RENZO ALTIERI
As portas da Duomo di Verona se abriram diante de nós. O som que ecoou ao fundo foi uma mistura de aplausos, flashes e gritos de repórteres que berravam nossos nomes. Mas, para mim, não havia som algum. Só havia ela. Minha esposa. Bianca Altieri. Descemos o degrau juntos, e mesmo com a multidão diante de nós, só consegui focar em cada passo dela. Cada movimento elegante e leve, como se flutuasse. Como se a porra do chão não fosse digno de seus pés. O Bentley preto estava ali, imponente, com as portas abertas. Matteo tinha feito questão de garantir que o caminho estivesse livre. Um círculo de seguranças já cercava o perímetro. Meus olhos vasculharam tudo, prontos para qualquer ameaça. Agora, ela era minha mulher. E qualquer filha da puta que ousasse se aproximar com outra intenção além de respeito... morreria. Bianca entrou primeiro. Loki, o lobo, estava ao lado dela - ainda em alerta, ainda me observando. Entrei atrás e a porta se fechou. — O Loki vai correndo ao lado do carro. — Ela disse com um sorriso leve, tão doce quanto um raio de sol depois de uma tempestade. Virei o rosto, surpreso por baixo da minha máscara, encarando aquele monstro coberto de pelos brancos e olhos que pareciam ler minha alma. Loki estava perto. Muito perto. — Tem certeza, meu anjo? — perguntei ainda sem tirar os olhos do animal. Ela sorriu. Porra, como sorriu. — Ele não cabe no carro, amor. — "Amor". Dio! Ela me chamou de amor. Como se não fosse nada, como se não fosse uma bomba explodindo dentro do meu peito. — Ele ama correr. — Tudo bem. — murmurei, tentando manter a voz firme. Entregue. Eu estava completamente entregue. Matteo acelerou. Loki partiu, trotando com perfeição ao lado da janela em que eu estava. Aquilo não era um lobo comum. — Onde seu pai arrumou ele? — perguntei sem desviar os olhos da criatura. — Uma semana depois que nos conhecemos, ele apareceu com o Loki. — ela disse, com um sorriso nostálgico. — Ele era bem menor... Meu pai disse que Loki foi criado em um laboratório nos Estados Unidos. Ele pagou uma fortuna. Disse que enquanto eu viver, Loki vai sentir cada batida do meu coração. Se eu estiver em perigo, ele vai uivar. Ele pode farejar perigo a quilômetros de distância. — Quando tem algo errado, ele faz o quê? — perguntei, intrigado, ainda observando a sincronia perfeita do animal com o movimento do carro. — Ele b**e a pata direita três vezes no chão. — Ela fez o gesto com a mão. — Ele é treinado pra me proteger... e pra matar. — Ele já matou alguém? — perguntei, sem fingir surpresa. Aquele lobo era uma maldita arma viva. — Já. Toquei sua mão com a minha direita enluvada... mas ela puxou a mão e, para minha surpresa, segurou a mão nua. A mão desfigurada. A mão marcada pelas chamas do meu passado. A que carrega agora a aliança cravejada com o nome dela. — Eu amei sentir seu toque. — Ela murmurou levando minha mão até o rosto. Dio. A pele dela era quente, macia, e ela fechou os olhos como se aquele momento fosse divino. Talvez fosse. Talvez ela fosse minha redenção. Meus dedos acariciaram seu rosto de leve. Eu tremia. Mas não por medo. Por emoção. — Vai mostrar seu rosto pra mim? — ela perguntou de olhos fechados, ainda com minha mão contra a pele dela. Meu corpo inteiro ficou rígido. — Meu anjo... — Como pretende me beijar? - ela me cortou com aquele tom provocador, doce e ousado ao mesmo tempo. Soltei uma risada baixa, nervosa. — Ia dar um jeito. Eu só... não quero que você corra de mim na nossa noite de núpcias. Ela gargalhou. Gargalhou alto. Porra, aquilo soou como uma canção feita só pra mim. — Não pretendo correr de você nunca, garotão. Terá que me aturar pelo resto da vida. — Ela beijou minha mão desfigurada, e me olhou nos olhos, com aquele azul e lilás que me prendiam mais do que qualquer cela da máfia. — Sabe por quê? — Por quê? — perguntei num fio de voz. Ela sorriu. Dio. — Porque eu amo você, Renzo Altieri. Silêncio. Meu coração bateu tão forte que quase pude ouvir as costelas se romperem. Ela disse. Ela me ama. — Fala de novo. — supliquei. Ela sorriu mais ainda. Como se soubesse que aquelas palavras eram minha salvação. — Eu amo você, garotão. Fechei os olhos. Dio! Quis responder. Quis dizer que o que eu sentia por ela era amor multiplicado por tudo o que existe. Mas me faltou voz. Emoção demais para um homem que cresceu na escuridão. Em vez de falar, a puxei pra mim. Apertei-a com cuidado, sentindo cada centímetro de seu corpo quente contra o meu. Ela pousou a cabeça sobre meu peito. Minha mão marcada acariciou sua pele macia, como se quisesse gravar aquele momento na alma. Uma lágrima