Assim que passou pela porta do estúdio, o salto ecoando no chão brilhoso, Harper mal teve tempo de respirar. Simon estava de braços cruzados, parado à frente de uma arara de roupas, o celular na mão e o cenho franzido.
— Finalmente decidiu aparecer — disse ele, sem levantar a voz, mas com um tom tão cortante quanto sua postura impecável. — Quinze minutos de atraso no primeiro dia? É esse o tipo de profissional que devo esperar?
Ela tentou manter a compostura, mas sabia que a maquiagem borrada, o cabelo desalinhado e o vestido amarrotado entregavam tudo.
— Eu… tive um imprevisto — tentou justificar, mantendo os olhos fixos no chão.
— E também não achou que valia a pena trocar de roupa? — Ele a analisou com frieza. — Está com o mesmo vestido da noite anterior. E cheirando a… — fez uma breve pausa, arqueando a sobrancelha. — Luxúria e ressaca.
Harper engoliu em seco. A vergonha esquentou seu rosto, mas ela ergueu o queixo.
— Não vai acontecer de novo.
— Espero que não — ele respondeu, voltando a olhar o celular. — Troque-se. E me encontre em quinze minutos no estúdio dois. Se quiser esse emprego, prove que vale a pena.
Harper atravessou o corredor com a bolsa praticamente colada ao rosto, o som dos saltos misturado ao zumbido do constrangimento que latejava em sua cabeça. Assim que alcançou o banheiro, quase se jogou para dentro.
Lá dentro, Júlia a esperava com uma expressão compreensiva e uma muda de roupa simples: calça jeans de cintura alta, uma camisa branca levemente oversized e tênis discretos.
— Achei que isso poderia ajudar — disse a assistente, estendendo as peças com gentileza. — Tem potencial, só precisa se recompor.
Harper sorriu de lado, agradecida. Com poucos movimentos e um nó estratégico na camisa, prendeu o cabelo em um coque improvisado e usou batom como blush. Ajustou os tênis nos pés e olhou seu reflexo. Estava diferente. Mais natural. Menos “noite passada”.
Ao sair, Simon já esperava, impaciente, mas quando seus olhos encontraram Harper, ele simplesmente parou.
A mulher à sua frente não era a mesma que atravessou a porta meia hora antes. Era outra versão — simples, segura, e curiosamente… radiante.
Ele piscou, sem saber onde exatamente olhar.
— Isso… sim. — disse, após um longo segundo. — Agora parece alguém que sabe o que está fazendo.
Mas o que não disse — e o que nem ele queria admitir — é que nunca uma camisa branca e jeans pareceram tão absurdamente atraentes.
Eros abriu os olhos com um raro sorriso nos lábios — um reflexo involuntário do que havia sido a noite anterior. O quarto ainda carregava o calor e a intensidade daquela presença, do corpo que se encaixou no dele como se fosse parte de um plano antigo e inevitável.
Virou-se lentamente, esperando encontrá-la ali, adormecida, talvez aninhada em seus braços. Mas o espaço ao seu lado estava vazio.
Seu sorriso se desfez no mesmo instante.
Sentou-se, sentindo o lençol ainda quente. O cheiro dela pairava no ar, doce, provocante… inconfundível. E ali, sobre o colchão amassado, estava a prova de que aquilo realmente aconteceu — uma calcinha vermelha rendada, jogada com uma casualidade que o deixava inquieto.
Ela havia ido embora. Sem dizer uma palavra.
Eros passou a mão pelos cabelos, tentando entender o vazio repentino. Aquilo não era apenas mais uma noite. Ele sabia. Sentiu. E agora tudo parecia se esvair junto com o perfume que ainda pairava no ar.
— Quem diabos é você, Harper? — murmurou para si mesmo.
— Cara, o que aconteceu com você? — Ben perguntou, encostado na porta do escritório com um copo de café na mão. — Desde que chegou, está parecendo... sei lá, obcecado.
Eros ergueu os olhos do laptop, mas a tela sequer havia sido lida. Estava aberta há mais de vinte minutos, e tudo o que ele fazia era encarar o cursor piscando.
— Nada — mentiu, com a expressão perdida. Mas Ben não engoliu.
— Ah, claro. Nada. Por isso está olhando pro vazio e já revirou essa caneta umas quinze vezes. — Ben se aproximou. — Quem é ela?
Eros recostou-se na cadeira, soltando o ar com força.
— Não sei. É isso que me irrita. Não sei o nome inteiro dela. Só sei que é diferente. Que sumiu pela manhã e... deixou algo nela comigo.
Ben ergueu uma sobrancelha.
— Uau. Deixou você esperando? Essa é nova.
— Exatamente — Eros respondeu seco. — Sempre fui eu quem ia embora. Sem explicação. Sem olhar pra trás.
Ben deu um sorriso lento, quase divertido.
— Bem-vindo ao jogo real, meu amigo. Parece que o caçador finalmente provou do próprio veneno.
Eros cruzou os braços e olhou pela janela.
— Eu preciso vê-la de novo.
— Boa sorte ao achá-la só com um nome.
O estúdio estava em silêncio confortável, o clique ritmado da câmera ecoava entre as paredes brancas e luzes suaves. Harper observava atentamente os ajustes de luz e poses, fazendo anotações rápidas sobre cada combinação. Simon mantinha o semblante sério atrás do monitor, ocasionalmente lançando olhares curiosos para a jovem, impressionado com sua agilidade e bom gosto.
