cantava no ar. Os anciãos atravessavam a arcada em fila. Agarrei a capa para esconder o vestido rasgado. — Selene? — chamou Tália, minha aia — A senhorita sumiu de novo! Seu pai foi ao Conselho. O senhor Eamon está furioso. — Meu pai vive furioso, Tália. Acha que “liberdade” é sinônimo de “guerra”. — Às vezes é, menina. Subi as escadas. No corredor, os quadros dos antigos reis me acompanharam com olhos severos. Lavei as mãos, o sangue ficou como sombra sob as unhas. Ash se agitou. — Fizemos o certo. — sussurrei — Não vamos deixá-lo morrer. Meu pai entrou com o cheiro de couro molhado e ordem. — Onde esteve? — No bosque. — Há caçadores estrangeiros por ali. Você é a herdeira. — Preciso respirar, pai. Dentro dessas paredes, meu peito encolhe. Os olhos dele amoleceram um pouco, mas a voz ficou dura: — Minha função é impedir que caia. — A sua é me ensinar a voar. O músculo na mandíbula dele latejou. Uma batida interrompeu. — Majestade… — disse um ancião — precisamos de sua assinatura. — Depois conversaremos. — meu pai decretou — Não saia dos aposentos. Quando a porta fechou, sentei na janela, ouvindo a fortaleza respirar. Pensei no lobo negro, sozinho na pedra fria. A urgência me picou sob a pele. Vasculhei o baú de remédios… pomadas, linha, panos limpos. Enfiei tudo numa bolsa e puxei um manto grosso. Tália prendeu meu cabelo. — Vai chover. — avisou — E cuidado com aquilo que escolhe amar. Beijei sua testa e parti. Fiquei alguns instantes parada, ouvindo a chuva começar a tamborilar no peitoril. A fortaleza inteira parecia prender a respiração comigo. Peguei papel e carvão e escrevi uma mentira piedosa para o meu pai: — Estou cansada, vou dormir cedo. Deixei sobre a mesa. Tália voltou com um vestido limpo, viu a bolsa aberta e franziu o cenho. — Isso não é só um passeio, é? — É um “e se”. Se eu puder salvar uma vida hoje, talvez salve muitas amanhã. — Palavras de Alfa. — ela disse, orgulhosa e assustada ao mesmo tempo — Volte inteira. — Inteira, não. Mas voltarei. No pátio, o vento trouxe cheiro de relva e trovão. Desci a ladeira da horta, atravessei o portão secundário e deixei que a escuridão me engolisse. Cada galho estalado sob as botas parecia uma confissão. Ainda assim, o medo vinha manso, como quem sabe que não é maior que a necessidade. A floresta era outra ao cair da tarde, sombras alongadas, pássaros em sussurros. Encontrei a fenda e entrei. O lobo estava atento. O curativo improvisado escureceu, mas o sangue havia parado. — Eu disse que voltaria. — falei baixo — E trouxe jantar. Deixei carne salgada e pão. Ele cheirou, desconfiado, provou. Uma alegria tola me aqueceu. — Você não precisa confiar em mim… — cochichei, aproximando devagar a tigela com água — só precisa me permitir ficar. Por hoje. Ele bebeu, a língua áspera fazendo um som paciente. Agradeci em silêncio à lua. Depois, desfiz tranças do meu cabelo e usei as fitas para amarrar o pano quando a faixa cedeu, gesto bobo, mas funcionou. Ri de mim mesma. O lobo inclinou a cabeça, curioso, e roçou o focinho na minha palma, quente como brasa. Lavei a ferida, passei pomada, troquei a gaze. A pele estava quente. Ele suportou firme, mas a cada toque os olhos âmbar me prendiam. Quando rosnou, segurei-lhe a cabeça. — Apenas olhe pra mim. Ele olhou. E, por um segundo impossível, uma porta pareceu abrir-se entre nós, um fio de prata atando minha mão ao peito dele. — Você tem nome? Eu sou Selene. Filha de Eamon, Rei Lobo da alcateia Névoa do Luar… mas prefiro só