Teu rosto parte 2

Num belo dia, Márcia estava dentro do seu carro, a sensação gelada do ar-condicionado contrastava com o calor abrasador que dominava a cidade. O trânsito caótico e o engarrafamento incessante tornavam a viagem exaustiva.

Depois de enfrentar o trajeto desgastante. Márcia estacionou numa esquina, em frente ao IMS da Maianga, e seguiu a pé pelos corredores do hospital Jorgina Machel (Maria Pia).

Até aquele momento, tudo corria bem. O dia estava tranquilo, sem frustrações na Ala de Geriatria. As conversas das novas estagiárias ecoavam pelos corredores, despertando a curiosidade das enfermeiras e de algumas médicas que ali passavam.

Márcia respirou fundo, apreciando a calma rara daquele dia. Sentia-se leve, até que seu telemóvel vibrou, trazendo-a de volta à realidade. Uma mensagem de Roger, seu namorado.

— Bom dia Baby, como estás? Olha Ma… desculpa pela discussão que tivemos na madrugada de hoje. Escreveu Roger em sua mensagem…

— Não se preocupe, todo mundo erra. Obrigado pela mensagem, escreveu Márcia de volta. O desconforto se disseminou pelo ar.

Márcia, olhava várias vezes, na mensagem que Roger enviará, os emojis chamavam a sua atenção…

Roger Lopes é um Jovem de personalidade forte, ciumento, mas também delicado. Formado em Administração Pública, contabilista financeiro num dos hotéis da Maianga.

Quando o mesmo acompanhava a filha, uma menina frágil, doce, que sofria de Síndrome de Angelman, a uma consulta, seus olhos brilharam quando se deparam com o sorriso lindo estampado no rosto de Márcia.

Entre olhares discretos, presentes silenciosos e promessas fortes, entre eles o romance nasceu.

Mas, ao ler a mensagem, Márcia se viu perdida, não conseguia pensar somente em Roger. Seu pensamento voava também para o Helder. As palavras dele ainda ressoavam em sua mente, principalmente quando falava do seu rosto com um encanto quase hipnótico.

Um suspiro escapou de seus lábios, mas antes que se perdesse ainda mais na imaginação, a voz metálica dos altifalantes do hospital quebrou o devaneio:

— Dra. Márcia, favor dirigir-se à Unidade de Doenças Infeciosas.

A realidade puxou-a de volta. Guardou o telemóvel, endireitou a postura e seguiu pelos corredores. Mas, no fundo, sabia que sua mente ainda não estava ali.

Márcia correu pelos corredores, o coração acelerado, sentindo o peso da urgência em cada passo. Ao chegar na ala, o cenário a fez prender a respiração. Seu corpo reagiu no instinto — puxou rapidamente o estetoscópio, pediu luvas e ajustou a máscara.

Diante dela, uma criança em estado crítico. O pequeno corpo tremia de frio, os olhos semiabertos revelando um medo profundo. O vômito era constante, anormal. Márcia sentiu um aperto no peito ao notar o inchaço de diarreia escorrendo pelas calças. A criança estava inconsciente.

A tensão tomava conta do ambiente. Márcia respirou fundo, tentando acalmar a própria ansiedade. Seus olhos pousaram sobre Helena, a jovem estagiária que tentava disfarçar a apreensão. Márcia suavizou a voz, mas manteve a firmeza.

— Helena, monitora os sinais vitais a cada 1-2 horas. Pressão, temperatura, respiração, frequência cardíaca. Qualquer alteração, avisa-me imediatamente.

O tempo corria contra eles. Márcia fechou as mãos em punho.

— Onde está o resultado dos exames?!

— Está aqui, doutora! Pegou o papel e o analisou rapidamente. Seu olhar se estreitou. Complicações no tratamento. O suor frio escorreu por sua nuca.

— Eduardo! — chamou o enfermeiro mais experiente da equipe. — Precisamos ajustar o tratamento. Agora. Seu olhar cortante varreu os estagiários que se amontoavam inseguros ao redor.

— Todos, fora da minha zona de trabalho! A menos que algum de vocês se ache competente o suficiente para desenvolver o que eu irei solicitar agora.

