Elegância em Temor

O coração disparava novamente. Cada sombra parecia viva. Ele podia aparecer a qualquer momento. A ideia de que Bastien Fournier pudesse atravessar a cidade, encontrar pistas e rastreá-la até ali — mesmo a quilômetros de distância — era sufocante. Aurora fechou os olhos por um instante, tentando imaginar que ele não existia, que a ameaça era apenas uma sombra do passado. Mas era impossível. Ele não era memória; era presença latente, invisível, mas sentida em cada respiração, em cada movimento do vento que entrava pela janela.

Levantou-se lentamente, caminhando até a sacada. O ar fresco da manhã não trouxe alívio; ao contrário, parecia cortar a pele, lembrando-a da fragilidade de cada passo, da impossibilidade de se proteger completamente. Apoiada no parapeito frio, sentiu o frio invadindo os ossos. O vento sussurrava, e, por um instante, Aurora imaginou Bastien observando-a de algum ponto distante, invisível, aguardando o momento certo.

A mente girava em cenários impossíveis, alternando racionalidade e pavor: e se ele tivesse conseguido rastreá-la? E se houvesse falhas na segurança da casa? E se ela e Álvaro, sem saber, tivessem deixado pistas que ele pudesse seguir? Cada pensamento parecia abrir uma fenda no chão sob os seus pés, tornando-a vulnerável, como se Zurique inteira pudesse engolir toda a sua segurança ilusória.

Voltou-se lentamente para o quarto, os olhos fixos nas sombras. Cada objeto parecia carregado de significado: o espelho refletia não apenas a sua imagem, mas a fragilidade da mente; as cortinas, balançando levemente, lembravam correntes invisíveis; o relógio digital, marcando 07:45, era lembrete cruel de que o tempo não apagava a ameaça que ainda pairava.

Sentou-se na cama, abraçando os joelhos contra o peito. Cada fibra do corpo tremia, cada músculo tenso, pronta para reagir ao menor sinal de perigo. Respirou fundo, tentando afastar a sensação de ser observada. Mas era impossível. A ameaça não precisava se mostrar para ser real. A qualquer instante, a sombra do passado poderia se tornar presente.

O silêncio caiu como peso sobre o quarto, sufocando. Aurora manteve os olhos fixos na sacada, sentindo o coração martelar. Cada lembrança, cada toque de Bastien, cada medo voltava com intensidade. O mundo lá fora permanecia indiferente, enquanto dentro dela a vulnerabilidade era constante, esmagadora.

Fechou os olhos, tentando organizar os pensamentos, acreditar que haveria luz após a escuridão. Mas a escuridão parecia segui-la, infiltrando-se nas frestas do coração, lembrando que não havia fuga completa, que nenhuma distância apagaria a marca do seu marido.

O vento passou novamente pela janela, frio e cortante. O coração disparou outra vez. Aurora sentiu o medo que não precisava de presença física para ser devastador. Ele não havia partido; nunca realmente partira. E naquele instante, compreendeu plenamente que, embora invisível, o perigo continuava à espreita, pronto para se manifestar.

Tentou se recompor, caminhando até o banheiro, onde a cascata de água quente do chuveiro parecia a única coisa real. O vapor denso subiu, envolvendo-a como um abraço morno, uma barreira momentânea contra o mundo lá fora. A água limpava o corpo exausto, tentando, em vão, levar embora o resquício de medo que insistia em permanecer na pele como sombra persistente.

Após o banho, a sensação de alívio durou pouco. Com movimentos lentos, aplicou um óleo corporal perfumado, de pitanga, que deslizou suavemente sobre a pele úmida, hidratando-a e trazendo calma temporária, como um sussurro de tranquilidade. Pegou a escova secadora profissional e, pacientemente, secou os cabelos lisos e negros, mecha por mecha, modelando-os com brilho sedoso e movimento leve. Para finalizar, depositou delicadamente algumas gotas de reparador de pontas Kérastase, espalhando o elixir com aroma sutil e sofisticado.

De volta ao quarto, Aurora dirigiu-se à penteadeira de madeira escura. O espelho refletia uma versão de si mesma que ainda precisava se recompor de alguma forma. Sentou-se com delicadeza, cada movimento parte de um ritual sagrado, quase uma armadura invisível para enfrentar o dia.

Com mãos precisas, abriu as gavetas e retirou os itens como quem escolhe peças de um tabuleiro de xadrez: primeiro, o corretivo de alta cobertura, deslizando suavemente sobre as olheiras profundas que marcavam a noite insone. Cada toque apagava não apenas a sombra sob os olhos, mas o peso do pesadelo recente, como se a maquiagem reconciliava corpo e mente cansados.

Em seguida, a base leve, que se fundia com a pele sem jamais parecer artificial, uniformizando o tom e apagando imperfeições visíveis. Por cima, o pó translúcido conferia acabamento aveludado, natural e suave, criando ilusão de perfeição sem esforço. Cada pincelada era medida, quase hipnótica, transformando o rosto de Aurora em máscara de serenidade, pronta para encarar o mundo.

