Enquanto Lian jantava no andar de cima, Isabella permanecia sozinha à imensa mesa da sala de jantar. O espaço amplo e silencioso não a intimidava; ao contrário, os seus olhos brilhavam com curiosidade e fascínio a cada garfada. Ela saboreava cada prato como se fosse um pequeno tesouro, permitindo-se mergulhar na experiência, encantada pelos aromas, texturas e sabores que despertavam os seus sentidos e acendiam uma alegria calma no peito.
Os funcionários a observavam à distância. Klaus permanecia com as mãos cruzadas nas costas, tentando disfarçar a preocupação, enquanto Hanna e Greta trocavam olhares discretos, os seus corações suavizados pela pureza de Isabella. Mesmo sozinha, ela irradiava vida e entusiasmo. Não precisava de companhia para sorrir; sua alegria era autossuficiente, luminosa, carregada de uma espontaneidade quase infantil, mas temperada por uma maturidade delicada, cheia de gratidão e encanto pelo mundo à sua volta.
Quando terminou, limpou delicadamente os lábios com o guardanapo e ergueu os olhos, iluminando o ambiente com um sorriso radiante:
— Muito obrigada! Estava tudo absolutamente delicioso! Agora vou subir, estou exausta. Boa noite!
O tom alegre de Isabella preencheu o salão, iluminando cada canto como um raio de sol. Klaus, Hanna e Greta trocaram olhares discretos e aliviados, com sorrisos suaves e reverências respeitosas. Um afeto genuíno crescia silencioso dentro deles, e uma vontade profunda de protegê-la parecia emergir do nada. Isabella levantou-se cuidadosamente e, quase saltitando de entusiasmo, subiu as escadas em direção ao quarto, irradiando alegria a cada passo, cada movimento carregado de leveza, mesmo no silêncio da grande mansão.
Ao abrir a porta, o seu rosto iluminou-se com um brilho encantado. O quarto parecia feito sob medida para ela: paredes em tom rosé suave transmitiam acolhimento, realçadas por delicados detalhes em branco perolado que refletiam suavemente a luz dos abajures. Pequenos toques de dourado adornavam os puxadores dos móveis, a moldura oval do espelho e os pés da penteadeira, conferindo sofisticação sem perder a leveza do ambiente.
Ao pisar sobre o tapete felpudo, macio como uma nuvem, Isabella sorriu sozinha, maravilhada com a sensação acolhedora sob os pés. Cada detalhe parecia ter sido pensado para que ela se sentisse segura e valorizada, mesmo sem perceber conscientemente. Livros cuidadosamente organizados preenchiam parte da estante — romances, clássicos e algumas obras jurídicas recém-adquiridas, refletindo a sua paixão pelo direito e pelo imaginário. Sobre a mesa de cabeceira, um buquê de flores claras exalava perfume delicado, misturando-se ao frescor da noite e criando uma atmosfera acolhedora e sonhadora.
— Está tudo simplesmente perfeito… — murmurou, os olhos brilhando de encanto.
Animada, correu até a sacada e respirou profundamente, deixando o ar fresco envolver o seu rosto. O Lago Zurique refletia a lua, espalhando a sua luz sobre o jardim e delineando suavemente o contorno da mansão. Os seus olhos maravilharam-se com a paisagem, mas logo desviaram para a esquerda.
Lá estava Lian, ainda sentado à mesa de jantar na sacada do seu quarto. Imóvel e silencioso, irradiava uma frieza quase tangível, como se o mundo ao redor — a lua, a noite calma, a brisa suave — simplesmente não existisse. O seu olhar perdido num ponto distante refletia pensamentos pesados, correntes invisíveis que o aprisionavam no próprio silêncio. O contraste entre a luz suave da noite e a presença gelada de Lian parecia cortar o ar.
Isabella apoiou-se no parapeito, inclinando-se levemente à frente, e o seu olhar se encheu de alegria e vivacidade ao perceber a presença próxima.
— Não acredito que o meu quarto é do lado do seu! — exclamou, batendo palmas como se tivesse recebido o presente mais inesperado. — Não é incrível?
Lian a observou por um instante, imóvel e silencioso, antes de entrar no próprio quarto. Ele fechou cuidadosamente a porta de vidro que dava acesso à sacada, separando-se dela. Isabella soltou um suspiro, um misto de frustração e diversão suavizando os seus traços, e murmurou baixinho:
— Boa noite para você também, Lian…
Virou-se de novo para o lago, a brisa noturna roçando o rosto, mas o sorriso agora carregava uma sombra de preocupação. Com o coração apertado, murmurou para si mesma, cheia de inquietação:
— Quando será que meu irmão vai conseguir enxergar a vida com cores de novo… será que algum dia vai sair desse mundo frio em que se fechou?