Silêncio. Nenhuma resposta. Apenas olhares desviados. Márcia virou-se de costas, com um sorriso cínico. — Sabia... Bando de fracotes. Têm medo de morrer, mas querem ser médicos. Soltou um suspiro, sentindo o peso do cansaço, e olhou para Luísa.

— Doutora Luísa, ajuda-me aqui. Preciso sair um pouco para descansar. Passou as mãos pelo rosto, tentando aliviar a tensão.

Lançou um último olhar para a criança antes de se retirar. Cada segundo era precioso. Mas agora, precisava recuperar o fôlego… ou acabaria desabando também.

Márcia seguiu para o seu escritório, tentando recuperar o fôlego depois da tensão no hospital. Sentia o corpo exausto, a mente pesada, mas antes que pudesse sequer se acomodar, foi surpreendida—um buquê de flores surgiu diante do seu rosto.

O coração deu um salto. O aroma das rosas preencheu o ambiente, suavizando a atmosfera carregada de estresse. Seu espanto se dissolveu em surpresa, e então, quase sem perceber, permitiu-se admirar aquele gesto inesperado.

As colegas espreitavam pela porta, os olhos brilhando de curiosidade ao verem o deslumbrante buquê de rosas. Entre as pétalas suaves, destacavam-se um bilhete misterioso e uma carta de amor, cuidadosamente encaixados.

 Elas trocavam olhares cúmplices, sussurrando entre si até que uma delas, incapaz de conter a curiosidade, perguntou com um sorriso malicioso.

— Quem foi o galã que te enviou essas rosas?

Márcia, ainda absorvendo a surpresa, ergueu o olhar e, disfarçando a própria inquietação, arqueou uma sobrancelha com ironia:

— Vocês não têm nada melhor para fazer?

As colegas riram, trocando risinhos divertidos antes de se afastarem, mas o burburinho ficou no ar.

Márcia soltou um suspiro e, agora sozinha, voltou o olhar para o buquê. O coração bateu mais forte. Quem teria enviado aquilo?

Márcia, com um sorriso discreto e os olhos cintilantes, pegou o telefone, tirou uma foto do buquê e postou em sua conta do I*******m. Logo depois, deslizou os dedos pelo cartão e leu o bilhete:

"Para o único sorriso fechado que se abriu em noite breu, para os meus lábios."

Seu sorriso se aprofundou, e um arrepio percorreu sua pele. Sem hesitar, fechou a porta com pressa. O coração pulsava rápido, misturando curiosidade, emoção e um sentimento que não ousava nomear.

Márcia queria abrir a carta, mas, em meio a curiosidade, também surge a hesitação, mas temia o que as palavras poderiam revelar.

Deu meia volta na sala, inquieta. Abrir e ler seria a escolha certa? Pensamentos conflituantes ecoavam em sua mente. Estou enganando quem? Meu namorado... ou a mim mesma? Um romance de meia tijela, que só a envolvia com palavras profundas e bonitas, mas sem promessas concretas.

Márcia deslizou os dedos sobre o envelope, sentindo o peso da decisão. O desejo e a dúvida duelavam dentro dela. Mesmo relutante, permitiu-se um instante de rendição. Com um suspiro profundo, rasgou o lacre e decidiu, de uma vez por todas, encarar aquelas palavras.

Cada frase parecia despir suas emoções, revelando sentimentos que até então estavam aprisionados dentro dela. E então, em voz baixa, começou a ler…

— Márcia,

— Vi-te de novo. E, mais uma vez, foi o teu rosto que me prendeu. O mesmo rosto que uma noite iluminou a escuridão que eu carregava. Como uma pintura viva, teus traços ficaram gravados em mim, impossíveis de apagar.

Teus olhos… Ah, teus olhos. Médios, profundos, escondendo segredos que não me deixaste decifrar. O jeito como semicerras as pálpebras quando sorris, como se o mundo ao teu redor desaparecesse, como se o vento te acariciasse em segredo. Sempre soube que neles existiam mistérios que nunca pertenceriam a ninguém.

Os teus lábios, Márcia… rosados, canudos, moldados para sussurrar palavras que nunca tive o direito de ouvir por inteiro. Seriam beijos ou despedidas? Promessas ou ilusões? O silêncio que deixaste tem o mesmo gosto que eles.

