Mundo ficciónIniciar sesiónA voz de um oficial o trouxe de volta.
— A senhorita está bem? Ele não a machucou?
Aurora respirou fundo, disfarçando a dor latejante no pé.
— Estou bem. Apenas o tirem daqui, por favor.
O oficial assentiu e, em segundos, Damien foi arrastado.
— Sua vaca! Você me paga! — gritou ele, desaparecendo pela praça.
Aurora soltou um suspiro cansado, o corpo finalmente relaxando.
— A senhorita está bem, doutora? — perguntou o senhor Pierre, ainda chocado.
— Estou, sim, obrigada. Mas é melhor o senhor ir, antes que ele volte. — Sorriu, carinhosa. — E cuide bem da sua esposa.
Ele segurou as mãos dela com ternura, comovido.
— A senhorita é uma mulher admirável. Obrigado, de coração. — E se afastou lentamente, sumindo entre as pessoas.
Aurora o acompanhou com o olhar. Quando ele desapareceu, a dor tomou conta de novo.
— Ai, meu pé… — murmurou, acreditando estar sozinha.
Uma voz grave a fez se sobressaltar.
— Está tudo bem?
Ela virou-se, o susto estampado no rosto.
— Oh, meritíssimo! Sim, está tudo bem. O senhor viu tudo, não foi?
— Por favor, meritíssimo, isso é só dentro do tribunal. Aqui, a senhorita não precisa me chamar assim. — Lian sorriu, leve e sincero. — Vi, sim. E devo dizer… a senhorita é corajosa.
— Eu precisei ser, ou apanharia de novo. — disse sem pensar. A lembrança veio como um golpe: Bastien Fournier.
— De novo? — A voz de Lian carregava incredulidade.
Aurora percebeu o deslize e apressou-se em mudar de assunto.
— Obrigada pela sua postura hoje, Juiz Lian. Se fosse uma certa juíza, talvez as coisas não terminassem bem… ela tinha envolvimento com Damien.
Assim que as palavras saíram, ela empalideceu.
— Droga… — murmurou. — Foi um comentário terrível. Me perdoe.
Lian manteve o tom sereno.
— Está tudo bem. Foi apenas um desabafo. O que foi dito aqui, fica entre nós. A senhorita é uma profissional admirável, e o incidente de hoje não muda isso.
Mesmo sem falar, a mente dele não parava de girar em torno daquela frase — apanhar de novo. Ele sentiu o peso e a gravidade daquilo, sabendo que era um assunto extremamente delicado. Por isso, decidiu ocultar a sua preocupação e se limitar a oferecer um conselho discreto.
— Senhorita Deneuve, o que aconteceu hoje foi grave. O que acha de contratar um segurança? Aquele homem é perigoso.
Aurora sustentou o olhar dele, séria.
— O senhor tem razão. Já estava considerando isso. — Ela sorriu com discrição, mantendo a postura impecável. — Obrigada, Juiz Lian. Mas, se me permite, tenho um cliente esperando.
Ela se afastou, firme, apesar da dor. Lian acompanhou o movimento até vê-la entrar no carro. Phill, o motorista, acenou de longe antes de partir.
Enquanto o veículo sumia na rua movimentada, Lian permaneceu imóvel. O som do motor se afastava, mas a imagem de Aurora — firme, inteligente e com uma ferida discretamente perceptível — ficou gravada em sua mente.
Raul o tirou do transe, entregando-lhe a pasta com os documentos. Ele a pegou de imediato. O peso firme nas mãos, o toque frio e liso do material — tudo aquilo era uma âncora, um lembrete de que sua realidade disciplinada o esperava. Uma rotina que, até então, ainda lhe servia de refúgio.
— Vamos lá… muito trabalho a fazer — murmurou, mais para si do que para qualquer ouvido, como se precisasse reafirmar que a ordem ainda estava no controle.
Mesmo com a pasta firme nas mãos, a mente de Lian se recusava a se acalmar. Ela permanecia inquieta, arrastada de volta à conversa com a advogada, às palavras que ecoavam com um tom de urgência e advertência.
Ele acelerou o passo pelo hall barulhento do tribunal, cada batida do sapato no piso frio ecoando a sua ansiedade por silêncio. Ele ansiava pelo corredor que levava ao seu gabinete, um lugar que, naquele seu primeiro dia, já havia se tornado um refúgio de paredes neutras e portas fechadas, onde o caos do mundo parecia se dissolver, mas não naquele dia.