Selene. “Princesa” pesa. A orelha direita dele se moveu, quase um riso. — Certo, “Sem-Nome”. Vou contar uma história. É sobre uma menina que detestava vestidos que não a deixavam correr. Um dia, ela escapou da fortaleza e encontrou um lobo que sangrava. E porque ninguém lhe ensinou a virar o rosto à dor, ela ficou. Contei trabalhando, troquei gazes, massageei as bordas tensas para o bálsamo assentar. O lobo ouviu com respirações longas. Quando terminei, repousei a mão em seu peito e senti o coração vivo. — Vou voltar todos os dias até você se curar. Depois… veremos. Prometi voltar ao amanhecer, custasse o que custasse. Para nós. A noite engoliu a entrada. Eu precisava ir. Arrumei a bolsa, apaguei a lamparina para não chamar atenção. Recuei dois passos. Então a pata dele veio, quente, sobre meu tornozelo, detendo-me. Os olhos âmbar brilharam no escuro, e a voz, humana e grave, derramou-se na pedra: — Se continuar voltando, pequena loba… não vou conseguir deixar você ir.SeleneCinco anos depois do nascimento de Nyx, acordo todos os dias com o mesmo pensamento simples: — Eu tenho uma alcateia, amor e um lar.A fortaleza já não é só pedra e dever. As escadas sabem o nome das crianças. As janelas aprenderam a segurar o vento certo. E o meu coração aprendeu a caber inteiro entre dois braços, um de dia, outro de noite.Ser Luna Alfa dos Reis Alfas é menos glamour e mais rotina do que as lendas contam. E eu adoro isso. Meu dia começa com Fenrir batendo na porta do meu quarto antes do sol nascer, espada de madeira numa mão, maçã na outra.— Mãe, treinar? — ele pergunta, olhos brilhando.— Primeiro a maçã. — respondo, apontando para a mesa — E nada de acertar o pato no pátio. Ele já tem medo de você.Fenrir ri e come com pressa. É idêntico ao pai quando corre, passo firme, foco no que importa, zero paciência pra drama. Depois vem Nyx, que fala baixo de manhã e abraça forte. Ela encosta o nariz no meu pescoço e sussurra “bom dia” como quem me acende por den
DamonOs meses passaram mais rápido do que deveriam. A gestação de loba tem pressa de história. Eu continuei vigiando, continuamos amando, continuamos uma lar só, mesmo com corredores diferentes. Fenrir crescia para todo lado, parecia que o riso dele puxava a planta das hortas. Eu o coloquei no ombro, ele apertava meu nariz, eu fingia dor e ele ria mais. Às vezes, ele e Selene dormiam juntos na minha cama e eu ficava olhando os dois como quem vigia fogo para aquecer, não para queimar.Nyx chegou numa noite sem vento. Selene se preparou como rainha e como loba, lavou o rosto, prendeu o cabelo, pediu água com mel. Iara organizou o quarto outra vez, a curandeira alinhou o que precisava. Damian e eu tomamos nossas posições sem disputa. Um do lado, outro do outro, Selene no meio do mundo. Ash uivava baixo em algum lugar que não se vê, e eu agradeci à deusa por ter inventado vozes que nos salvam.Foi rápido. Selene sabe parir como sabe lutar, inteira. Quando o choro veio, eu me quebrei e
DamonAs semanas em que Selene dormiu só no quarto do meu irmão ensinaram a minha cama a fazer barulho. O colchão rangia quando eu virava, o lençol, sem o cheiro dela, parecia áspero, a janela insistia em bater de leve, mesmo sem vento. Eu não tinha percebido que a casa inteira se acostumou ao passo de Selene, ao aroma dela pela manhã, ao jeito como ela fechava a porta sem fazer barulho. Quando ela ficou apenas com o Rei do Dia, como devia ser, como decidimos juntos, eu entendi que a noite, por mais que me pertença, tinha aprendido a dividir lugar com o riso dela.Não vou dizer que foi fácil. Minha parte ruim quis arrombar a porta certa noite e arrancá-la do sono do sol. Minha parte boa ficou sentada na borda da cama, mãos nos joelhos, respirando até doer, repetindo o acordo como um rosário: “primeiro o herdeiro do dia, depois, o da noite, e, em todos os instantes, Selene pertence a si mesma”. Shadow, meu lobo, rosnava baixo, mas não para fora, rosnava em mim, lembrando de limite.—
