Teu Toque Parte 2

Márcia gozava de um leve sono, já com o sorriso no canto do rosto, como quem teve uma boa noite de sossego. De repente, sem ânimo, foi acordada pelo barulho desagradável provocado por Roger ao se preparar para o trabalho.

Roger ajeitou as cortinas do quarto de um lado para o outro, permitindo que a luz do sol e o ar fresco entrassem, num tom provocador, quando o clima ainda estava ameno.

Márcia se escondia debaixo dos lençóis como se não tivesse pressa de se levantar, mas, de forma desesperada, ergueu-se, espreguiçando os braços e bochechando serenamente.

Levantou-se, puxando a camisola que deitava um cheiro de suor acumulado, mas não tão ativo quanto o perfume que circulava pelos cantos do quarto, nocivo e esbelto. Entrou no banheiro, e diante do espelho, escovou os dentes e soltou o cabelo ao ritmo da canção que tocava.

Sem pressa, desceu as escadas, lendo as mensagens enviadas durante a noite, enquanto seguia para a cozinha preparar o pequeno-almoço. Arrumou a mesa, preparando um banquete só para si.

Roger desceu as escadas de forma lenta e abusada, deu uma olhada no relógio em seu pulso e ajeitou a gravata, mantendo o silêncio e o quadro de gelo. Tomou seu café sem dizer uma só palavra durante o matabicho.

Márcia, confusa com o comportamento repentino de Roger, observava enquanto ele andava pelos cômodos da casa em silêncio. Afrouxou as mangas da camiseta e bateu a chávena de café na bancada da cozinha, como quem quisesse chamar atenção.

Roger, preocupado com o comportamento espontâneo da namorada, deu meia-volta para ouvi-la se lamentar.

— Então, cadê o respeito? Não dormiste com uma cabra na cama, mas mesmo que fosse, terias o dever de alimentá-la com capim. Queres me explicar o motivo desse comportamento?

Cruzou os braços na cintura, esperando que ele dissesse algo. Prendeu o cabelo com um dos picos da cozinha, já com o rosto trancado.

Roger, de costas, hesitou, dando apenas ouvidos.

Com sentimento duvidoso, questionou-se: — Vale a pena discutir isso?

Cerrou o punho, misturando irritação com remorso, querendo quebrar o gelo, acabar com a guerra silenciosa. Mas a dor era tanta que hesitava. Não conseguiu segurar e soltou logo a chamada de atenção:

— Queres falar do telefonema de ontem?

Esperando resposta, virou-se e olhou nos olhos de Márcia com rancor — e também com medo de ouvi-la falar sobre aquilo.

Sentia-se inseguro. Não sabia se suportaria ouvir de novo o que já ouvira por trás da porta. Só queria que ela se justificasse.

Márcia, com olhar indiscreto, disfarçou com um sorriso maroto, tentando reduzir as dúvidas de Roger. Cheia de ironia e convicção, olhou bem nos olhos dele e disse:

— Que telefonema?

Descruzou os braços, levando-os ao rosto, enquanto Roger dava as costas e saía de casa.

Márcia, assustada e com o peito apertado, puxou o telefone e ligou imediatamente.

— Precisamos conversar… — resmungou, irritada. — Mas por que ele não atende? — O peito ardia de impaciência. — Ainda bem que estou de folga. Ele que se prepare… vai aprender que brincar comigo tem preço!

✶✶✶

O relógio marcava 13h na Universidade Privada de Angola (UPRA). A saída das aulas transformava o espaço num formigueiro humano — passos apressados, risadas altas, grupos espalhados pelo pátio. Uns corriam para os táxis, outros ficavam largados nos bancos, e os mais abusados só observavam.

E então, no meio do caos, ela apareceu.

Márcia não andava. Desfilava. Não falava. Cantava.

A saia curta de pano colorido moldava-lhe as ancas como se dançasse com ela. A barriga nua, riscada de tinta branca, reluzia ao sol. Os seios, cobertos apenas por traços tribais, subiam e desciam ao ritmo da respiração. Na cabeça, uma coroa de serapilheira — como se fosse uma rainha descida de outro tempo, de outro mundo.

Mas foi quando ergueu a voz num cântico forte e ancestral que o tempo parou.

Os estudantes, antes apressados, estagnaram. Uns riam, incrédulos. Outros engoliam em seco. Ela parecia uma Mumuila vinda de um ritual sagrado para dominar a cidade.

