Capítulo 4

No dia seguinte, a manhã começou com uma tensão quase palpável na residência dos Campos. Era o primeiro dia de Jéssica como babá de Benjamin, e sua presença, em vez de trazer ajuda, parecia um vento gelado que alterava a atmosfera de cada cômodo. Coincidentemente, Isabella e Pedro trabalhariam de casa naquele dia, devido à falta de energia no prédio da empresa.

Madalena, a governanta de longa data, movia-se com uma rigidez incomum. Seu corpo, normalmente relaxado e eficiente, estava tenso, e seu olhar frequentemente se desviava para a jovem que parecia ter tomado conta não apenas da criança, mas de todo o ambiente.

A primeira colisão aconteceu na cozinha. Madalena preparava o lanche de Benjamin, cortando uma maçã em fatias finas, como sempre fazia. Jéssica entrou, observou por um segundo e, sem dizer nada, tomou a faca de sua mão com uma agilidade surpreendente.

— Ah, não, Madalena. Eu li em um artigo que, para o desenvolvimento da mandíbula, é melhor dar a fruta inteira. Deixa que eu cuido disso.

O sorriso que ela ofereceu era tecnicamente educado, mas seus olhos eram frios, desarmando a crítica com uma superioridade que deixou Madalena sem palavras, a mão ainda no ar, sentindo-se repreendida em sua própria cozinha.

Com Susi, a filha da governanta, era pior. A menina de dez anos, que sempre circulava pela casa com a liberdade de quem pertence ao lugar, foi tratada como um obstáculo. Enquanto assistia a um desenho na sala, sentada no tapete, Jessica passou por ela e, sem diminuir o passo, disse em um tom impaciente:

— Licença. Saia da frente, estou tentando ver o Benjamin.

Susi se encolheu, levantando-se rapidamente e correndo para perto da mãe. Madalena a abraçou, o rosto uma máscara de orgulho ferido, e sussurrou: "Está tudo bem minha filha, ela não fez por mal. Ela só estava com pressa para levar o Benjamin para escola."

Isabella, percebeu o desconforto de Madalena, mesmo não sabendo de todos os ocorridos, ela sentiu uma pontada de raiva, pois gostava muito da Madalena. Mesmo assim se conteve em repreender Jessica em seu primeiro dia, isso criaria um atrito que ela não tinha energia para gerenciar, especialmente com Pedro. É só o primeiro dia, ela disse a si mesma, ela vai se adaptar.

A tentativa de manter a paz, no entanto, foi testada novamente minutos depois. Ao entrar em seu quarto para pegar um documento, Isabella sentiu um cheiro familiar e caro no ar. E lá estava Jessica, em frente ao seu espelho, borrifando em seu pulso um de seus perfumes mais exclusivos. Ao ver Isabella pelo reflexo, Jessica não demonstrou vergonha, apenas um sorriso cúmplice.

— Ai, me desculpe! — disse ela, cheirando o próprio pulso com deleite. — Não resisti. Achei que não se importaria, o cheiro é simplesmente divino!

A audácia era tão grande que Isabella ficou momentaneamente sem reação. A invasão de seu espaço pessoal, o uso de seus pertences como se fossem de uso comum... era um desrespeito flagrante. Mas a perspectiva de uma longa e cansativa discussão com Pedro sobre "exageros" a fez recuar.

— Da próxima vez, peça, por favor, Jessica — disse Isabella, a voz mais contida do que gostaria.

— Claro! — respondeu Jessica, animada, sem perceber ou sem se importar com a repreensão.

Isabella pegou seus papéis e saiu do quarto, fechando a porta atrás de si. A calma que tentava manter estava se esvaindo rapidamente, sendo substituída por uma irritação crescente e a sensação desconfortável.

O epicentro da tensão, no entanto, era o escritório em casa. Onde Pedro e Isabella trabalhavam lado a lado naquela manhã. Isabella se virou para ele, um sorriso animado no rosto.

— Minha irmã Clara chega aqui no país no dia 21/10, daqui 4 dias. Pensei em irmos buscá-la juntos, o que acha?

— Claro, tudo bem. Vou anotar na minha agendar — respondeu Pedro, os olhos fixos na tela, o consentimento dado sem um pingo de atenção real.

Momentos depois, Jessica entrou sem bater, segurando uma bandeja com dois copos de água. Ela caminhou diretamente para o lado de Pedro, inclinando-se sobre a mesa dele para colocar o copo ao seu lado, o cabelo roçando propositalmente em seu ombro.

— Pedro, pensei que vocês pudessem estar com sede — disse ela, a voz um pouco mais suave do que o necessário. — Trabalhar tanto deve ser cansativo.