DamianA vida com Selene, depois da guerra e do joelho do conselho no chão, não ficou mais simples. Ficou verdadeira. E verdade tem peso, bom de carregar, mas peso.O acordo que fizemos no salão das runas continua sendo o mesmo: “de dia, comigo, de noite, com Damon, e, em todos os instantes, consigo mesma”. Só que combinamos também a ordem dos herdeiros. Primeiro, eu. Depois, meu irmão. Selene aceitou sem mais, como quem escolhe caminho com os pés no chão. E, para cumprir a decisão, ela ficou só no meu quarto por um tempo, mesmo com a saudade explícita do toque do Rei da Noite.— Se eu olhar para a torre dele, você vai me trazer de volta? — ela brincou, certa noite, deitada no meu peito.— Nem precisa olhar. — respondi — Eu te trago de volta de olhos fechados.Ela riu, mas eu escutei a falta. Não de mim. Dele. E aprendi a não ter medo disso. A maldição morreu. O ciúme que sobrava era só eco. Quando aparecia, eu respirava até doer, lembrava que Selene é ponte, não corda para puxar, e
SeleneO capitão Halvar bateu o punho no peito. Uma curandeira que havia cuidado de mim na primeira noite acenou com os olhos. Damian deixou escapar o ar, aliviado. Damon inclinou a cabeça, sério.— A partir de hoje… — continuei — não somos três blocos tentando se encaixar. Somos uma alcateia só. O nome que levantamos juntos não cai com vento. Ele só cai se a gente largar.— E não vamos largar. — respondeu o conselho, num coro que me surpreendeu.Dois meses se passaram. O tempo, esse animal difícil, finalmente decidiu caminhar com a gente. A fortaleza, que antes trabalhava só para não ruir, começou a viver. As hortas cresceram de um modo que parecia milagre, e eu ouvi de Iara que milagre é só trabalho com a bênção certa. Plantamos mais canteiros de repolho, cenoura, beterraba, cebola, entre outros vegetais, legumes, verduras e frutas.As mulheres fizeram cercados novos, os homens ampliaram os currais. As vacas deram mais leite do que o previsto, o queijo curou bonito, os meninos pass
SeleneNo fim da batalha, quando a fumaça baixou e os gritos viraram apenas eco, eu caminhei entre os corpos com uma prancheta na mão, papel simples, lápis de carvão. Não era um ritual bonito. Era um dever. Eu precisava saber quem tinha voltado. Eu precisava olhar nos olhos dos vivos e dizer seus nomes em voz alta para que a vida escutasse.— Conte comigo. — disse Iara, ao meu lado, firme como sempre.Concordei. Atrás de nós, homens e mulheres erguiam macas, recolhiam armas, cobriam mortos com panos. O vale, que horas antes parecia aberto para engolir tudo, agora estava quieto. Quieto e pesado.Procurei primeiro pelos lobos de Calíope. Eles tinham vindo de longe, atravessando passagem e neve, pela promessa de justiça. Eu devia a eles algo mais que gratidão. Devia números. Devia verdade.— São os Lazzuri. — falou Dagan, apontando para um grupo reunido ao pé de uma rocha — Muitos feridos. Poucos inteiros.Eu me aproximei. Vi rostos que eu reconhecia do jantar da aliança… Thales, que ti
Último capítulo