E enquanto girava, cantava, prendia cada olhar em seu feitiço, um pensamento quente e certeiro queimava-lhe a mente:

"Garoto, te prepara. Brincar comigo tem preço."

A entrada da universidade virou um caos. Ninguém entrava, ninguém saía. O batuque dos pés misturava-se aos risos exagerados, enquanto Márcia dançava no meio da estrada, provocante, acendendo olhares e inflamando desejos.

E então, ele surgiu.

Rompendo a multidão, com os braços cerrados e o rosto fechado. O ar preso nos pulmões, o olhar cravado nela.

Segurou-lhe a mão — firme, quente. O corpo de Márcia estremeceu, mas o sorriso não vacilou.

— O que estás a fazer?

O silêncio caiu.

— O que é isto, Márcia? Respeita-te! Tu és uma profissional, uma médica! Por que essa cena toda?

Ela riu. Um riso curto, malicioso. Inclinou o rosto e provocou:

— Desde quando te devo satisfações? És meu namorado por acaso?

O rapaz respirou fundo, tentando manter a compostura. Sabia que ela estava brincando. Mas não ia recuar. Sem soltar o pulso dela, puxou-a para o lado e seguiu em direção ao carro. A multidão reagiu com vaias e risadas. Um grupo ainda bateu palmas, lamentando o fim do espetáculo.

Dentro do carro, a tensão era palpável. Márcia cruzou as pernas, deixando a saia subir. O rapaz, inseguro, desceu. Ela o seguiu.

— Queres dizer agora por que fizeste tudo aquilo? Ou vais fingir que não foi por minha causa?

— Liguei para ti mais cedo. Ignoraste minha chamada. Precisamos parar com isso. Ou seja: precisas parar de me ligar nas madrugadas.

— Agora vais dizer que te aborreceste de ouvir a minha voz? Pede tudo, menos isso. Agora é que estou ficando mais apaixonado por ti.

— Ah, meu Deus… Não acredito. Ouvir isso dói mais do que estar numa sala de cirurgia. Mas o que te deu? — disse ela, sorrindo após uma respiração funda.

Aproximou-se dele, colocou a mão em volta do pescoço, segurou-lhe os dedos dos pés, os seios quase tocando o braço dele, e sussurrou:

— Eu também estou louca por ti.

Aproveitando a deixa, deslizou os dedos pelo colarinho dele e, devagar, desceu até o zíper da calça.

Mais uma vez, o rapaz — inseguro — controlou os pulsos e a afastou.

— Precisamos ter respeito. Estamos num lugar público. Agora não entendo: por que não posso ligar se sentes minha falta?

— Roger está desconfiado da gente. Parece que ouviu tudo o que dissemos ao telefone. Estava no viva-voz. As tuas palavras eram doces e, ao mesmo tempo, amargas. Invadiam minha alma e me deixavam molhada, incapaz de controlar minha libido.

O rapaz, ouvindo o efeito que causava nela, segurou-lhe as mãos, ajoelhou-se e abraçou seus pés. Márcia o levantou de um jeito provocador.

— Vamos conversar mais tarde. Encontra-me na Samba — disse ele, com o sangue pulsando nas veias.

Márcia riu de leve, pegou a coroa e abriu a porta do carro. Antes de sair, virou-se:

— Só saio contigo se me disseres o que rolou na noite passada. Sabes onde me encontrar, Helder. Estou indo visitar umas amigas… no bordel.

Ele fechou os punhos — frustrado e excitado. Márcia bateu a porta do carro, caminhando com a mesma segurança de quem domina a situação. Os estudantes explodiram em palmas e assobios.

Helder passou a mão no rosto, balançou a cabeça com um sorriso sarcástico.

— Feliz Março, mulher! Estás fofa! Adorei a dança.

Márcia ergueu uma mão, sorriu de canto sem olhar para trás. De forma lenta, enviou uma mensagem curta:

"Até breve."

Helder suspirou ao ler. Passou a mão no cabelo e murmurou:

— Essa história… estava longe de terminar.

✶✶✶

Já se fazia tarde. O sol desfalecia, e a escuridão renascia. As luzes de cima apagadas, as de baixo acesas. Tudo calmo.

Márcia, ao telefone, mergulhada nas conversas típicas das jovens de Angola — fofocas rolando — passava batom marrom nos lábios.

— Não atrases então, médica dos meus sonhos — disse uma das amigas.

— Eu não tenho as vossas vidas, garotas. Chau, deixem-me preparar à vontade, sonsas!

