Mundo de ficçãoIniciar sessãoO relógio ainda marcava nove da manhã quando Rose entrou no salão de treino da cobertura. O espaço já parecia diferente para ela: não era mais apenas um lugar improvisado, mas um campo de batalha silencioso entre os dois.
Pedro estava encostado na parede, os braços cruzados, como se tivesse todo o tempo do mundo. Vestia calça esportiva e camiseta cinza que colava ao corpo, revelando músculos que ele provavelmente nunca se preocupou em exercitar com disciplina. O cabelo ainda úmido denunciava o banho apressado. — Pronto para apanhar outra vez? — ela perguntou, largando a mochila no chão. — Pronto para ver se você finalmente me dá uma chance de vencer. — Ele ergueu o queixo, com aquele sorriso torto que já a irritava e, secretamente, a intrigava. Rose suspirou, alongando os braços. — Hoje não é sobre vencer. É sobre controlar. — Controle nunca foi o meu forte. — Pedro caminhou até ela, ficando perto demais de propósito. — Pergunte para qualquer um. Rose ignorou a provocação, aproximando-se com a calma de quem já previa cada jogada. — O problema é que você confunde controle com sufocar emoções. Não é isso. É direcionar energia. — Agora você parece minha terapeuta de novo. — Então escute como paciente. — Rose parou à frente dele, a poucos centímetros. — Hoje vai aprender o jogo da respiração. Pedro arqueou a sobrancelha, desconfiado. — Isso parece mais título de livro de autoajuda. Ela respirou fundo, paciente. — A respiração é o centro da luta. Se controla o ar, controla o corpo. Se controla o corpo, controla a mente. Sem esperar resposta, Rose ergueu as mãos e tocou os ombros dele, fazendo-o endireitar a postura. Pedro endureceu por dentro com o contato, mas não se moveu. — Feche os olhos. — A voz dela saiu baixa, firme. — Apenas respire. Ele obedeceu, ainda rindo. — Vai me hipnotizar agora? — Silêncio. Inspire. — Ela encostou a mão em seu peito, sentindo a expansão dos pulmões. — Segure. Agora solte devagar. Pedro abriu os olhos, encarando-a. — Você não percebe o que está fazendo, não é? — Estou ensinando. — Rose manteve o tom profissional, mas o olhar não conseguia disfarçar o calor do momento. — Está me deixando vulnerável. — A voz dele saiu grave, arrastada. — E eu odeio me sentir assim. — Vulnerabilidade não é fraqueza. — Rose aproximou-se mais, o rosto tão perto que a respiração dele roçava sua pele. — É onde a força nasce. Por um instante, o salão inteiro pareceu se calar. Pedro fechou os olhos de novo, mas dessa vez não era para seguir ordens — era para não ceder à tentação de puxá-la para perto. Rose percebeu. Sentiu o corpo dele tremer sob sua mão, como se a luta não fosse mais contra inimigos externos, mas contra algo muito maior: o desejo. — Concentre-se no ar — ela disse, mas a própria voz vacilou por um instante. Pedro abriu os olhos devagar, encontrando os dela. — Difícil… quando o ar está entre nós. O silêncio que se seguiu foi sufocante, carregado de algo que nenhum dos dois ousava nomear. Rose afastou a mão do peito dele, respirando fundo para recuperar a disciplina. — Continue praticando sozinho. — Virou-se, pegando a toalha para disfarçar o rubor no rosto. Pedro ficou parado, observando-a. Um sorriso lento surgiu em seus lábios. — Você também perdeu o fôlego, Almeida. Ela se virou de volta, os olhos afiados como lâmina. — Não confunda treino com fraqueza, Nascer. — Quem falou em fraqueza? — ele rebateu, ainda sorrindo. — Eu chamaria de química. Rose não respondeu. Apenas retomou a posição de guarda, tentando recuperar o foco. Mas, por dentro, sabia: a linha que os separava estava cada vez mais fina. Rose manteve a posição de