Pedro murmurou um "obrigado" distraído. o gesto dela sendo registrado e descartado por sua mente focada no trabalho. Ele não a cortou, mas também não lhe deu importância, tratando-a com a mesma indiferença funcional que tratava qualquer outro funcionário. Isabella, no entanto, viu o teatro inteiro.

— Você não percebe o que ela está fazendo? — sussurrou Isabella, assim que a porta se fechou.

— Fazendo o quê?

— Ela está dando em cima de você, Pedro. Na minha frente.

Pedro finalmente olhou para ela, a testa franzida em descrença.

— Isabella, não exagere. Ela é só uma menina. Não crie problemas onde não existem.

A resposta dele, invalidando seus sentimentos, doeu mais do que a atitude de Jessica.

À tarde, após o almoço, eles foram com Diana, a secretária de Pedro, e o motorista para um prédio residencial que estava em fase final de conclusão. Enquanto Pedro e Diana discutiam detalhes com o mestre de obras, Isabella conversava animadamente com Thiago, um dos engenheiros e seu velho amigo de faculdade. Eles riam de uma piada interna, gesticulando sobre uma planta arquitetônica, a cabeça próxima um do outro em uma cumplicidade profissional e amigável. Atraindo o olhar frio de Pedro. A forma como eles ria, próximos sobre a planta, acendeu uma possessividade que ele não se deu ao trabalho de esconder.

No carro, a caminho de casa, o clima era glacial.

— Você e o Thiago pareciam bem próximos — comentou Pedro, a voz cortante, sem se importar com a presença do motorista e de Diana no banco da frente.

Isabella o encarou, chocada.

— Estávamos trabalhando. Ele é um velho amigo de faculdade.

— Parecia tudo, menos trabalho. — Ele falou sem tirar o olhar do tablet que estava em sua mão — Você deveria manter uma postura mais profissional. Não confunda simpatia com intimidade, Isabella. Lembre-se de que você ainda é a Sra. Campos! E no final do dia, ele trabalha para mim, e você também.

As palavras a atingiram como um tapa. Ser repreendida na frente dos outros, ter sua profissionalidade e fidelidade questionada daquela forma... A vergonha fez seu rosto queimar. Ela se virou para a janela, o restante do trajeto feito em um silêncio humilhante.

Antes de chegarem em casa, Isabella se lembrou de um detalhe.

— Bruno, pode parar naquela loja de iluminação na próxima esquina, por favor? Preciso verificar um pedido.

— Não pode ligar amanhã? — Pedro suspirou, a impaciência evidente.

— É rápido.

Resmungando, ele decidiu descer com ela, talvez para apressá-la. Ao entrarem na loja, um jovem atendente de sorriso largo veio recebê-los.

— Isabella! Que bom te ver! As arandelas que você encomendou chegaram.

— Ótimo, André! Vim conferir.

A interação leve e profissional pareceu irritar Pedro. Quando André se virou para ele e disse.

— E o senhor, como posso ajudar? Procurando algo para iluminar ainda mais a vida ao lado de uma mulher com um gosto tão impecável

O elogio casual, a forma como o atendente reconheceu Isabella primeiro, a maneira como ele a tratou como a especialista... tudo aquilo pareceu irritar Pedro mais ainda. Ele não disse nada, ignorou o rapaz completamente apenas olhando para ele com frieza, enquanto Isabella sentia a tensão aumentar a cada segundo que passavam naquela loja.

De repente, o celular de Pedro tocou. Ele atendeu, a voz mudando para um tom de urgência.

— O quê? Como assim não aprovaram? Estou indo para aí agora.

Ele desligou e se virou, não para Isabella, mas para a saída.

— Surgiu um problema na empresa, tenho que ir para lá agora.

— Pedro, espere! — chamou Isabella, seguindo-o para fora da loja.

Ele já estava a caminho do carro, onde o motorista o esperava.

— Eu preciso ir. É urgente. — Ele parou por um segundo, a mão já na maçaneta do carro. O olhar que ele lhe deu era frio, distante, como se ela fosse um obstáculo — Peça um táxi.

E foi isso. Ele não esperou por uma resposta. Entrou no carro, deu a ordem ao motorista, e o veículo arrancou, deixando Isabella parada na calçada, sozinha, sob as luzes da loja de iluminação. A humilhação da manhã, a repreensão no carro e, agora, aquele abandono cruel se somaram, deixando-a completamente desamparada e com a certeza de que, para ele, ela era apenas um detalhe inconveniente em seu mundo de urgências.

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