Capítulo 2 – A Dança Queimava
O som dos saltos ecoando pelas pedras do caminho parecia sincronizado com o ritmo acelerado do meu coração. Cada passo em direção à casa principal da vila me deixava mais consciente de que a noite que me esperava não era apenas mais uma celebração. A mansão de Matteo, iluminada por luzes âmbar e tochas elegantes, parecia saída de um conto antigo. Os jardins estavam impecáveis, decorados com rosas vermelhas e girassóis — as mesmas flores do meu buquê — e mesas longas foram montadas ao redor da fonte central. Era como se tudo tivesse sido montado apenas para me impressionar. E estava funcionando. Ao chegar, fui recebida por Matteo com um abraço apertado. — Rafaella... você está deslumbrante — ele disse, com um sorriso sincero. — Seu irmão vai infartar quando te ver assim. — Obrigada, Matteo — sorri, tentando manter a compostura. — E você sabe que ele já infarta só de ver minha roupa do colégio. — Esse é o charme de ser irmão mais velho — respondeu, rindo. Poucos minutos depois, Erich apareceu. Como eu previa, parou a poucos passos de mim, me olhando como se eu tivesse saído de um filme que ele não queria que eu estrelasse. — Esse vestido... tem fenda demais — ele murmurou, cruzando os braços, olhando em volta como se quisesse cobrir minha perna com o olhar. — Boa noite pra você também, Erich protetor. — revirei os olhos. — É meu aniversário, lembra? — Lembro muito bem. Por isso mesmo estou armado — respondeu seco, mas com um brilho de carinho nos olhos. Não houve tempo para discussões. A música já tocava suavemente ao fundo, o som de jazz italiano misturado com risos, brindes e o tilintar de taças de cristal. Mafiosos bem vestidos e suas esposas circulavam pelo jardim. Era um espetáculo de aparência refinada por cima de um submundo de sangue. Então, eu o vi. Salvattore Bianchi entrou no salão como se o tempo tivesse desacelerado só para ele. Usava um terno preto de corte impecável, o cabelo penteado para trás, a barba bem feita e, claro, o charuto nos dedos. Meus olhos o encontraram no mesmo instante em que os dele se prenderam a mim. O mundo pareceu diminuir, até sobrar só nós dois. Ele se aproximou lentamente, como quem sabe exatamente o efeito que provoca. E ele sabia. Cada passo seu era uma provocação calculada. Quando parou à minha frente, sem dizer uma palavra, estendeu a mão. — Posso ter a honra? — sua voz rouca atravessou minha alma. Assenti, sem conseguir pronunciar nada. Entreguei minha mão à dele e, naquele toque, senti tudo o que nunca foi dito. Ele me conduziu até o centro do salão onde casais já dançavam, mas todos pareceram desaparecer quando ele me puxou para perto. Eu sorri, tímida, sem saber se queria beijá-lo ou correr. Mas então o clima mudou. Os murmúrios começaram sutilmente, espalhando-se como pólvora silenciosa. Salvattore endureceu a postura, os olhos agora fixos na entrada principal. Segui seu olhar — e ali estava ele. Aron Lensky. Alto, loiro, olhar gélido e postura impecável, o representante da máfia russa acabava de chegar como se fosse o dono do lugar. Todos pareciam se retrair à sua presença, inclusive Matteo, que desceu a escadaria principal para cumprimentá-lo pessoalmente. Havia algo nele que fazia o ar parecer mais denso. Mais... perigoso. Aron cruzou o salão com passos lentos, como quem conhece cada ameaça no ambiente e não teme nenhuma. Quando seus olhos encontraram os meus, ele parou. Avaliou. Sorriu de canto — e aquele sorriso gelou minha espinha. — O que ele está fazendo aqui? — sussurrei para Salvattore. — Boa pergunta — ele respondeu, já recuando a mão da minha cintura. Sua expressão, antes serena, se fechava como uma muralha de aço. A tensão entre eles era visível mesmo de longe. E Aron sabia. Ele caminhou direto até nós. O ambiente, antes leve com a dança, agora parecia um campo minado. — Buona sera, Salvattore — Aron disse com seu sotaque carregado, os olhos ainda em mim. — E você deve ser Rafaella Ferraro. A joia mais guardada da Cosa Nostra. Salvattore não respondeu de imediato. Apenas posicionou-se meio passo à minha frente, como um escudo. — Você não foi convidado para isso, Lensky — ele rosnou, sem disfarçar o desagrado. Aron riu, um som seco e sem humor. — Matteo insistiu que viesse. Velhos tempos, alianças frágeis... você sabe como é. Eu jamais recusaria o aniversário de uma dama tão... promissora. Seu olhar passeou por mim como se estivesse avaliando mais do que meu vestido. Estava provocando. Testando limites. E pelo jeito que Salvattore cerrou os punhos, estava muito perto de ultrapassá-los. O clima era de guerra prestes a explodir — e eu estava bem no centro dela. A mão dele repousava em minha cintura com firmeza. Sua outra mão segurava a minha com cuidado. Meu corpo inteiro estava em alerta. Sua proximidade me tirava o ar, mas ao mesmo tempo me fazia sentir viva de uma maneira que nunca havia sentido. — Está linda esta noite, dolcezza — ele sussurrou, com um leve sorriso no canto da boca. — Obrigada... pelo buquê. — minha voz saiu baixa, quase trêmula. Ele inclinou o rosto levemente, aproximando sua boca do meu ouvido. — Eu só queria garantir que você soubesse... que eu não esqueci de você. Nem por um segundo. Meu coração disparou. Mas o encanto da dança foi interrompido por um olhar atravessado vindo de Erich, que nos observava da varanda, tenso. E não era o único. Alguns olhares entre os mafiosos mais antigos também se cruzaram. A tensão no ar se tornou palpável. Eu percebi. Salvattore também. Mesmo assim, ele não se afastou. Apertou levemente minha cintura, mantendo o contato. — As pessoas estão olhando — murmurei, engolindo seco. — Deixe que olhem — ele respondeu com um meio sorriso confiante. — Não podem proibir sentimentos que já existem.