Harper estava tão concentrada que mal notou a movimentação na entrada. O som de saltos altos e vozes em tom elevado preencheu o ambiente. Era a assessoria de Mila, entrando como uma tempestade com seus celulares, pranchetas e olhares críticos. Mila surgiu atrás, com os cabelos perfeitos, óculos escuros e uma expressão entediada.
— Esse é o nosso horário agora — anunciou uma das assessoras, seca. — E a Mila quer que os looks sejam montados por... ela.
Todos olharam para Harper, que piscou confusa.
— Eu? — perguntou, olhando de Simon para Mila.
Mila tirou os óculos lentamente, revelando um sorriso debochado.
— Claro. Você já anda se metendo em tudo mesmo... vamos ver se sabe fazer alguma coisa útil com tecidos, além de reclamar de pulseiras quebradas.
Simon permaneceu em silêncio, mas seu maxilar travado denunciava a tensão.
Harper engoliu em seco, mas ergueu o queixo com firmeza.
— Se quiser bom gosto, vai ter. Mas nada que eu criar, cobrirá essa má educação vindo de você.
A sala se calou por um segundo. Então Simon falou, firme:
— Harper cuida do styling. Quem não gostar… pode procurar outro estúdio.
O estúdio fervilhava de gente. Luzes sendo ajustadas, fotógrafos se preparando e assistentes correndo de um lado para o outro. No meio de tudo, Harper mantinha o foco, ajustando o último detalhe do look que Mila usaria para a próxima foto.
— Pode entrar agora, Mila — disse ela, com calma profissional.
Mila entrou sem nem olhar para o que vestiria. Passou os olhos no cabide com desdém e cruzou os braços.
— Isso? — disse num tom esnobe. — É isso que você chama de styling? Parece uma mistura de brechó com catálogo de loja barata.
Harper manteve a postura, tentando não reagir. Simon, do outro lado do estúdio, ergueu o olhar da câmera, observando a situação.
— Eu montei exatamente de acordo com o briefing que a sua equipe me passou — respondeu Harper, educadamente.
Mila riu, sarcástica.
— Claro. Porque seguir ordens é só o que você sabe fazer, né? Não tem uma gota de criatividade nisso. Não entendo como te deixaram trabalhar aqui.
Simon largou a câmera.
— Já chega, Mila — disse firme, se aproximando. — A Harper tem feito um trabalho impecável. Se você tem críticas, faça com respeito. Aqui ninguém é inferior a você. E ninguém destrata meu pessoal. Ninguém.
Mila olhou para ele, contrariada, e então virou-se para Harper, com um falso sorriso. Com um gesto rápido e desprezível, pegou o copo de café que estava na mesa e o virou sobre o peito de Harper, manchando sua camisa branca.
Um silêncio cortante tomou conta do estúdio. Harper recuou, surpresa, com o café escorrendo.
Simon se aproximou em dois passos, ficando entre as duas.
— Você ultrapassou todos os limites.
— Vai fazer o quê? Me expulsar? — desafiou Mila, com o queixo erguido.
Simon olhou para ela, frio.
— Não. Vou cancelar o resto do ensaio. E, se depender de mim, você não pisa mais nesse estúdio.
Harper abaixou o olhar, tremendo, mas quando voltou a encará-los, havia algo firme em seus olhos: ela não deixaria Mila destruir sua dignidade.
Embora contida algumas vezes. Harper podia ser bem vingativa, mesmo que não parecesse.
Mila sabia que o estúdio de Simon era muito renomado e não podia perder esse ensaio por causa de uma pobretona e cobradora de pulseiras de Jade.
— Peço desculpas! Posso pagar por essas roupas. Diz quanto é e minha assistente envia para seu endereço. — disse com um sorriso forçado.
O clima ficou tenso principalmente com a risada sinistra de Harper. Simon também olhou para ela surpreso.
— Você arranjou a pior inimiga que poderia ter. Não perdes por esperar — saiu do estúdio com as roupas manchadas e um gosto amargo de biles na garganta.
Harper não se deixava intimidar por ninguém. Principalmente por ricos e famosos. Amava o dinheiro, mas não deixaria ninguém pisar nela. Ninguém.
As solas dos tênis de Harper batiam firmes contra a calçada enquanto ela tentava conter a raiva. O vento da tarde ainda trazia resquícios do cheiro amargo de café em sua blusa manchada, e a humilhação ainda queimava sob a pele. Precisava respirar. Pensar. Não explodir.
Foi quando um carro preto de janelas escuras desacelerou ao seu lado. Ela parou, desconfiada.
O vidro desceu suavemente e um motorista de terno, cabelo grisalho impecável, inclinou-se levemente.
— Senhorita Harper Harris? — disse com cortesia.
Ela franziu o cenho. — Quem quer saber?
— Fui enviado por alguém que deseja muito falar com você. Ele garante que é de seu interesse.
— Não estou interessada em nada — respondeu, dando um passo para se afastar.
— Ele tem fotos — disse o motorista, abrindo uma pequena pasta no banco ao lado e mostrando, de relance, uma imagem: ela e o semideus na porta do hotel, se beijando.
Harper congelou.
— Ele só quer conversar. Cinco minutos. Não está lhe oferecendo perigo, senhorita. Mas está lhe oferecendo... possibilidades.
O tom enigmático fez com que Harper, contrariada, abrisse a porta de trás do carro. Sentou-se. A porta se fechou automaticamente.
Minutos depois, estavam num restaurante discreto, reservado, luxuoso e vazio. No fundo da sala, Ares Thorne, imponente, em um terno escuro, tomava um café como se tudo estivesse sob controle — porque estava.
— Senhorita Harris — ele disse, levantando-se e oferecendo a mão. — Obrigado por aceitar meu convite. Sente-se.