Como um padre

— Fico feliz em poder mostrar a Basílica. É um lugar muito especial para mim.

Ele assentiu. Madre Regina se afastou com discrição, deixando-nos a sós no pátio amplo, cercado por colunas brancas e roseiras em flor. Por um segundo, o silêncio pareceu denso demais.

— Conhece bem a história daqui? — ele perguntou, caminhando ao meu lado.

— Desde criança — respondi. — Minha família ajudou a restaurar algumas partes, depois que ela foi parcialmente destruída em um incêndio. Meu pai sempre foi muito envolvido com a Igreja.

Ele observava os detalhes das paredes, os vitrais, os entalhes nas colunas. Mas de tempos em tempos, seus olhos voltavam para mim. Como se minhas palavras também fossem parte da arquitetura que ele analisava.

— E decidiu seguir a vida religiosa tão jovem — ele comentou, com um tom neutro. — Isso não é comum.

Eu sabia que aquela era uma pergunta disfarçada de observação. O que me causou estranheza, era que de fato ele também era muito novo.Engoli seco. Ele pareceu ler algo na minha expressão porque logo ele disse:

— Às vezes… quando se cresce cercada de certezas, as escolhas parecem mais fáceis do que realmente são. — olha para ele, eu sou a expressão tem uma escuridão que eu não consigo decifrar. Algo que nem de longe, eu pensaria em ver alguém como ele ainda mais sendo o padre.

Mas eu não podia pensar nisso. Não podia julgar. Não podia sentir esse desconforto que nascia em mim, que me fazia baixar os olhos e desejar que o hábito escondesse mais do que escondia.

Ele era um homem. Um homem bonito. Mas eu havia escolhido Deus. Assim como eu.

Desejo é pecado.

Repeti para mim mesma, tentando colocar uma muralha entre nós dois. Mas os olhos dele… não perdiam nada. Só observavam. E isso, de algum modo, era pior.

Por mais que eu quisesse parecer serena, a palma da minha mão escorregava discretamente no tecido do hábito enquanto caminhava ao lado do Padre Andrei. A Basílica ainda estava silenciosa àquela hora da manhã, banhada por uma luz dourada que entrava pelos vitrais, tingindo o chão com cores que pareciam saídas de um sonho.

Depois daquela frase enigmática, ele não disse mais nada. Seus passos eram firmes e ecoavam pelos corredores de pedra com uma calma quase inquietante. Por várias vezes, me peguei olhando para ele pelo canto do olho — não para contemplar, claro, mas para garantir que estava cumprindo bem meu papel de anfitriã. Ou era isso que eu repetia para mim mesma.

— Essa parte foi restaurada há dois anos. O teto estava começando a ceder, então conseguimos fundos para a reforma com doações anônimas. — expliquei, apontando para o arco central da nave. Minha voz soou mais firme do que eu esperava.

Ele apenas assentiu com a cabeça, os olhos cinzentos, como eu havia reparado na noite anterior — fixos no alto, onde os vitrais se encontravam com a abóbada. Era o tipo de olhar que parecia atravessar o mundo visível em busca de algo que só ele entendia.

Quando voltamos a caminhar, por um instante seus dedos se enroscaram discretamente nas mangas da batina. Meus olhos desceram quase sem querer, e foi aí que reparei: os nós dos dedos estavam avermelhados, como se tivessem sido feridos recentemente. Não era o tipo de marca que se ganha folheando a Bíblia ou acendendo velas. Era o tipo de marca que a vida escondia nas esquinas escuras.

Não comentei. Nem deveria. Mas meus pensamentos aceleraram, como se tivessem recebido um sinal de alerta. Talvez ele tivesse caído… ou tivesse o hábito de rezar ajoelhado por horas, punhos cerrados no chão. Algumas ordens mais antigas valorizavam essas penitências físicas, não? Era o tipo de explicação plausível que minha mente se apressou em formular, tentando silenciar aquele desconforto incômodo que se alojava no peito.

— Você cresceu aqui, Irmã Laura? — a voz dele me tirou do transe.

Assenti com um leve sorriso. — Sim. Minha família tem raízes profundas nesta paróquia. Meu pai ajudou a construir parte das alas laterais. E minha mãe… bem, ela sempre esteve envolvida nas ações comunitárias..

Ele inclinou a cabeça ligeiramente. — E o arcebispo? Ele parece… influente.

Não era exatamente uma pergunta. Era mais como uma constatação esperando confirmação. Ainda assim, a forma como ele olhou para mim ao dizer aquilo — direto, inquisitivo, como se procurasse algo nas minhas reações — me fez engolir em seco.

— O Arcebispo Nicolau é muito próximo da minha família, — respondi, medindo cada palavra. — Ele é respeitado por aqui. Já esteve conosco em momentos difíceis… e também nos mais importantes. É quase como um pai para mim.

— Entendo. — Ele desviou o olhar, mas algo naquela resposta parecia tê-lo feito refletir. Eu queria perguntar o que exatamente ele queria saber, mas não perguntei.

Seguimos em silêncio por mais alguns passos. A luz da manhã começava a se intensificar, projetando no chão as figuras dos santos desenhadas nos vitrais. Andrei parou diante de uma imagem de Santa Ágata. Seus olhos se demoraram nela, como se conhecesse aquela história de cor. Ou como se a mártir o encarasse de volta.

— Ela foi torturada até a morte, — comentei, mais para preencher o silêncio do que por qualquer outra razão.

— Por não ceder, — ele murmurou. — A fé tem um preço alto.

Havia algo na forma como ele disse isso que me fez prender a respiração. Não era a voz em si, mas o peso das palavras. Como se ele tivesse vivido aquilo na pele — ou estivesse prestes a fazê-lo.

Tentei afastar a sensação. Estávamos em solo sagrado. O mal não passava pelas portas da Basílica — era o que eu sempre acreditei. Ou o que preferia acreditar.

— Padre Andrei… — comecei, tentando retomar o tom profissional. — Há algo mais que o senhor queira ver? Ou alguma parte da Basílica em que tenha interesse especial?

Ele olhou ao redor lentamente antes de responder. — Gostaria de ver os arquivos. Os registros antigos da paróquia.

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