Teus cabelos… Crespos, longos, dourados nas pontas, dançando com a brisa, como se pertencessem ao próprio vento. E aquelas pequenas joias que sempre carregas… O ear cuffs dourado que brilha em tua orelha, refletindo a luz como se fosse parte de ti. O piercing nostril, prateado, que parece um selo de tua identidade. E o colar no pescoço, banhado a ouro, entrelaçado em miçangas africanas azul-avermelhadas, como se carregasses a tua história em cada detalhe.

Quando te vi naquela tarde, percebi que nada em ti mudou. Mas ao mesmo tempo, tudo mudou. Ainda és a mesma mulher que deixou sua marca em mim…, mas agora, és também um enigma que talvez eu nunca decifre. E ainda assim, continuo olhando, esperando encontrar nas tuas expressões algum vestígio do que fomos… ou do que nunca tivemos tempo de ser.

Sei que não posso roubar o teu tempo, então deixo-te apenas estas palavras, como um sussurro no vento.

“Para que saibas que, entre todas as memórias que tento apagar, o teu rosto é a única que se recusa a partir”

“Fim de citação”

As lágrimas de Márcia caíam sobre as folhas da carta, manchando o papel com a intensidade dos sentimentos que transbordavam dentro dela. A fera que esteve presa por tanto tempo despertou. Uma fúria misturada com paixão e desejo, um anseio irreprimível de vê-lo o mais rápido possível, de beijá-lo, de se perder em seus braços.

Márcia apressada em sair do hospital, para correr nos braços de Helder, seu telemóvel chama… Roger ligando para ela. Márcia estava ansiosa com a mão no coração para ver Helder, mas, em sua mente também ressoavam inquietações e duvidas se aquilo seria o correto.

Com o coração apertado, em meio o desejo atendeu logo…

— Oi Amor, estou meio ocupada. Podemos falar mais tarde? Márcia ainda assim, sentindo-se culpada, teve que mentir mais uma vez para Roger.

— Ah… desculpa não sabia que estavas ocupada amor, te espero para o jantar?

— Melhor não, acho que vou fazer noite hoje, tenho casos tão complicados, depois te ligo meu bem, não abre uma garrafa de vinho sem mim, bebê! Um suspiro vazio entrelaçou sua alma, ela sabia que estava mentindo, mas ainda assim não podia resistir o desejo de estar nos braços de seu herói.

O relógio marcava cinco e meia da tarde quando Márcia saiu do hospital…

Se aproximando lá estava ele, encostado ao seu carro, os olhos cravados nela, como se já soubesse exatamente o que sentia.

O silencio tomou conta dela, deixando-a sem voz, ela chegou mais perto, como quem não queria nada, abriu a porta de seu carro, mas o jovem fechou, ela ficou quieta, esperando uma segunda ação do jovem, o perfume dele, deixava ela perdida no vulto.

— Queira me acompanhar por favor? Perguntou o jovem estendendo a sua mão direita para ela.

Márcia acanhada e envergonhada com o lindo jeito dele, questionou — Para aonde?

— Para um lugar onde o teu sorriso tem mais vida, seus olhos possam brilhar à-vontade, e o calor abrasador do universo possa nos tocar durante a noite escura de baixo dos meus lençóis!

Márcia viu aquilo como uma proposta tentadora, que preferiu uma coisa menos intima e mais amigável, apesar que ela desejava estar no braço dele.

— Não eu vou para casa, meu amor estar me esperando! Márcia tentou provoca-lo com tais palavras.

—  O que tem seu amor? Eu quero ficar contigo não com ele, deixa de contendas, entra no carro e me acompanhe, para um lugar que já mais tenhas visto, só te peço o álcool daí é enganador, então bebas de mais.

Ele abriu a porta, num convite silencioso. Márcia hesitou. Ainda carregava a bravura da noite passada entre suas garras, mas seus lábios, seu corpo… eram inocentes diante do desejo que a tomava por dentro.

E subindo ao carro, seus lábios foram recebidos com beijinhos silenciosos, um abraço apertado e buzinando o carro, saíram daí e foram para onde só os dois pudessem ter mais espaço e se tocar sem serem vistos

— Que lugar é este que a gente vai?

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