As caçadas noturnas eram sempre as mais arriscadas. A floresta parecia se transformar quando o sol desaparecia por completo. Os sons se intensificavam, o cheiro de terra úmida se misturava ao das presas, e cada sombra parecia esconder algo que nos observava. Para os jovens da matilha, era uma prova: mostrar habilidade, coragem e disciplina.
Eu não queria estar ali. Ainda sentia o peso dos olhares no treino da manhã, a estranheza de ter me destacado sem sequer entender como. Mas não havia como recusar. Então segui os outros, com a respiração contida e o coração acelerado.
A lua crescente iluminava os galhos altos, projetando desenhos tortuosos sobre o chão coberto de folhas secas. A cada passo, eu tentava me convencer de que podia controlar a ansiedade. Não queria falhar. Não queria dar mais motivos para cochichos.
— Fique perto do grupo, Rebecca — murmurou Diego, com aquele tom arrogante. — Não queremos ter que voltar para procurar você.
— Pode deixar — respondi seca, apertando os punhos com raiva.
Avançamos em silêncio, atentos ao farfalhar distante que indicava que havia algo vivo por perto. Mas, quando o grupo se dispersou para cercar a presa, eu me afastei sem perceber. Um som à minha esquerda chamou minha atenção. Um estalo de galho, um sopro no vento… e então, o ataque.
Um lobo enorme, negro como a noite, surgiu da mata com um rosnado que fez o ar gelar. Seus olhos eram vermelhos, cheios de fúria. Não era um dos nossos.
Era um intruso.
Um estranho.
O tempo pareceu desacelerar e quase parar em frente aos meus olhos. Eu tentei reagir, mas meu corpo congelou de medo. Senti o impacto quando ele me derrubou contra o chão, o peso esmagador me prendendo, o hálito quente e fétido próximo ao meu rosto.
— Reaja! — gritei para mim mesma em pensamento, mas nada aconteceu. — Reaja!
Foi nesse instante que uma sombra maior atravessou a escuridão.
O corpo do lobo foi arrancado de cima de mim com uma violência que me deixou sem ar. Caí de lado, tossindo, enquanto ouvia o som da luta. Rosnados, estalos, o impacto de músculos contra músculos.
Na verdade, estava longe de uma luta, o lobo não teved chances.
Um grito meio humano e meio lobo cruzou a noite.
E então, silêncio.
Quando levantei o rosto, ofegante, encontrei-o.
Danilo.
Meu alfa.
Estava em sua forma humana, a respiração pesada, o peito largo arfando, os músculos cobertos de suor e arranhões. Seus olhos âmbar brilhavam intensos, ainda carregando o instinto selvagem. O lobo negro jazia caído ao lado, imobilizado.
— Você perdeu a noção? — a voz dele foi um trovão, dura e fria. — Andar sozinha na caçada? Quer morrer? É isso?
Ainda atônita, tentei me explicar:
Ele se aproximou, o olhar penetrando em mim como faca.
E novamente, me incolhe involuntáriamente ao meu alfa.
— Eu não pedi que me salvasse — rebati, mesmo sabendo que era tolice.
Um silêncio denso se formou entre nós. O olhar dele se estreitou, como se eu tivesse dito a coisa mais absurda do mundo. O ar ao redor parecia vibrar com a tensão.
Ele passou a mão pelos cabelos, respirando fundo, tentando recuperar o controle.
Virei o rosto, mordendo o lábio para não responder. Ele não fazia ideia do que eu estava sentindo. Não era só medo, não era só raiva da frieza dele. Havia algo mais.
Quando nossos olhos se encontraram outra vez, por um instante o mundo pareceu desaparecer. Foi rápido, quase imperceptível, mas eu senti.
Eu tenho certeza que senti.
Uma centelha que percorreu meu corpo inteiro, como se a lua tivesse acendido algo dentro de mim.
Danilo percebeu também. Vi isso no brilho que ele tentou apagar, desviando o olhar em seguida.
E então se afastou, deixando-me com o coração em chamas, tentando convencer a mim mesma de que aquilo não significava nada.
Mas eu sabia que significava.
Só nao sabia ainda o que.