Maicon Jhequison, vulgo MJ
— Fala pra mim, Maicon, na moral... tá amarradão na crente? — A voz de Diana cortava o vento enquanto voltávamos de moto para casa. Ela, como sempre, não parava de tagarelar. — Tô afim da Loiruda, ué. Qual o problema? — respondi, firme, mas sem querer dar muito papo. — Não é só tá afim... tô sacando você todo emocionado pra cima da mina, escondendo quem é de verdade. Tá com vergonha de ser o MJ? Fiz um muxoxo e revirei os olhos. — Fala sério, pirralha. Vai brincar de boneca e não me enche, porra. Pelo retrovisor, vi Diana erguer os ombros e fazer aquela expressão de “foda-se” que ela dominava tão bem. Porém, assim que desceu da moto na porta de casa, soltou um alerta que me deixou pensativo: — Não deveria, mas vou te deixar ligado... Se a crente é importante pra você, é bom contar logo a ela quem você é de verdade. O viadinho tá te sacando e, se ele fizer isso primeiro, talvez ela fique com raiva de você. Não respondi nada. Apenas fiquei observando minha irmã mais nova entrar. Não ia dar razão a uma pirralha. Pra mim, a Loiruda não era o tipo que babaria por um “rei do tráfico”. Agora, o foco era outro: fortalecer o movimento. O pessoal que saiu da quadra provavelmente estava indo todo pra boca. E eu precisava ficar por perto — senão, nego doidão, chapado no pó, transforma o movimento numa zona. Victória Passaredo Toda vez, na volta pra casa, sobra pra mim dirigir. Detesto andar pelas ruas do Rio de madrugada, mas Rachel e Sirley sempre “queimam o pé”, e eu acabo no volante. — Mona, me diz uma coisa... — Sirley falou do banco de trás, enquanto, ao meu lado, Brenda dormia profundamente no carona. — O bofe gostoso... ele te disse o que faz da vida? — E precisa? — respondi, rindo. — Pelo menos sei que ele é sambista. E, olha, a gente só ficou... não rolou nada demais pra eu pedir o currículo dele. — Ai, Mona, tô te achando tão envolvida que fico preocupado. — Sirley tinha aquele tom meio sério que me deixava curiosa. — A gente trocou telefone. Se ele me chamar, na primeira oportunidade eu pergunto, sutilmente. Assim você tira esses grilos da cabeça. Bandido eu sei que ele não é — ao menos não procurado. Com tanta reportagem cobrindo a escolha do samba da Faz Quem Pode, seria improvável ele estar metido em algo, estampando a cara por aí. — O Nem da Rocinha era traficante, procurado e compositor do samba da Mangueira. Então não diz nada, querida. Para de bancar a Alice. — Deus me livre, Sirley! Mas traficante, certeza que não é. Maicon não tinha o perfil que eu imaginava de alguém desse meio. Nada daquele estereótipo pesado na minha cabeça: corpo coberto de tatuagens como se fosse um jornal, pescoço carregado de ouro, roupas que pareciam um outdoor de marca cara. Chegamos em casa, tomei um banho e foi difícil dormir. Minha mente fervilhava entre as lembranças dos beijos de Maicon e as desconfianças plantadas por Sirley. Era um plantão tranquilo. Até a ala de Sirley, que costumava ser a mais movimentada, estava um marasmo. Eu, no fundo, esperava que Maicon me chamasse, depois dos amassos que trocamos no dia da quadra. Mas nada. Três dias se passaram e nem um “oi”. Não o chamaria também — devia ser só um lance passageiro pra ele. Tola sou eu, que ainda sonho com romance. Essa ilusão se quebrou quando meu celular vibrou, anunciando uma mensagem. Peguei o aparelho sem pressa, imaginando ser Brenda, minha mãe ou algum dos meus irmãos. Mas não. Era o Maicon. "Bom dia, Loiruda!" "Bom dia!" — respondi. Houve um silêncio digital que me torturou, até ele voltar a escrever: "Hoje tive coragem pra te chamar. Não queria parecer grudendo, aquele cara chato que fica em cima." "Não iria parecer. Eu estava até esperando você chamar." "E por que não me chamou?" "Não queria parecer grudenta. Uma garota chata que fica em cima." Ele respondeu com uma sequência de “kkkkkkkk” e, logo depois, uma frase que fez meu ventre estremecer: "Gruda em mim, amor! Pode ter certeza que eu não vou querer soltar." Respirei fundo, fingi não ver e mudei o assunto. Passamos o dia conversando. Entre trocar sondas, ajustar soros e fazer outros procedimentos no hospital, eu respondia às mensagens tentando não parecer tão empolgada. Seguimos assim por dias, até o evento da escolha do samba, na quadra da Faz Quem Pode. O clima já era de festa antes mesmo de entrar na quadra. Maicon e eu estávamos trocando mensagens desde que saí de casa. Ele disse que me esperaria do lado de fora, à direita, afirmando que “não aguentava mais de saudade”. Uma pequena multidão bloqueava minha visão. Tentei enxergar por entre os corpos vestidos de verde e branco, cujos brilhos das pedrarias refletiam na iluminação da rua. — Calma, Mona! O bofe vai aparecer. — Sirley, com seu tom debochado, tentava me acalmar, enquanto Brenda tinha ido estacionar o carro. — Não enche, Sirley. — Ele apenas riu. Quando o grupo se dispersou, lá estava ele. Sorriso branco, perfeito, aquele que tinha se instalado nos meus pensamentos. Apertei o passo para diminuir a distância, deixando Sirley para trás. Mas, antes que eu pudesse chegar, Maicon fechou o semblante e fez um gesto com a mão, pedindo que eu parasse. Franzi o cenho, confusa. Vi quando ele empurrou o peito de um sujeito mal-encarado, tão corpulento quanto ele, um pouco mais velho, carregado de ouro e claramente armado — dava pra perceber pelos volumes sob a camisa. Meu instinto foi ir até eles, mas Sirley me segurou firme. — Ficou biloló, Mona? — sussurrou. — Ele é cria daqui, sabe se virar. Você não pode se meter em problema dentro da favela, sua doida. Ele estava certo, embora fosse difícil admitir. Brenda chegou, jogou um braço sobre meu ombro e outro sobre o de Sirley, nos puxando num abraço apertado. Olhei para onde Maicon e o homem tinham ido, mas já não estavam mais à vista. — Bora entrar, Mona. Quando menos esperar, seu bofinho vai estar contigo lá dentro. — Sirley falou, num tom tranquilizador. — O que tá pegando? — perguntou Brenda, curiosa. — Nada... — forcei um sorriso. — Só eu, pagando de preocupada com um cara que conheci ontem.