guarda, como se a distância de alguns passos pudesse apagar o que acabara de acontecer. Mas não podia. O corpo ainda lembrava do calor da mão dela contra o peito dele, e Pedro parecia perceber. — Vamos de novo — ela disse, forçando firmeza na voz. — Quero que pratique o bloqueio lateral. Pedro ergueu as mãos lentamente, os olhos ainda cravados nos dela. — Se você acha que vou conseguir me concentrar depois do que acabou de fazer, está enganada. — Do que eu fiz? — Rose arqueou uma sobrancelha. — Eu só ensinei você a respirar. — E me deixou sem ar. — Ele avançou com um movimento rápido, tentando bloquear a investida dela. Rose desviou, mas não como antes. O toque dos braços se chocando, o choque de corpos, foi mais prolongado, como se nenhum dos dois tivesse pressa em soltar. Ela empurrou o ombro dele para corrigir a postura, mas a mão deslizou um segundo a mais do que deveria. Pedro percebeu. Cada músculo reagiu como se fosse faísca. — Concentre-se — ela repetiu, quase num sussurro. — Estou tentando — ele disse, a voz baixa, rouca. — Mas você não facilita. Rose girou, aplicando uma chave simples para derrubá-lo. Pedro perdeu o equilíbrio e caiu de costas no tatame improvisado. Antes que pudesse se levantar, ela se inclinou sobre ele para imobilizá-lo. A respiração dela descompassada roçava o rosto dele. A mão pressionava seu peito, firme, e o joelho apoiado ao lado de seu quadril mantinha-o preso. — Morto. — Ela sussurrou, o olhar queimando sobre o dele. — Outra vez. Mas Pedro não se moveu. Não piscou. Apenas ergueu a mão e tocou de leve o braço dela, como se o toque fosse inevitável. — Se é assim que eu morro, não tenho do que reclamar. Rose congelou por um instante. O coração batia tão forte que ela tinha certeza de que ele podia ouvir. A linha invisível que vinha separando os dois parecia prestes a se romper. O rosto de Pedro se ergueu alguns centímetros, e os lábios ficaram perigosamente próximos dos dela. O calor, o suor, o silêncio… tudo conspirava. Ela respirou fundo, sentindo o ar ficar pesado demais. Pedro sorriu de canto, provocador, mas havia algo diferente no olhar dele: não era só deboche. Era desejo. — Almeida… — ele murmurou. Rose afastou-se de repente, como se tivesse despertado de um transe. Levantou-se num salto, pegou a toalha e virou de costas. — Treino encerrado. — De novo? — Pedro se levantou devagar, rindo. — Você foge toda vez que eu chego perto da vitória. — Não confunda minha disciplina com fuga. — Rose jogou a toalha nos ombros, tentando disfarçar o rubor no rosto. — A diferença entre nós é que eu sei parar na hora certa. Pedro deu alguns passos, aproximando-se até ficar atrás dela. Não tocou, mas sua voz baixou, grave. — E se a hora certa já tiver passado? Rose se virou, o olhar cortante, mas havia um brilho nos olhos que negava a própria rigidez. — Então você que se controle, Pedro. Porque eu não vou perder a cabeça. Ele sorriu devagar, quase satisfeito com a resposta. — Ainda. Rose saiu do salão antes que ele pudesse dizer mais, deixando o eco da respiração ofegante dos dois preencher o espaço. Pedro ficou sozinho, passando a mão pelos cabelos molhados de suor. Sorriu para si mesmo, um sorriso torto, quase perigoso. — Esse jogo da respiração vai acabar me matando. Naquela noite, Rose se jogou na cama do quarto de hóspedes, mas demorou a dormir. Cada vez que fechava os olhos, sentia de novo o peso do corpo dele sob o seu, o calor da pele, a respiração misturada. — Controle… — murmurou, apertando o travesseiro. — Controle… Mas pela primeira vez em muito tempo, Rose Almeida não tinha certeza se conseguiria manter a disciplina que sempre a definira.