Enquanto aplicava os produtos, os seus olhos encontravam o reflexo no espelho: a mulher à sua frente era forte, elegante, impecável, mas ainda humana, carregando em cada traço a lembrança da noite marcada pelo medo. E, mesmo assim, ali estava: reconstruída, cada detalhe pensado para transmitir confiança e controle, sem revelar a vulnerabilidade nos cantos mais profundos da alma.

Com rímel preto intenso e lápis acetinado, realçou a moldura dos olhos, evidenciando o azul profundo que carregava cansaço persistente e determinação inabalável. Para completar, aplicou batom líquido malva suave, delicado e sofisticado, que valorizava a sua pele clara e criava contraste elegante com os cabelos escuros, transformando a mulher assombrada por pesadelos em advogada impecável, confiante e pronta para o mundo exterior.

Levantou-se da penteadeira, a imagem refletida mostrando agora uma mulher segura e elegante. Caminhou até o closet, escolhendo a sua armadura diária: conjunto de alfaiataria azul-marinho profundo, blazer impecável e calça de cintura alta com linhas retas, alongando a silhueta e transmitindo autoridade. Sob o blazer, blusa de seda champanhe, levemente fluida, equilibrava força e feminilidade.

Nos pés, scarpins de couro nude, salto fino, cuja elegância discreta reverberava a cada passo no piso de parquet de ébano. A postura firme e o caminhar elegante transmitiam poder sutil e controle. Aplicou perfume sofisticado com notas de gardênia e âmbar, delicado e marcante, deixando rastro sutil de presença. Pegou bolsa estruturada de couro caramelo, ajustou-a com precisão e desceu as escadas, cada degrau refletindo a transformação completa: da mulher assombrada pelo medo à advogada segura e elegante, pronta para enfrentar qualquer desafio.

O aroma de café fresco, forte e encorpado, guiou-a até a cozinha ampla e iluminada. Celina e Maria, ocupadas com a primeira refeição, conversavam animadamente.

— A Hanna me disse que ele é o maior gato, porém frio como gelo — sussurrou Maria, olhos brilhando com curiosidade e sorriso sonhador.

Aurora, agora mais desperta, franziu levemente a testa e perguntou: — Quem?

O som inesperado fez Celina e Maria sobressaltarem-se. O burburinho cessou e, por um instante, o silêncio tomou conta da cozinha. Aurora sorriu levemente, divertida com a reação delas.

— Bom dia, meninas — disse com calma.

— Bom dia, senhorita! — responderam em uníssono, relaxando em sorrisos cordiais.

Maria, ainda um pouco sem graça, mas logo recuperando o sorriso: — O vizinho novo, que se mudou para cá ontem.

Aurora apenas acenou, gesto de cansaço que os seus olhos azuis não conseguiam esconder. Celina serviu-lhe xícara de café forte, como ela gostava. O aroma a fez suspirar, segurando a louça quente com ambas as mãos. Nesse momento, Álvaro aproximou-se em silêncio.

— Bom dia, senhorita Aurora. O motorista a espera — disse com voz calma e profissional.

— Bom dia, Álvaro. Obrigada — respondeu ela, tomando gole do café. O líquido quente despertou-a de vez. — Já estou indo.

Álvaro a observou com cuidado, percebendo a fragilidade por trás da maquiagem e postura perfeita.

— A noite não lhe deu descanso, não é? — perguntou, voz baixa e carregada de preocupação.

Aurora soltou suspiro profundo; por um instante, a máscara de determinação cedeu. Com sussurro rouco de cansaço, respondeu:

— Não… aquele pesadelo voltou novamente.

Álvaro soltou suspiro em resposta, olhando-a com ternura genuína:

— Não se preocupe, senhorita. Prepararei um chá calmante para sua volta.

Com sorriso breve, mas genuíno, Aurora levantou-se:

— Obrigada, Álvaro. Preciso ir agora. Não estarei para o almoço, cuidem-se e se alimentem bem. Tenham um bom dia.

Ela saiu em direção à porta principal, os saltos ecoando pelo corredor até desaparecer por completo. Na cozinha, o silêncio substituiu a conversa animada, e Maria e Celina a observaram com preocupação. Maria virou-se para Álvaro, que mantinha o olhar atento, como se pudesse perceber cada gesto da saída de Aurora.

— Ela é tão jovem para carregar tanto peso… — murmurou Celina, a voz carregada de tristeza.

— Nem me fale — respondeu Álvaro, baixo, os olhos fixos na porta. Por trás da postura impecável de Aurora, ele sabia que a alma dela ainda carregava os traumas de um passado implacável.

Do lado de fora, Phill, o motorista, a cumprimentou com um caloroso “Bom dia”. Aurora sorriu, retribuindo o gesto, e entrou no Cadillac Escalade preto. O interior amplo e silencioso a envolveu como um refúgio seguro, separando-a do mundo lá fora.


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