Márcia estava linda, pronta para sair. Vestido branco cobrindo as ombreiras, cabelo caprichado — preto, com pontas loiras. O vestido colado marcava-lhe os quadris. Brincos de fios prateados com pedrinhas cinza. Colar de missangas pretas jogando com as cores do salto e da cinta. Os olhos brilhavam… até Roger entrar pela porta, bagunçando tudo.

— Vamos conversar… — disse ele, voz arrastada, arranhada pelo álcool.

Márcia, sem desviar o olhar do espelho, respondeu seca:

— Não agora. Estou atrasada.

Roger franziu a testa. Um nó de raiva subiu-lhe à garganta. Deu dois passos à frente, agarrou o braço dela com força e tentou beijá-la.

Ela se afastou bruscamente.

— Me larga, Roger!

Um estalo cortou o silêncio.

O tapa seco virou-lhe o rosto. Márcia piscou, absorvendo o choque. Os olhos marejaram, mas a voz manteve firmeza:

— Vamos conversar mais tarde. Agora preciso ir.

Roger, com olhos vazios, sentiu o arrependimento bater leve no peito. Afrouxou os dedos. O braço dela escorregou livre.

Márcia saiu sem olhar para trás.

No celular, Roger abriu o chat. Dedos trêmulos. Digitou rápido:

"Já sabes o que fazer."

A mensagem foi enviada

✶✶✶

Passou-se um ano. O clima no bordel mudou. A estrutura, os clientes — mais jovens, mesas de jogos, pista de dança, música ao vivo. Os velhos ainda vinham, mas agora reformados, elegantes, menos deitados ao álcool. O perfume já não era barato — refletia aroma caro, envolvente.

Dona Madalena, ao ver Márcia linda como estava, soltou um sorriso admirável.

— Aí, minha querida… Tanto tempo! Como estás? — Deu dois beijinhos nas bochechas e, com sarcasmo, puxou conversa:

— Atrás de um enfermeiro novo ou desejas só prazer?

Edna, uma ex-colega de Márcia no bordel, amante de um primeiro-ministro, preta, linda, cabelos longos, passeava ao redor. Puxou Márcia pelo pulso e levou-a ao camarim, já disparando:

— Quando é que tu casas, menina? — Inclinando a cabeça, olhando bem nos olhos dela.

Elena, a prostituta mais paga do bordel, filha de Dona Madalena e estagiária de Márcia, metida e curiosa, saiu dizendo:

— Casar é como bordel no começo: paga-se pela emoção… depois, pela obrigação!

Márcia ficou sem palavras. Entre olhares curtos e objetivos, questionava-se. Rebeca respondeu com arrogância, sarcástica:

— Só as filhas da dona da casa podem comer sem trabalhar.

Márcia recebeu uma mensagem. Entendendo a tensão entre elas, saiu. Entrou num dos quartos reservados por Helder.

Ele estava ali, simples. Deitado, boina branca na cabeça. Camisa azul-bebê, por dentro da calça cinza arranjada entre suspensores azul-escuros. Sapatos pretos brilhando, meias brancas combinando com a boina. Tirou os óculos e elogiou:

— Em meio ao caos do dia, vestires-te assim de branco mostra que tu entendes… dois corpos podem ser fogo e brisa, mas quando se encontram, dançam como um só.

Márcia ouviu. Tirou o vestido, ficando seminua diante dele.

— Hoje vim para ser toda tua, meu herói. — O rosto dela brilhava.

Helder abriu a sacola. Tirou a lingerie vinho que ela deixara há um ano, depois da noite juntos. Márcia despiu-se por completo e vestiu a lingerie.

O clima os envolveu. Ternura, tensão, desejo.

— Temos trinta minutos: dez para me contares o que rolou naquela noite, dez para tirares a roupa e dez para abusares do meu corpo. Não me faças perder tempo — disse ela.

Helder respirou fundo, olhou nos olhos dela. Passou a língua pelos lábios secos, um pequeno sorriso escapando.

— Dez minutos para a verdade? Tudo bem… Mas espero que estejas pronta para ouvi-la.

Ele começou, calmo:

— Na verdade, não houve nada entre nós. Peguei-te, fomos ao Kikagil, no Morro Bento. Bebemos além da conta. Tu exageraste.

Tiraste a roupa, abraçaste-me, reclamaste do dia difícil. Eu só te ouvi… até vomitares no meu ombro e na calça. Por isso, quando acordaste, me viste sem roupa.

