Teu Toque Parte 1

O dia começou já com clima diferente em torno de mistérios e perguntas que apareceram nos momentos errados, sons de pássaros cantando, no cume das árvores que repousavam sobre a varanda do quarto de Helder.

Os vidros fixados entre os vãos da porta corrida não disfarçavam as luzes que invadiam o quarto pela manhã, e um conjunto de cores brilhando sobre o rosto de Márcia, que foi traída ao anoitecer pelo calor, deitando no chão os lençóis da cama.

Ao som barulhento do alarme, Márcia desperta do sono, já despida e sem cueca. Tomou um susto entre alma e corpo, quando percebe que Helder está dormindo ao seu lado, reagindo com dúvidas no seu interior e questionando-se se por ventura haveria rolado algo entre eles na noite passada.

Márcia apanha o lençol e se forra ao mesmo tempo, com a mão no rosto, julgando-se.

— O que será que eu fiz, Meu Deus! – murmurou entre suspiros aflitos.

Admirou-o tantas vezes, seu coração tomou conta da sua mente, quando desesperadamente percebe que Roger havia ligado umas 10 vezes, e estava em cima da hora, atrasada para o trabalho.

Helder, de forma descarada, acordou, olhando para Márcia de forma diferente, como se tivesse rolado algo entre eles na noite passada, sem preocupação, de forma carinhosa, chamando atenção de Márcia com o piscar dos olhos.

Isso deixou Márcia ainda mais desconfiada.

— Será que rolou sexo durante a noite? Será que ele sentiu o meu corpo?

Entre palavras questionáveis que vinham bem do fundo, num sentimento de dor martelando sua mente, Márcia não perdeu tempo e perguntou…

— Helder, onde estão as minhas roupas? O que aconteceu na noite passada? Se bem me lembro a gente só deu dois goles e mais nada. Me responde, caraças, o que rolou na noite passada? Por que estou assim nua em tua cama?

Márcia estava irritada e ao mesmo tempo confusa. A noite passada bebeu tantos goles de Martini que não lembra de nada. Memórias em falta em sua cabeça.

— O que você acha que rolou entre a gente? – disse Helder com tamanha ironia, tentando confundir as memórias de Márcia.

— O que aconteceu entre a gente, tal como na noite do bordel era para ter acontecido... Tocar em você e você me tocar foi demais. Seu toque é de tirar a roupa e passar as mãos de forma leve ao corpo.

— Me passa o roupão. Vou tomar um banho, preciso limpar toda essa sujidade que está em mim. Eu estou muito atrasada, e dá um jeito de procurar a minha roupa, por favor – disse Márcia, faltando-lhe ar na boca e palavras para completar as frases.

Então Márcia entrou ao banheiro, colocou a água a aquecer, para retirar todo pecado que ela achava que rolou durante a noite. Ela já não tinha certeza se o que rolou na noite passada foi só sexo ou apenas conversaram.

Enquanto a água escorria em seu corpo, descendo as costas, ela nua em meio à banheira se mutilava a cabeça com palavras vazias e sem nexo. A hora passava e seu telefone não parava de tocar…

— Como fui tão frágil em cair na tentação dele? – sussurrava para si mesma. — Por que subi no carro? Que estupidez minha achar que só íamos conversar.

Afogada em arrependimento e confusão, Márcia permaneceu no banho mais do que devia.

Acordando do sono ao relento, saiu do banheiro, pegou em sua roupa, vestiu-se e desceu as escadas.

Para sua surpresa, deu de cara com uma mesa repleta de banquete. Sobre ela, o Deputado, a esposa, os filhos e os irmãos tomavam o pequeno-almoço.

Sem pressa, entre goles e outro, do canto da mesa saiu aquele sorriso de forma irónica, em forma de piada, deixando ela ainda mais confusa.

— Não tenha pressa em sair de casa. É bom colocar algo no corpo depois das forças que você desperdiçou a noite toda.

Márcia admirou, e mesmo com toda aquela ironia, não respondeu. Pegou a bata do hospital em sua pasta, as chaves do carro e saiu, com Helder correndo atrás dela.

— Mandei pegar o seu carro. Não liga para eles. Eles nem ouviram os seus gritos durante a noite.

— Sério? – questionou ela, incrédula, passando a mão no rosto, piscando os olhos sem parar, como se tivesse acordado de um pesadelo, e dando meia-volta subiu ao seu carro.

Márcia conduziu até ao seu emprego, durante o trajeto só pensando nos mistérios da noite anterior…

✶✶✶

Tão logo Márcia coloca os pés no recinto do hospital, uma sequência interminável de mensagens começou a cair em seu celular.

Sem tempo para dar olhada detalhada a cada uma com dedicação e atenção, entrou em sua sala. Embora com tanto pânico no hospital, respirou fundo, tentando ganhar o controle da situação.

Enquanto ajeitava o cabelo com um laço fino, sentiu um arrepio em sua pele, como se fossem t***s fortes e invisíveis tocando em seu rosto. Estrondosamente a porta se abriu, desviando o coração de Márcia entre sustos, e no som de uma voz sufocada ouviu o seu nome.

