Mundo de ficçãoIniciar sessĂŁoO relĂłgio dizia que faltavam trĂȘs minutos.
Meu corpo dizia que jĂĄ era tarde demais pra fugir. Porque parte de mim⊠jĂĄ tava lĂĄ dentro. Antes mesmo de sair do quarto. âž» De pĂ© diante do espelho, eu encarei â talvez pela primeira vez em anos â a mulher que sobra⊠quando a mentira Ă© retirada. Sem maquiagem. Sem salto. Sem disfarce. Sem proteção. Cabelos soltos. Ondas naturais. Ămidos nas pontas, como se o corpo nĂŁo tivesse decidido se queria parecer pronto⊠ou indefeso. Na pele, nenhuma fragrĂąncia cara. SĂł a memĂłria sutil do hidratante de baunilha amarga misturada com pimenta rosa. O tipo de cheiro que nĂŁo denuncia⊠sĂł vicia. **As sardas estavam lĂĄ. As olheiras tambĂ©m. E o olhar? Mais afiado que qualquer delineador. Mais perigoso que qualquer arma escondida. âž» Camisola preta de seda. Longa. Fenda lateral que começava na cintura e parava sabe-se lĂĄ onde. Alça fina. Sem sutiĂŁ. Sem calcinha. Porque se era pra ir sem mentira⊠EntĂŁo que ele me visse nua por dentro. E quase nua por fora. Nos pĂ©s? SandĂĄlias rasteiras de couro. Silenciosas o suficiente pra nĂŁo anunciar minha chegada. Mas letais como promessa nĂŁo dita. âž» 21h58. Porta do quarto. Mente em colapso. Corpo em combustĂŁo. Alma⊠presa entre correr⊠ou se entregar. Caminhei. Cada passo no corredor parecia mais pesado que o anterior. NĂŁo de medo. De expectativa. O tipo de tensĂŁo que arrepia por dentro⊠mas te faz apertar as coxas por fora. As paredes pareciam saber. O hotel inteiro parecia estar assistindo. âž» Porta 313. Frente a frente. **Respiração presa. Desejo? NĂŁo. Mais do que isso. Aquilo tinha cheiro de destino. Ou de destruição. Ou dos dois. Levantei a mĂŁo. Toquei duas vezes. Seco. Direto. IrrecusĂĄvel. âž» Dois segundos. A maçaneta girou. A porta abriu. E ele⊠estava lĂĄ. âž» Dante Moreau. Camisa preta de linho, aberta atĂ© o meio do peito. Calça escura, justa no limite da tortura visual. PĂ©s descalços no tapete cinza. **MĂŁos nos bolsos. RelĂłgio de couro preto. E aquele olhar⊠Que nĂŁo te deseja. Te possui. âž» Ele nĂŁo sorriu. NĂŁo falou. Me olhou. Dos meus olhos⊠aos pĂ©s. Dos pĂ©s⊠à boca. E da boca⊠direto na alma. E pela primeira vez na vida⊠Eu nĂŁo me senti desejada. Me senti comprada. PossuĂda. Reivindicada. âž» â VocĂȘ veio. â voz de cemitĂ©rio de pecado. â VocĂȘ mandou. â voz mais seca do que meu orgulho. âž» Ele deu um passo pro lado. **Abriu espaço. Mas nĂŁo abriu caminho. **Porque, na prĂĄtica⊠**Ele nunca abre caminho. Ele deixa vocĂȘ decidir se quer entrar⊠Ou fugir. Mas sĂł uma vez. Entrei. âž» O quarto dele? Mais escuro que o meu. Mais frio. Mais limpo. Mais letal. Na mesa lateral⊠Um envelope preto. Mais grosso que o que eu recebi. Mais pesado. Mais definitivo. Ele apontou. â Antes de tudo⊠pagamento adiantado. âž» â VocĂȘ acha que eu cobro pra isso? â arqueei uma sobrancelha. Mas a verdade? A garganta tava mais seca que a boca quis admitir. Ele sorriu. NĂŁo de deboche. De domĂnio. De quem jĂĄ sabe que venceu⊠antes mesmo do jogo começar. â **NĂŁo. Eu nĂŁo pago por sexo. Eu pago⊠**pra ter controle. E controle, ruiva⊠nĂŁo tem preço fixo. Tem dono. E hoje⊠é meu. âž» Peguei o envelope. Pesado. NĂŁo pelo dinheiro. Pelo que simbolizava. Dentro, euros. **Muitos. Mais do que qualquer homem jĂĄ me pagou⊠sĂł pra conversar. Ou, no caso⊠Pra me despir da Ășnica coisa que eu nunca vendi. Minha verdade. âž» â Isso Ă© pra quĂȘ? â minha voz saiu, mas nĂŁo sei como. Ele se aproximou. Chegou perto o bastante pra minha pele gritar. Pra minha boca esquecer como respira. Mas nĂŁo tocou. **Dante nunca toca primeiro. Ele espera vocĂȘ se entregar sem perceber. â Pra vocĂȘ entrar aqui⊠e sĂł sair quando eu disser. â E se eu nĂŁo aceitar? â tentei. Ele inclinou o queixo. Mordeu de leve o lĂĄbio inferior. Sorriso de homem que nĂŁo discute. SĂł informa. â **VocĂȘ jĂĄ aceitou. Quando veio sem salto. Sem maquiagem. E, principalmente⊠Sem mentira. âž» Me calei. **NĂŁo por medo. Mas porque, naquele exato segundo⊠**Meu corpo aceitou antes da boca. Quando vesti aquela camisola. Quando deixei a calcinha na gaveta. Quando amarrei o robe. Quando bati naquela porta. Quando nĂŁo corri. âž» **E agora⊠era ele quem decidia. Se eu ficava. Se eu gemia. Se eu implorava. Ou tudo isso⊠ao mesmo tempo.