Enquanto a mansão de Lian mergulhava no silêncio da noite, a poucos metros dali, numa residência vizinha, a luz prateada da lua invadia o quarto, escorregando pelas cortinas e pintando o piso de carvalho com um brilho pálido, quase espectral. No andar superior, Aurora Deneuve permanecia sentada no chão, sobre um tapete felpudo e luxuoso, de cor pérola, que parecia absorver o peso da sua tristeza. O corpo esguio e frágil, envolto numa camisola de seda que reluzia suavemente à luz da lua, não oferecia proteção contra o frio que lhe atravessava a alma. A postura impecável de advogada funcionava como uma máscara delicada, frágil como cristal, mal capaz de conter a vulnerabilidade que a consumia.
Nas suas mãos, a taça de vinho tinto tremia tão levemente que só ela podia perceber. O líquido, profundo e escuro como a noite, aquecia a garganta, mas não conseguia tocar o gelo que a memória deixava no seu peito. Um flash de lembrança a atravessou como uma lâmina: Bastien Fournier — seu marido — afogando-a na piscina de casa, em Chicago. A água invadia os seus pulmões, o peso dele esmagando o corpo, e aquele olhar frio devorava cada fragmento da sua coragem. O terror estava cravado na alma, impossível de apagar.
Mesmo longe de Chicago, cada sombra, cada silêncio, cada vento que batia na janela carregava a promessa de que aquilo poderia se repetir. O medo não era apenas lembrança — era aviso. O horror que já vivera podia se materializar de novo, a qualquer instante.
Um soluço escapou da garganta, e uma única lágrima deslizou pelo rosto, refletindo a luz da lua antes de se perder na seda da camisola. O tapete pérola parecia absorver não só o corpo, mas a dor, cúmplice silencioso do sofrimento.
Ao esvaziar a garrafa, o calor do álcool foi um consolo fugaz, uma chama fraca contra a tempestade que a consumia. Aurora arrastou-se até o chuveiro, onde a água quente descia em cascata, misturando-se às suas lágrimas e tentando, em vão, arrastar o resquício de medo que permanecia cravado na sua pele. O vapor denso se espalhava pelo banheiro, envolvendo-a numa barreira momentânea contra o mundo lá fora, mas nem mesmo aquela névoa aconchegante podia apagar a lembrança vívida do pesadelo e a sensação de impotência que ele deixara.
De volta ao quarto, o relógio digital marcava 00:30 da manhã. O suspiro que escapou dos seus lábios soava mais como um lamento profundo do que como alívio; cada fibra do seu corpo ainda tremia sob o peso do terror que a noite lhe impusera. O sono que se seguiu foi frágil, fragmentado por ecos do pesadelo, e quando o alarme tocou, Aurora despertou como se tivesse sido arrastada de volta à piscina de Chicago, sentindo a água gelada inundar os seus pulmões novamente. Olheiras profundas marcavam seu rosto, e o aperto gelado no estômago lembrava-lhe que, embora Bastien Fournier ainda não a tivesse encontrado, a ameaça permanecia real, pairando invisível sobre a sua vida.
Sentada na cama, Aurora controlava o coração acelerado, os dedos trêmulos apoiados no lençol frio. O quarto ainda estava envolto em sombras tênues, e a luz da manhã mal conseguia penetrar pelas cortinas. Cada ruído distante, cada rangido da casa, parecia sussurrar o mesmo aviso: o perigo não estava longe. O silêncio não oferecia consolo; ao contrário, parecia amplificar cada lembrança, cada fragmento de terror que a perseguia há meses.
Ela inspirou profundamente, tentando convencer a si mesma de que estava segura, que a distância de Chicago e a rotina nova em Zurique seriam suficientes para manter Bastien Fournier longe. Mas a memória do toque dele, frio e possessivo, e do olhar impassível enquanto a afogava na piscina, permanecia vívida demais para ser ignorada. Cada sombra que se movia na parede, cada estalo do assoalho, podia ser a aproximação dele — ou a lembrança de que ela ainda não era livre.
O quarto, antes reconfortante, parecia agora apertar-se ao redor dela. A camisola de seda que tocava a sua pele lembrava-a da fragilidade do seu corpo, e o tapete felpudo sob os pés parecia absorver mais do que conforto; parecia absorver a sua própria energia, deixando-a vulnerável. Aurora olhou ao redor, notando cada detalhe como se fosse pela primeira vez — o reflexo tênue da luz no espelho, o cheiro suave das flores no vaso, o leve tilintar do vidro da taça sobre a mesa de cabeceira — tudo contrastando com o peso invisível que carregava no peito.
Memórias vinham em ondas. Ela lembrava-se de Chicago, das ruas silenciosas à noite, dos olhares que evitava, do medo constante de ser seguida. Recordava-se do dia em que Bastien desapareceu após a briga na piscina, deixando-a sozinha, ensanguentada e sem fôlego, mas ainda viva. A sensação de impotência era tão palpável que parecia prender cada músculo do corpo, como se ainda estivesse sob o peso dele. O vinho que bebera na noite anterior, a água do chuveiro, nada conseguia diluir aquele terror gravado na carne.