Um barulho chamou sua atenção, e ele parou abruptamente, o corpo inteiro rígido. A porta do gabinete à frente, normalmente fechada e imponente, estava entreaberta.
De lá, escapava um som abafado, impossível de ignorar: um gemido baixo, seguido por uma respiração pesada. Lian avançou alguns passos, quase contra a própria vontade, puxado por uma curiosidade doentia. A visão o atingiu como um soco no estômago, arrancando o ar que ainda restava de seus pulmões.
Um homem e uma mulher se devoravam num beijo lascivo, um choque úmido de lábios e dentes. As bocas estavam escancaradas, línguas dançando num frenesi possessivo, enquanto as mãos ávidas percorriam os corpos com uma urgência animalesca.
A mão dele, já ousada e familiar, esgueirava-se sob a bainha do tecido da saia, arregaçando-o para expor a pele pálida e macia das coxas num abandono o.b.s.c.e.n.o, quase violento. A outra mão, cravada na nuca dela, apertava os fios de cabelo com a força de quem reivindica um território, um domínio carnal.
O ar do corredor, até então neutro, pareceu se adensar, carregado pelo odor de e.x.c.i.t.a.ç.ã.o, que nauseava Lian.
O asco foi imediato. Aquilo não era desejo, não tinha nada da pureza ou do calor de uma paixão, era um negócio frio, uma t.r.a.n.s.a.ç.ã.o sórdida, selada com saliva e toques calculados. A cena inteira era um contrato visual, um acordo de cumplicidade e poder.
E, enquanto o nojo subia por sua garganta, a voz de Aurora ecoou na sua mente como uma sentença: ela, a mulher no gabinete, só poderia ser a juíza envolvida com Damien. A ficha caiu com um peso brutal, e a realidade se tornou mais suja do que ele jamais imaginara.
O beijo cessou, o homem recuou, o sorriso de vitória estampado no rosto.
— Conto com você para inocentar o meu cliente hoje. Se fizer isso… a noite vou te fazer g.o.z.a.r tanto que não vai pensar em mais nada. — A voz carregava a confiança arrogante de quem já havia provado o que queria.
A mulher soltou um gemido baixo.
— Vou fazer o impossível para que ele se livre dessa acusação. — Os olhos dela queimavam fixos nos dele. — Agora, faça a sua parte. Livre-se da sua namoradinha, porque essa noite… é só nossa.
Ele assentiu, deu-lhe mais um beijo breve e, ajeitando a gravata e a camisa com a calma de quem acabou de selar um acordo vantajoso, caminhou para a porta, o sorriso de vitória no rosto do homem foi o gatilho.
Por puro instinto, Lian deu um passo para trás e se esgueirou para dentro do próprio gabinete. Fechou a porta devagar, com cuidado para não fazer nenhum som. Sentou-se, as mãos apoiadas na mesa, sentindo o coração acelerar.
O seu santuário de ordem e justiça estava contaminado. Uma raiva densa crescia, misturada a nojo e a um tipo de decepção que corroía por dentro. Que audácia. Que insulto à justiça. Ele já sabia que a corrupção existia, mas vê-la tão descarada, tornava tudo mais insuportável.
Horas depois, a luz da tarde atravessava a janela quando a porta se abriu sem aviso. Ela, entrou como se fosse dona do lugar — saltos batendo no assoalho como um aviso de guerra, a camisa social desabotoada de forma provocante, o batom vermelho carregando a insolência no próprio tom. Fechou a porta com um chute leve, os olhos cravados nos dele.
— Me chamo Sigrid Leyz, sou juíza aqui também. — A voz era baixa, carregada de intenção. — E, Juiz Lian… vim descobrir se você é tudo isso que as mulheres andam comentando por aí. — O sorriso era malicioso.
Ele manteve a postura, o rosto impassível. Continuou guardando documentos na pasta como se ela não existisse.
— Não me interessam os boatos. — A voz dele era calma, mas cortante. — Agora, se me der licença, já estou de saída.
Lian fechou a pasta, levantou-se e passou por ela sem olhá-la. O sorriso de Sigrid se desfez, e um lampejo de raiva cruzou seus olhos. Ao sair, ele deixou claro que não havia espaço para ela ali.
No elevador, finalmente soltou o ar preso. Ao chegar ao estacionamento, o motorista o aguardava.
— Que mulherzinha nojenta… — murmurou, baixo e com um nojo que não precisava de explicações.







