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Capítulo 5 - O Noivado dos Sonhos

Selene

Dois anos se passaram desde a primeira vez que vi Kaleb na caverna. Dois anos de mentiras cuidadosas para meu pai, de fugas noturnas e segredos que floresciam como ervas daninhas no meu coração.

Eu me perguntava, às vezes, se a lua teria errado ao me marcar tão cedo, se aquele amor proibido não seria apenas um delírio da minha juventude. Mas cada vez que Kaleb me olhava, cada vez que seu sorriso quebrava o ar pesado da fortaleza, todas as dúvidas sumiam.

Ele não era mais o lobo ferido que eu escondi da morte. Voltou um homem imponente, corpo ereto, ombros largos, olhar firme. A cicatriz no flanco só o deixava mais forte, mais perigoso. A cada passo, parecia pertencer ao trono que jamais teria e, ainda assim, era meu.

— Você está linda hoje. — ele me disse, numa das tardes em que nos encontrávamos no pátio interno. A voz dele tinha um tom grave que sempre me arrepiava.

Sorri, tentando esconder o rubor.

— E isso porque ainda não me viu com o vestido do noivado.

O olhar âmbar brilhou como se fosse uma promessa.

— Nenhum vestido do mundo vai conseguir competir com você.

Meus pais demoraram a aceitar. Meu pai, principalmente, rugiu contra a ideia de me unir a um lobo sem nome, sem clã, com passado de exílio. Mas Kaleb, como sempre, soube dobrar os ventos a seu favor. Aos poucos, foi conquistando confiança, ajudando nos treinos, servindo em caçadas, mostrando-se leal à fortaleza. Sua devoção parecia indiscutível.

Eu mesma o defendi diante do Conselho:

— Não importa de onde ele veio, importa quem ele é ao meu lado. Se a lua me deu um companheiro, é porque nosso destino é maior que o orgulho das alcateias.

A cada palavra, sentia que estava mais próxima do que sempre desejei… um amor verdadeiro, escrito na pele e no sangue.

E então chegou o dia do noivado.

A fortaleza se encheu de flores brancas, velas, música de tambores e flautas. O salão principal brilhou como se fosse feito de lua. Eu vestia branco, tecido leve que caía pelos ombros e deixava minhas costas nuas. Na cabeça, uma coroa simples de flores prateadas.

Quando Kaleb entrou, o coração disparou. Ele estava de negro e prata, a cicatriz escondida sob a túnica, mas os olhos queimando em dourado. Sorriu como se só me visse, mesmo diante de toda a corte.

— Está pronta, pequena loba? — perguntou ao segurar minha mão.

— Sempre estive. — respondi, sem perceber que minhas palavras seriam também uma sentença.

A cerimônia seguiu entre aplausos e brindes. Meus pais, embora contidos, se renderam ao clima da festa. Kaleb me jurou amor eterno diante de todos. O salão inteiro vibrou com nossos votos, e naquele instante eu acreditei que o mundo poderia ser simples… eu e ele, para sempre.

Mas a noite só estava começando.

Quando a música já tinha embriagado metade da corte e as luzes tremiam, Kaleb segurou minha mão com firmeza e sussurrou no meu ouvido:

— Quero você só pra mim.

Rimos discretamente, escapando pelo jardim escuro. O vento noturno agitava as tochas, e o perfume das flores misturava-se ao da chuva recente. Ele me encostou contra o tronco de uma árvore grossa, a sombra das folhas caindo sobre nossos corpos.

— Kaleb… alguém pode nos ver… — protestei, mesmo já perdida no calor do corpo dele.

— Que vejam. — ele rosnou baixo, os lábios colando-se aos meus — Você é minha.

O beijo foi faminto, mais ardente que todos os segredos dos últimos anos. A língua dele invadiu minha boca, e minhas mãos subiram por seus ombros até se perderem no cabelo escuro. O corpo dele se colou ao meu, forte, firme, queimando como ferro em brasa.

Senti as mãos ásperas deslizando por baixo do tecido leve do vestido, subindo pelas minhas coxas, pela curva da cintura. Arqueei, um gemido escapando quando seus dedos traçaram caminhos que eu nunca ousei imaginar. A lua parecia nos observar entre as nuvens, cúmplice e silenciosa.

— Kaleb… — suspirei, perdida, quando sua boca deixou a minha para devorar meu pescoço.

— Shhh… — ele sussurrou contra minha pele — Hoje você é só minha.

A cada toque, a inocência que me restava se desfazia. Era paixão e fogo, um amor que me consumia inteira. Entreguei-me nos braços dele, deixei que me marcasse com beijos e mãos que sabiam exatamente como incendiar. Chegamos ao fim, mas foi como se tivéssemos atravessado a fronteira do impossível. Pela primeira vez, provei o gosto da paixão em sua forma mais crua.

Quando a respiração se acalmou e me aninhei contra seu peito, fechei os olhos, convencida de que nada poderia nos separar.

Ele, porém, olhou por cima da minha cabeça. O sorriso que se desenhou não era o mesmo que mostrou diante da corte. Era mais escuro, mais frio.

Voltei para o salão ainda ofegante, os lábios latejando pelos beijos de Kaleb. A música já não me alcançava, o mundo parecia girar em torno apenas do que aconteceu no jardim. Eu tinha provado a paixão, e agora todo o resto parecia pequeno demais.

Mas assim que pisei os corredores silenciosos do castelo, Ash, minha loba, ergueu-se dentro de mim como um trovão.

— “Você enlouqueceu, Selene.”

Fechei os olhos, apertando as mãos contra o peito.

— Não comece, Ash. Hoje foi o dia mais feliz da minha vida.

— “Feliz? Você não enxerga? Ele é perigoso. Há algo escuro demais nesse lobo.”

— Não, você está errada. Kaleb sofreu, foi rejeitado, mas agora tem uma chance. Ele me ama.

— “Amor não brilha com dentes afiados. Eu sinto o cheiro dele, e não é só desejo. É rancor. É como se cada toque fosse também uma promessa de destruição.”

As palavras me gelaram, mas sacudi a cabeça.

— Você só está com medo. Sempre foi desconfiada, sempre me puxa para trás.

— “Porque eu nasci para proteger você! Eu vejo além dos olhos humanos. E o que vejo em Kaleb me assusta.”

— Basta. — Minha voz saiu baixa, quase um sussurro — Eu escolhi acreditar.

Ash rosnou dentro de mim, um som que fez meu corpo inteiro estremecer.

— “Você está se entregando ao inimigo e nem percebe.”

— Ele não é meu inimigo. — A frase saiu firme, embora minha garganta ardesse — Ele é meu destino.

O silêncio que veio depois foi pesado. Senti Ash se recolher, mas não em paz. Era o silêncio de quem espera, de quem sabe que a queda já começou.

Olhei meu reflexo na janela, o vestido branco ainda arrumado apesar da pressa dos beijos. Sorri para mim mesma, tentando abafar o eco da loba.

— Talvez você não entenda, Ash… mas eu preciso desse amor. Preciso acreditar que, depois de tanta dor e de tanta regra, a lua finalmente me deu algo só meu.

No fundo, ouvi o suspiro cansado dela, como vento entre árvores:

— “Então que a lua tenha piedade de nós, porque você não está ouvindo o chamado do sangue.”

Fechei a cortina para não ver minha própria hesitação refletida. No fundo, porém, a voz de Ash ainda ardia como brasa:

— “Você está cometendo um grande erro.”

E, mesmo assim, eu não quis ouvir.

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