đCapĂtulo 5 â CONVOCAĂĂO, NĂO CONVITE.
O quarto nĂŁo cheirava a sexo.
Nem a amor.
Nem a prazer.
Cheirava a poder.
A controle.
A um tipo de luxo tão gelado⊠que queimava.
Vidros blindados.
Cortinas grossas.
MĂĄrmore preto por todos os lados.
E um silĂȘncio⊠tĂŁo absoluto⊠que fazia qualquer pensamento parecer barulhento demais.
âž»
A cama, intacta.
Porque eu nĂŁo durmo com cliente.
Nunca.
NĂŁo Ă© regra.
Ă instinto de sobrevivĂȘncia.
Ă controle.
Ele goza.
Eu me visto.
Ele paga.
Eu sumo.
Simples.
CirĂșrgico.
Sem margem pra erro.
Mas naquela manhĂŁâŠ
Eu ainda estava ali.
Sozinha.
Como sempre.
Ou⊠como eu achava que gostava de estar.
âž»
A cidade lĂĄ fora parecia congelada em preto e branco.
Moscou pintada de neve, de segredos, de pecados mascarados de riqueza.
Aqui dentro?
SĂł eu, meus pensamentosâŠ
E um vazio que, pela primeira vez, nĂŁo parecia escolha.
âž»
Poltrona de couro marrom.
Pele nua debaixo do robe de seda.
Pernas cruzadas.
Cigarro queimando no cinzeiro.
E meu olhar⊠grudado no vidro.
**NĂŁo era sĂł sobre pensar.
Era sobre lembrar.
Sobre rever, cena por cena, o olhar dele atravessando minha pele na noite anterior.
**Aquele olharâŠ
NĂŁo foi desejo.
Foi posse disfarçada de curiosidade.
Foi domĂnio sem contrato.
Foi a prĂ©via do inferno disfarçada de silĂȘncio.
âž»
Eu tentei ignorar.
Fingi que o mundo lĂĄ fora ainda era maior que ele.
Mas o cheiro dele tava na minha memĂłria.
O gosto, na minha boca.
O olhar, tatuado no meu sistema nervoso.
âž»
TOC. TOC.
A batida foi seca.
Firme.
Duas vezes.
Sem hesitação.
Sem gentileza.
Sem opção.
Levantei.
Apertei o nĂł do robe na cintura.
Fui até a porta.
âž»
Do outro lado, uma funcionĂĄria do hotel.
Jovem.
Rosto treinado pra parecer neutro.
Mas o desconforto escorria pelos olhos dela, mesmo que ela fingisse que nĂŁo.
â Entrega para a senhorita LaRue. â voz ensaiada.
Um envelope preto.
**Luxuoso.
Textura macia.
Espesso.
**Sem nome.
Sem logotipo.
Sem remetente.
Apenas um lacre dourado.
â Devo esperar resposta? â ela pergunta, sem me olhar de verdade.
â NĂŁo. â respondi, seca.
E fechei a porta.
Devagar.
Trancando nĂŁo sĂł a maçanetaâŠ
Mas o prĂłprio ar do lado de dentro.
âž»
A palma da minha mĂŁo sentiu o peso.
**O envelope era mais pesado do que deveria.
NĂŁo fisicamente.
**Psicologicamente.
Porque eu jĂĄ sabia o que estava dentro.
Sem abrir.
SĂł um homem com poder real envia algo assim.
**Um homem que nĂŁo pergunta.
Que nĂŁo sugere.
Que nĂŁo implora.
**Um homem que⊠convoca.
âž»
Rasguei o lacre.
O som parecia mais alto do que deveria.
DentroâŠ
Papel creme.
Espesso.
Perfeito.
Letra firme.
Caligrafia elegante com toque de militar.
**âQuarto 313. Hoje. 22h.
Sem maquiagem.
Sem salto.
Sem mentiras.
â D.â**
âž»
O mundo congelou.
Mas nĂŁo foi a neve.
Foi o silĂȘncio dentro de mim⊠explodindo.
D.
**Eu nĂŁo precisava de sobrenome.
Nem de confirmação.
**Era ele.
O homem da festa.
O olhar que despiu minha alma sem pedir licença.
âž»
Sem maquiagem.
Sem salto.
Sem mentiras.
NĂŁo era um convite.
Era um cĂłdigo.
Era um ultimato.
Era um jogo que eu nĂŁo sabia se estava pronta pra jogarâŠ
Ou se jĂĄ tava perdida desde que ele me olhou pela primeira vez.
âž»
Me joguei na poltrona.
Envelope no colo.
Cigarro no cinzeiro.
Cidade lĂĄ fora ainda viva.
Mas aqui dentroâŠ
Tudo parou.
Tudo girou.
Tudo quebrou.
âž»
Ele me viu.
Me escolheu.
Me chamou.
E eu?
**Eu sabia que ia.
NĂŁo por submissĂŁo.
NĂŁo por curiosidade.
**Mas porque, no fundo⊠todo predador sabe quando virou caça.
E toda mulher senteâŠ
Quando Ă© hora de parar de fingir que nĂŁo quer ser devorada.