escorreu. Quente. Salgada. Eu, Renzo Altieri, estava chorando. A última vez que chorei foi há vinte anos. No caixão da minha irmã. Agora... chorava por amor. — Don Altieri, estamos chegando no local da festa. — Matteo avisou pela frente. Apertei minha esposa com mais força. Meus olhos cinzentos se fecharam. E tudo o que existia era o cheiro de morango que vinha dela. Doce. Intenso. Vício puro. Minha esposa. Meu anjo. Ainda abraçava minha esposa, o corpo pequeno dela encaixado perfeitamente no meu, quando vi - por baixo da máscara, pelo canto do olho - uma sombra negra passar como um raio ao lado do Bentley. Loki. O lobo gigante parou abruptamente no meio da estrada. O pêlo negro eriçado, o peito subindo e descendo como se já soubesse o que viria. Ele estava olhando para uma direção específica, imóvel, os olhos amarelos brilhando como faróis na escuridão, mesmo sob a luz do dia. Era como ver um presságio. — Freia. — Minha voz saiu baixa, mas letal. — Marvin?! Matteo reagiu no mesmo instante, pisando no freio e fazendo o Bentley parar com precisão cirúrgica. E então... Três batidas. A pata direita de Loki desceu contra o asfalto com força, três vezes seguidas. Porra. — Senhor, foram identificados dois atiradores no último andar do prédio à direita. Estou enviando as imagens em tempo real para o carro. — a voz metálica de Marvin invadiu o silêncio tenso. — Equipe Alfa chega em um minuto. Snipers. Filhos da puta. A tela do painel acendeu e as imagens surgiram. Dois homens de preto, deitados, rifles apoiados no parapeito. Mirando em nós. Por um instante... Eu senti. O medo. Não o tipo que me paralisa. Eu não conheço esse. Mas o tipo que faz meu corpo inteiro entrar em estado de alerta absoluto porque, Dio, ela está aqui. Ela está comigo. Minha esposa. Minha luz. Meu anjo. E esses filhos da puta ousaram apontar uma arma na direção dela. — Loki... — a voz baixa de Bianca quebrou minha atenção. Olhei para ela. E então para onde o lobo estava. Ele já não estava mais lá. Levantei os olhos e o vi: Loki já havia entrado no prédio. Rápido demais. Como uma sombra viva. Ela tremeu em meus braços. Porra! — Entra no local da festa, Matteo. Agora. — apertei minha esposa com cuidado, protegendo ela com meu corpo como se eu pudesse me transformar em muralha. — Sim, Don Altieri. — ele respondeu, acelerando e atravessando os portões da Propriedade Palazzo Altieri. — Marvin, onde estão Marino e Lorenzo? — minha voz era uma navalha fria. — Os irmãos Coppolla estão com a Equipe Alfa, senhor. — Quero comunicação com eles. Agora. O Bentley deslizou até parar em frente à entrada principal do Palazzo. Matteo saltou do carro com a arma em punhos, o círculo de seguranças já estava formado em torno de nós. Estávamos protegidos. Mas eu não me movi. Segurei Bianca contra mim. Ela precisava sentir que estava segura. — Don Altieri?! — a voz de Marino ecoou no comunicador. — Neutralizaram? Tem alguém vivo? — perguntei, enquanto acariciava as costas dela com a mão enluvada. — Apenas um, senhor. — Lorenzo respondeu com a voz pesada. — O Loki matou o outro. Suspirei. Um alívio breve. Mas ainda era uma gota no meio da raiva fervendo dentro de mim. — Levem ele pro hangar. — ordenei. — Marino, quero você aqui. Lorenzo, fica com ele no hangar. — Sim, senhor. — responderam os dois. — Traga o Loki. — acrescentei. — Puta que pariu... — ouvi Marino resmungar. — Marvin, quero drones armados sobrevoando a área imediatamente. — Já estou enviando, senhor. O corpo dela tremeu de novo. E aquilo... Doía. Afasto Bianca delicadamente e a encaro. Os olhos dela estavam arregalados, assustados. O peito subindo e descendo com dificuldade. Ela estava com medo. Ela, que me sorriu há poucos minutos e disse que me amava... Toquei o rosto dela com a mão desfigurada. A mesma que carrega a aliança marcada com o nome dela. — Está tudo bem, meu anjo. — murmurei.— O Loki já está vindo. Ela assentiu, mas os olhos ainda estavam em pânico. E então me abraçou com força. Dio. Aquele gesto partiu algo dentro de mim. Como ousaram? Como ousaram tocar a luz que está me tirando do abismo? Como ousaram tentar atingir ela? Minha mão acariciou suas costas, senti o perfume doce de morango subir e entorpecer meus sentidos. Mas junto disso, veio o gosto amargo da fúria. Eu ia matar esse desgraçado. Ia arrancar a verdade dele centímetro por centímetro. Ia fazer ele desejar que tivesse morrido pelas presas de Loki. Ninguém - NINGUÉM - ameaça minha esposa e sai vivo. Ela é minha. Minha mulher. Minha luz. Meu inferno e minha salvação. E eu sou o Diabo se preciso for... Mas ninguém toca na minha luz sem sangrar por isso.