Levei-te para casa. Passaste a noite cantando. Depois, foste à cozinha, fritaste um ovo, engoliste outro cru. Voltaste, tiraste o blusão e a calcinha. Tentaste forçar algo… mas não era justo. Estavas inconsciente.

Sentaste-te no meu colo, tocaste-me, passaste a mão no meu cabelo… e adormeceste.

Deitei-te. Pedi que o motorista buscasse o teu carro. Dormi no tapete. Só subi na cama às cinco, porque… a tentação era grande.

Ao ouvir tudo, Márcia não hesitou. Deixou-se levar pelo desejo e fez amor com ele.

Mas antes, as palavras de Helder ecoaram no quarto. O chão pareceu sumir sob seus pés. O calor que queimava o peito virou frio. Um nó apertava sua garganta.

Seu olhar, antes cheio de desejo, oscilava entre confusão e vergonha. Piscou, desviou o rosto, ruborizada.

— Eu… — tentou falar. A voz falhou. Engoliu seco.

Passou a mão pelo braço, tentando proteger-se de um frio interno.

— Então… eu inventei tudo isso?

Respirou fundo. Virou-se de costas, mordeu o lábio. Quando voltou a encará-lo, hesitação dissolvida:

— Se naquela noite eu não fui tua… hoje, eu sou.

Na despedida, marcada por dor silenciosa, vestiu-se devagar, como se cada peça fosse um adeus. Partiu sem olhar para trás, sentindo ainda os toques dele no corpo.

Hesitou voltar para casa. Mas foi embora.

✶✶✶

Márcia girou a maçaneta e entrou. O silêncio da casa estava diferente. Assim que deu dois passos, viu as malas de Roger junto à porta. O coração dela falhou uma batida.

Roger estava no meio da sala. O olhar não era mais de raiva, nem de embriaguez — era puro desprezo.

Antes que Márcia falasse, ele deu um passo à frente e, com um movimento lento e carregado de nojo, cuspiu no chão, perto dela.

Com um sorriso de escárnio, tirou o telefone do bolso e virou a tela em sua direção.

Imagens.

O sangue de Márcia gelou. Os olhos arregalaram, o estômago se contorceu.

— Essa é a tua outra vida? — A voz dele era cortante.

Ela abriu a boca, mas nada saiu.

— Puta — disse com desprezo. — Tu és uma puta.

O ar sumiu da sala.

— Era com ele que falavas à noite, ao telefone? Aquelas palavras doces, serenas… — Roger riu, amargo. — E ainda tiveste a coragem de dizer: "Roger está dormindo num ótimo sono, sonhando com os pássaros." Agora entendo.

Márcia levou a mão à boca. Os olhos marejados.

— Ontem… — a voz dele vinha carregada de mágoa —, enquanto eu te beijava no banheiro, dizias aquelas frases sobre o toque dele…

A dor escorria das palavras.

— Tu não mereces homem nenhum.

Ergueu novamente o celular.

— Queres ouvir o áudio também? A tua voz, toda manhosa, entregue… Tu me dás nojo. Fiz bem em nunca pedir tua mão aos teus pais.

Márcia caiu de joelhos.

— Roger…

— Fica com tua casa grande. Aposto que veio da prostituição. Vais lá sempre, não é? Agora estás livre. Já não precisas esconder-te.

Os soluços escaparam da garganta dela.

— Sua vadia ingrata.

Roger pegou as malas. Abriu a porta com brutalidade e saiu sem olhar para trás.

A porta permaneceu escancarada. O vento frio da madrugada invadiu a sala.

Márcia tremia. Estava vazia. Desfeita.

Levantou-se devagar. Os olhos turvos de tanto chorar. Os pés mal sentiam o chão. Subiu as escadas. Mas ao alcançar o terceiro degrau, escorregou no corrimão molhado.

Caiu para trás. O tornozelo bateu forte. Gritou de dor.

Arrastou-se até o topo, ofegante. Estendeu a mão. Puxou o telefone fixo da mesinha.

Os dedos tremiam enquanto discava.

Chamou uma vez. Duas. Três.

— Atende… por favor… — sussurrou, voz embargada.

Mais um toque.

— Estou a precisar de ajuda…

O silêncio do outro lado sufocava.

Então, finalmente, a voz atendeu.

Márcia respirou fundo e disse, entre lágrimas:

— Alô… preciso te ver agora.

O telefone escorregou da mão.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App