O relógio da cozinha marcava 23h47 quando a porta da frente se abriu. Juan entrou sem muito barulho, tirou os sapatos e deixou o paletó sobre a cadeira mais próxima. O cheiro do jantar frio ainda pairava no ar, arroz grudado na panela, feijão endurecido na travessa. Na mesa, um prato coberto com filme plástico esperava por ele. O mesmo prato que esperava há semanas.
Ayla estava sentada no sofá, as pernas inchadas apoiadas numa almofada. A televisão ligada no mudo, só a luz piscando no rosto dela. Os olhos fixos em nada.
— Cheguei — ele disse baixo, quase automático, enquanto afrouxava a gravata.
Ela não respondeu. Apenas ajeitou a barriga enorme com a mão e virou o olhar para ele, devagar, com uma calma que doía mais que grito.
— Você chegou — repetiu, mas não era saudação. Era acusação.
Juan suspirou, passou a mão pelos cabelos e foi até a cozinha, tentando escapar da tensão. Abriu o prato, pegou um garfo, mas a comida já estava fria demais para enganar o estômago. Ele empurrou o pra