Capítulo 5

O campo de treino sempre teve um peso especial para mim. Não porque eu fosse uma guerreira, pelo contrário, nunca me considerei forte o suficiente para competir com os outros jovens da matilha. Eu era muito diferente. Mas havia algo naquele espaço aberto, no chão de terra batida e no cheiro de suor misturado à grama molhada, que me fazia sentir parte de algo maior, como se fosse impossível negar a ligação que eu tinha com a floresta e com o sangue que corria em minhas veias.

Eu quase ouvia ela falar comigo.

Naquela manhã, quando os guerreiros mais velhos chamaram todos os jovens para o treino coletivo, eu quase recusei. Ainda estava abalada com as palavras da minha mãe na noite anterior, sobre meu pai e a linhagem da família Silva.

“Só a lua cheia revelará” , a voz da minha mae bradou dentro de mim. E aquilo ainda ecoava dentro de mim como uma profecia que eu não sabia se queria ouvir.

Mas não havia como fugir. Então, vesti as roupas leves de treino, amarrei o cabelo num rabo de cavalo e segui junto dos outros. Em silêncio e sem chamar atenção.

O campo estava cheio. Rapazes exibindo músculos, garotas afiando garras, risadas e provocações ecoando como sempre. Eu me mantive em silêncio, ocupando o meu espaço na fileira.

— Rebecca, você é lenta demais. — Um dos rapazes, Diego, riu ao se aproximar. Ele sempre encontrava uma forma de me provocar, de debochar. — Melhor ficar assistindo em vez de atrapalhar.

Revirei os olhos e me posicionei.

— Talvez você se surpreenda.

Os guerreiros mais velhos começaram com os exercícios básicos que sempre faziamos. Corridas, saltos, resistência. Meu corpo acompanhou, como sempre, sem grandes destaques. Mas, quando chegou a hora da luta corpo a corpo, algo dentro de mim mudou.

Como se um espelho tivesse quebrado.

— Você contra ela — ordenou o instrutor, apontando para mim e para Clara.

Clara era ágil, sempre confiante, filha de um dos conselheiros. Sorriu com superioridade enquanto se posicionava diante de mim.

— Vai ser rápido — murmurou, antes de atacar.

O corpo dela se moveu, mas antes que eu percebesse, o meu já tinha respondido. Desviei, girei, segurei seu braço e a joguei contra o chão com uma força que não sabia que possuía. 

Um silêncio pesado tomou conta do campo. Clara me olhou, surpresa e furiosa, enquanto eu respirava ofegante, tentando entender o que havia acabado de acontecer.

— De novo! — gritou o instrutor.

E aconteceu outra vez. E outra.

E de novo.

Cada movimento parecia instintivo, natural, como se eu tivesse treinado durante anos para aquele momento. Quando percebi, Clara já estava com a expressão vermelha de raiva e vergonha, e eu, de pé, firme, sentindo um calor diferente percorrer minhas veias.

Murmúrios se espalharam entre os jovens. Alguns me olhavam com admiração, outros com desconfiança. Diego, o mesmo que tinha rido antes, agora me encarava com uma mistura de respeito e irritação.

E talvez, um pouco de medo.

Eu não sabia o que dizer, apenas ajeitei os cabelos soltos do meu rosto e tentei recuperar o fôlego.

Foi então que o senti.

Um arrepio percorreu minha espinha. Levantei os olhos instintivamente, e lá estava ele.

Danilo Fernandes.

De pé, no alto da colina que delimitava o campo, os braços cruzados sobre o peito largo, o corpo rígido como uma estátua. Seus olhos âmbar estavam fixos em mim, intensos, silenciosos, avaliando cada detalhe da cena.

Meu coração disparou. Eu não sabia se era orgulho, desdém ou raiva o que brilhava naquele olhar. Só sabia que ele me via. Que não havia como negar.

E aquilo, de alguma forma, me deixava ainda mais vulnerável do que a própria luta.

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