MJ
A puxava pelas tranças. Assim, não machucava tanto, da última vez que a levei pelo braço, Diana fez tanta força contra mim que o braço magro dela ficou roxo por dias. Parecia até que eu tinha espancado minha própria irmã. Não que alguém tivesse alguma porcaria a ver com isso… mas eu gosto que me temam pelo motivo certo, não por fofoca errada. Pelos cabelos, ela não puxava; vinha andando comigo calada, no passo curto, com medo de desarrumar o penteado. — Me solta, Maicon Jhequison… não vou fugir. — A voz dela veio carregada de desafio, mas baixa. Sem olhar para trás, respondi seco: — Você já me enganou duas vezes hoje. Que tipo de otário eu seria se deixasse acontecer a terceira? — Cadê o educadinho que tava falando com aquela maluca loira vestida de crente, hein? — rebateu, arqueando a sobrancelha. — Já voltou a ser o MJ de sempre? — Nunca fui o MJ com você. — continuei a caminhar, segurando as tranças, enquanto ela se curvava para proteger o cabelo. — Não! — a indignação dela cresceu — Não sei como tem coragem de falar isso na minha cara… E depois do que fez com o Dener e a família dele? — Ah, na moral… Denilson era um otário de merda que não sabia escolher onde enfiar o pau. O que eu fiz com ele e o pai foi pouco. O “paraíba” vivia dizendo: “prendam suas cabras que meu bode tá solto”. Ele teve foi sorte do bode dele não sair daqui capado. Tá ligada? — Hipócrita! — cuspiu a palavra como veneno. — Acha que eu não sei que você e o imbecil do Quenedi vivem fazendo farra com novinha? Já cansei de olhar pelo buraco da janela do cafofo! — CHEGA, DIANA! — gritei, a voz ecoando pela viela. — Vai me obedecer! Se aquele merda do teu pai não consegue cuidar de você, eu vou cuidar. Vai estudar e ser alguém nessa vida. Enquanto eu tiver vivo, você não vai virar mais uma mamada na favela! — Você é um chato! — ela se soltou com um puxão rápido, libertando o cabelo da minha mão, e saiu pisando forte na direção de casa. — Boa noite, demenor! — gritei para as costas dela. — Se eu te pegar na rua, o couro come! (...) Depois de largar a danada da minha irmã em casa, segui para o movimento. Do alto do mirante, dava pra ver as bocas bombando, luzes piscando e o corre acontecendo. — Fala aí, Mamão! — cumprimentei. — Onde tá o Quenedi? — Quenedi desceu com o Bondinho. Ficou bolado porque tu desceu sem escolta. — Não preciso de babá nessa porra — rosnei. — Vou falar com ele. Bondinho e Quenedi estavam no forte, a nossa casa de armas. Lá sempre ficavam os mais preparados, os que tinham servido o exército, prontos para defender. Perder o paiol seria como tomar um tiro no coração do comando. Assim que cheguei, meu meio-irmão — filho do meu pai com outra mulher — já veio bancando o segurança real. — Caralho, mermão! Tu foi no bailão sem escolta mesmo? Quando me falaram, não acreditei. Tá dando mole! Tem alemão maluco pra te quebrar, estourar tua bola e te mandar de caixão fechado! — Quenedi sempre exagerava no drama. — Fui sim, porra! — respondi com desdém. — Como um cara normal: sem escolta, sem arma, sem ouro. E curti, porra! Por uma hora, deixei de ser o MJ… e fui só eu. — Na moral… tô entendendo nada desse teu papo — disse, me olhando de cima a baixo. — Não precisa entender. O que eu quero agora é mulherzinha mais elitizada… Skank e uísque. Quando pedir no delivery, fala que não quero mimizenta. Hoje tô a fim de regaçar. — E eu vou nessa festinha também? — perguntou com um sorriso malicioso. — Sempre, mano. Aqui, nós divide tudo. Isso nunca vai mudar. — Batemos as mãos, fechando mais um elo da nossa lealdade. Fui para o cafofo. Precisava pôr em prática meus pensamentos mais sujos e acalmar o MJ que queimava dentro de mim. Quis foder aquela Loiruda… mas ela é do tipo que se guarda, mina pra casar. (...) Victória Passaredo… Eu dirigia o carro da Brenda. Nem ela nem o Sirley tinham condição de segurar um volante naquele momento. Eu contava que tinha preconceito com favela, mas que, no fim, não vi nada demais… era só um lugar pobre, mas com um clima que me divertiu. — Calma aí, Alice… — Sirley me interrompeu. Ele sempre usava “Alice” pra dizer que a pessoa estava viajando, tipo “Alice no País das Maravilhas”. — Você foi em época de eleição, ficou só na entrada. Lá dentro… o bicho pega. — Essa enrustida aí gostou da favela foi porque beijou na boca — Brenda cortou, rindo. — Para! — ri, mas não neguei. — Não é isso… mas claro que minha noite ficou melhor com o beijo do irmão da Diana. — Vestida de crente e com essa carinha de santa… safadinha, hein! — Brenda provocou. — Quem é o bofe? Não vi, mona. Focada no trânsito, deixei que falassem. — Também não vi de frente, só de costas — Sirley completou. — Mas o corpo… tava em dia. E aquela bunda, redondinha no jeans… — Desembucha logo, mona! — Sirley insistiu. — Trocaram telefone? — Não, seu chato. Foi só um beijo. — respondi, tentando encerrar o assunto. Brenda mudou o rumo: — Uma das meninas tava vendendo ingresso de camarote com open bar, lá na escola de samba do morro. Metade do preço. Não peguei porque não sei se vocês gostam. — Eu amo! — Sirley já se animou. — Sonho um dia ser rainha de bateria. — Que bom que peguei o número dela — Brenda sorriu. — Vou pedir pra segurar. Você… — olhou pra mim — …eu sei que não vai. Pra te trazer hoje já foi um sacrifício. — Sem problema — respondi. Os dois me olharam com surpresa. — Só não pode ser no dia do meu plantão. — Olha ela querendo reencontrar o boy… — E por que não? — retruquei. Com eles, não adiantava esconder nada. Se não fosse sincera, iam me infernizar até descobrir. (...) Quatro dias depois do baile na favela, lá estávamos outra vez. Estranho sair numa quarta-feira, mas escolha de samba é assim. Dessa vez, tentei algo mais casual, mas ainda dentro do meu estilo: calça jeans, blusa de lese branca bordada e sapatilha nude. Cheguei na sala e, claro, Brenda não perdeu a chance: — Hoje tá melhor. Mas ainda parece que vai pra igreja… pelo menos culto jovem. — Chata! — revirei os olhos. — Mas você tá linda, sua chata. E seguimos para pegar Sirley, antes de mergulhar na quadra da escola de samba. E seria sincera, não via a hora de rever aquele negro gato.