— Márcia, por favor, preciso da tua ajuda na urgência.

A pressão e o desespero estugavam nas veias da doutora Inácia, médica cirurgiã.

Márcia se virou, olhando para ela, entre palavras trêmulas em sua boca, calejando as sílabas.

— O que foi? Qual é o pavor que invadiu a sua alma, Doutora Inácia?

Entre choros amargos, na luta de confiança e incerteza, Doutora Inácia baixou o rosto com tanta frieza, tentando desistir da profissão, nos pensamentos insistentes de sua mente.

— Qual é o caso, Doutora Inácia? – insistiu Márcia, despertada pelo interesse em tentar ajudar a criança que esperava por si na sala de cirurgia.

— Abscessos e infecções severas. É um caso grave e aumento da infecção – reagiu de forma aberta, tentando não chamar atenção. – A médica especializada já está a chegar para auxiliar na cirurgia.

Sem hesitar, Márcia colocou-se de joelhos, abraçando a doutora, passando a mão em suas costas, tentando animá-la.

— Nada está perdido.

✶✶✶

Enquanto a sala mais limpa do universo entrava em chamas, entre desespero e pressão, ao som do bisturi, o suor escorrendo entre as pálpebras e o trocar dos olhares na sala, o alarme disparou: um outro caso mais grave solicitava a presença de Márcia na outra sala de cirurgia.

Márcia, entre o coração e a obrigação, entrou em desespero, tomando a sua decisão mais rápida no meio da ocorrência.

— André, continua a cirurgia. Vou atender a outra sala.

André, jovem estudante e estagiário, entre enfermeiros e médicos chefes, entrou em pânico. O cheiro que vinha do corpo deixou-lhe tonto, entrando em vômitos e frios na barriga.

Elena, estagiária de 17 anos, pegou no afastador com tamanha coragem, aguentando a pressão e atenção da cirurgia, substituindo Márcia.

Dois minutos passaram. Entre corridas e saltos, Márcia está de volta, já com um ralhão daqueles da médica chefe.

— Doutora Márcia, em casos como esse é preciso ter muito cuidado, pois o caso é delicado – orientou a médica especializada na área, tentando chamar atenção de Márcia.

Márcia, sempre competitiva mesmo em casos difíceis, mostrando que é uma médica excepcional e que não passou as aulas cabulando, respondeu com tamanha perspicácia enquanto operava:

— Por isso é que é preciso ter muita atenção em edema.

— Nesse tipo de casos, há riscos severos, ainda mais quando estamos a operar no pescoço. Mas não se preocupe, chefe. A minha equipe foi preparada para isso.

Antes, porém, de finalizar a cirurgia, Márcia pediu a opinião do estagiário:

— José, o que devemos fazer depois de uma cirurgia nesses casos?

Márcia agia sarcasticamente, tentando mostrar para sua chefe que não trabalha com medíocres e tem sempre ensinado.

José, com medo de errar, segurou o coração, controlou a sua emoção, respirou profundamente, ajeitou a máscara no rosto, e tropeçou nas falas como um navio cujas mãos estavam presas entre pinças e tesouras:

— Normalmente, é colocado um dreno cirúrgico no local para impedir o acúmulo de líquidos e pus.

— Doutora Inácia, finalize a cirurgia. O paciente é seu.

Márcia retirou-se da sala levando a sua equipe. A jovem Elena e o enfermeiro Pedro a seguiram, deixando o restante numa salva de palmas depois do sucesso ocorrido!

✶✶✶

Às vezes, quando tudo parecia estar sob o controle de Márcia, desfrutando de uma bela tranquilidade em sua sala, as canetas escreviam uma história diferente. Márcia só queria um final de dia desigual, sereno e severo, com o contato de Helder em seu rosto e o aperto de mão de Roger em seu corpo.

Com a cabeça pousada na sua secretária, Márcia caiu em sono profundo, onde as imaginações tomaram conta dela.

“Sonhando”

— Teu toque, Márcia.

— O que tem o meu toque? – questionou Márcia, enquanto rebobinava as cenas do seu sonho.

— Sério que tu não sabes? Meu Deus! Naquela última noite em que nos deitamos em minha cama... Seu afago rompeu minha alma, tocando meu corpo com suavidade. Cada movimento em meu ser desfalecia as minhas forças.

— Sério que fiz isso contigo? – disse Márcia curiosa, indecisa e com tom irónico, bombardeou: — Não sabia que tinha tanto charme assim!

Então, despertando do sono de um jeito agressivo, Márcia sentiu novamente o susto invadir sua sala, quando já entre as babas sobre a mesa, com os olhos fundos e abatida, a maçaneta da porta tomou conta do espaço, abrindo como se fossem as portas de uma igreja.

Procurando trazer sua atenção à realidade, saiu aquela voz alta em sua direção, com desconfiança e bravura, os braços cruzados e a cabeça mexendo de um lado para o outro.

— Onde você passou a noite? – interpelou Dona Barbara, conselheira e terapeuta sexual!

