Capítulo 6 – Entre Silêncios e Sussurros
O céu de Maputo começava a tingir-se de tons laranja e púrpura quando Mel decidiu sair para uma caminhada. Não tinha destino. Só queria fugir do peso da casa, dos olhares calculistas de Dário, do silêncio que gritava mais do que qualquer discussão.
Passou novamente pelo Parque dos Continuadores. O mesmo local onde, dias antes, algo dentro dela despertara. Não sabia o que esperava encontrar — talvez nada. Talvez só uma memória viva.
Mas o destino parecia ter outros planos.
Ele estava lá. Sentado no mesmo canto, com os joelhos dobrados e o carvão nas mãos. Os traços do desenho ganhavam vida no chão. Era um rosto feminino, com olhos fechados, como se sonhasse. Mel sentiu o coração acelerar. Por um instante, pensou em recuar. Mas os pés moveram-se sozinhos, como se atraídos por uma força invisível.
Alessandro ergueu o rosto e viu-a. O olhar dele não era de surpresa, mas de reconhecimento — como se já a tivesse pressentido.
— Voltaste — disse ele, com a voz baixa, mas firme.
— Não sabia que viria. Simplesmente... vim.
Ele limpou as mãos numa toalha suja ao lado, levantando-se com a calma de quem respeita o tempo das coisas. Os olhos dele estavam diferentes daquela primeira vez — agora havia neles uma intensidade que queimava.
— Sonhei contigo — disse, sem rodeios.
Mel engoliu em seco. O ar entre eles parecia denso, quase palpável.
— Não devias dizer isso.
— Porquê? Porque estás prometida a outro? — Alessandro deu um passo à frente, mas não tocou nela. — Eu não pedi para te conhecer. Mas desde aquele momento... — suspirou — há algo em ti que me inquieta.
Mel desviou o olhar. O anel no dedo parecia pesar toneladas. Queria arrancá-lo, mas não tinha coragem.
— Não posso sentir isto — murmurou, mais para si do que para ele.
— Mas sentes.
As palavras dele pousaram como uma verdade indesejada no peito dela. E foi então que a tensão se tornou incontrolável. Estavam perto. Demasiado perto. Cada respiração de Alessandro parecia misturar-se com a dela. O mundo em volta desaparecia.
— Não é tão simples — disse Mel, num sussurro quebrado.
— Nada que vale a pena é simples — respondeu ele, os olhos fixos nos dela. — Não te vou pedir nada. Não agora. Só precisava ver-te outra vez. Saber que não imaginei tudo.
Ela sentiu os olhos marejarem. Tudo nela estava em conflito. A razão gritava o nome de Dário, o compromisso, a estabilidade. Mas o coração... o coração batia o nome de Alessandro.
— És um risco — disse ela, tremendo. — E eu nunca fui de arriscar.
— Talvez estejas na altura certa para começar — sussurrou ele.
O silêncio instalou-se entre eles, mas desta vez não era desconfortável. Era carregado de promessas não feitas, de sentimentos contidos, de uma ligação que, embora recente, parecia ter raízes profundas.
Mel olhou o céu já escurecido. O tempo passava, e com ele vinham as obrigações, os medos, o mundo real.
— Tenho que ir — disse, finalmente.
— Vai — assentiu ele, mas sem esconder a dor no olhar. — Mas volta, quando estiveres pronta para viver de verdade.
Ela hesitou. Quis dizer algo, qualquer coisa que aliviasse aquele nó entre eles. Mas tudo que conseguiu foi um último olhar, cheio de tudo que ainda não sabia explicar.
E então virou-se e foi embora, com passos rápidos e coração aos saltos. Não olhou para trás. Porque sabia que, se o fizesse, não conseguiria continuar a andar.