— Por que a pergunta? – respondeu Márcia, assustada, já com a mão no peito.

— Ah, não me faças de boba, menina Márcia. Tu pensas que por teres o hospital aos teus pés, já podes me enganar? Não me faças perder a cabeça!

— Roger ligou a noite inteira querendo saber de ti. Eu tive a ousadia de dizer que você passou mal e vai passar a noite em minha casa.

— Nossa, sério Dona Barbara? Muito obrigado por me safar. Vou para casa e vou me desculpar com o Roger…

A senhora mexeu a cabeça, desacreditando que a mesma ia fazer isso, e ainda acrescentou:

— Minha filha, esquece o rapaz do bordel. É passado.

Márcia sorriu de canto, mas, por dentro, sabia que o passado tinha raízes fundas demais para serem arrancadas tão facilmente.

E Helder... Ah, Helder ainda era uma ferida aberta.

✶✶✶

O entardecer se despedia de forma amarga, lentamente, sobre a pele de Márcia.

Os últimos suspiros saíam em alta respiração, o cansaço, dores musculares e atenção fora do normal impediam que as dúvidas sobre a noite anterior cessassem.

Os cabelos de Márcia, ondulados e dourados nas pontas, se desfaziam entre fios rebeldes.

Os olhos fundos, aparentemente deslizando entre a densidade do sono.

A pasta de mão rastejava entre os caminhos confusos do solo, levando areia para dentro de casa.

Envolta de tantas emoções ocorridas durante o dia e conversas inesperadas tomando conta de sua alma, entre sustos e pressões, Márcia tenta se desligar do mundo.

Aproveitando a deixa de estar em casa, entregou-se ao desejo de um bom banho de água fria para relaxar a alma.

A espuma cobria seu corpo.

Passava a escova nos seus cabelos enquanto bolas de espuma se desfaziam pelo ar.

Com a rede, lapidava seu rosto, sentindo a sujidade se perder entre a sensação e o paladar sutil de vinho que secava na taça.

Aí ela entendia que aquilo era o descanso que ela precisava.

Enquanto desfrutava de um bom sono na banheira, Márcia foi despertada por um ruído vindo de dentro da casa.

Primeiro, o som abafado de passos no degrau da escada.

Depois, o ranger lento da porta do quarto se abrindo.

Logo em seguida, uma voz grossa rompeu o silêncio, ecoando pela casa vazia e chamando sua atenção.

Márcia, que descansava como um morcego — leve, mas alerta — ergueu o olhar, tentando distinguir se era realidade ou apenas parte de um sonho.

De repente, sentiu uma mão leve passando entre os lados do seu pescoço, ajudando a mesma a relaxar.

De costas, inclinou a sua cabeça e roubou um beijo marcado e colado entre o piscar dos olhos.

A sensação era outra, nostálgica, os pensamentos a levaram para casa de Helder, como a primeira noite em que foi tocada e amada de forma natural.

Sem se aperceber quem beijava os seus lábios, de forma quente como sol e com as salivas jogando entre doçura e paixão, reagiu com palavras carinhosas, de forma inocente, transformou o alívio do relaxamento em desconfiança de quem o beijava.

— Acho que já não é o meu toque que mudou a sua vida… — ainda respirando, com os olhos fechados, continuou.

— Agora é o seu toque que está invadindo a minha alma… Que descarado, que beijo é esse tão gostoso e cheio de segredos?

— Que cheiro de perfume é esse doce e picante? — Não é muito diferente daquele que usaste na noite em que nos deitamos no bordel…

— Ah, essa fragrância é ótima, mas proibida… entre o calor e o frio que estou sentindo.

Roger retirou os seus lábios da boca dela, desconfiado da serenidade das palavras dela.

Parou por um instante e se perguntou:

— O que será que Márcia está tentando dizer com isto?

Ainda emotivo, recuou, encarando a sua falta de entendimento, nervoso ao mesmo tempo agitado, confuso, perdido nas palavras de Márcia.

Márcia, sentindo a ausência dos beijos, levantou-se da banheira, enquanto a água, já fria, escorria entre as curvas do seu corpo.

Sem mesmo notar que os beijos e os toques surpresos que tocavam sua alma eram do Roger.

Roger prendeu a respiração para que ela não notasse sua presença.

Se retirou.

Márcia, puxando a toalha, saiu da banheira, olhando para trás.

Nada conseguiu observar. Nenhum olhar, nenhum músculo que explicasse os toques em seu corpo.

Depois de se afastar do quarto, Roger desceu as escadas, furioso e desconfiado. Apertou as mãos com tamanha força, pronto para rugir. De repente, ouviu o telefone de Márcia a tocar — o toque de chamada era clássico, conhecido, quase cínico. O telemóvel insistia em chamar, puxando a atenção dele como um imã. Roger hesitava, mas algo dentro dele queria subir novamente até ao quarto. Quem ligaria a estas horas?

✶✶✶

“Por favor, B… não ligues mais a estas horas. O Roger pode descobrir tudo sobre a gente.”

Tudo sobre vós?



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