O pequeno Almoço

O domingo nasceu preguiçoso em Maputo. A brisa suave atravessava as janelas da casa de Mel, espalhando o aroma de chá de camomila recém-feito. A cozinha estava arrumada, a sala perfumada por uma vela de baunilha, e no sofá, Mel sentava-se com um ar ausente, vestida com uma camisola larga e os cabelos soltos. As olheiras denunciavam uma noite mal dormida.

A campainha tocou às nove em ponto.

— Trouxe croissants e paciência — disse Luna, entrando com a energia habitual, usando o seu vestido florido favorito e um sorriso caloroso no rosto.

— Paciência vai ser mais útil — respondeu Mel, tentando brincar, mas o sorriso não lhe alcançou os olhos.

— Sente-se aí e desabafa. Trouxe chá de hibisco também, para o caso da camomila não ser suficiente.

Luna tirou os sapatos, como sempre fazia, e sentou-se no sofá, com as pernas cruzadas e a atenção totalmente virada para a amiga.

— Então, o jantar?

Mel apoiou a cabeça nas mãos e suspirou profundamente.

— O de sempre. A mãe do Dário a falar sobre tradições, a comentar como ele era adorável desde criança, a pedir que eu cuide bem dele como se ele fosse um cristal… E eu ali, a sorrir, a acenar, a fingir que estou feliz. Senti-me uma boneca sentada numa prateleira dourada.

— E o Dário?

— Ele... está cada vez mais exigente. Tudo tem de ser do jeito dele. Até os convites têm que combinar com a “identidade visual” do evento. Já não sei se estou a planear um casamento ou um lançamento de marca.

— Mel — disse Luna, com delicadeza, — tu tens mesmo a certeza que queres casar com esse homem?

A pergunta soou como um trovão no silêncio tenso da sala. Mel demorou a responder, mas Luna não apressou. Conhecia aquele olhar da amiga — o de alguém que está a lutar contra a própria consciência.

— Não sei. Às vezes penso que sim. Que é só nervosismo, que vai passar. Mas outras vezes… é como se estivesse a caminhar para um abismo, vestida de noiva.

Luna serviu duas chávenas de chá, passando uma para Mel. O gesto era reconfortante, mas não havia chá que apagasse a dúvida que ardia no peito da amiga.

— E há mais alguma coisa?

Mel hesitou. Bebeu um gole de chá antes de se decidir a falar.

— Conheci um homem.

— Como assim? — perguntou Luna, com um misto de surpresa e preocupação.

— Ontem, perto do Parque dos Continuadores. Ele desenhava no chão com carvão. O nome dele é Alessandro.

— E?

— E… quando olhei para ele, senti algo que já não sentia há muito tempo. Ele é diferente, Luna. Tem uma intensidade, uma liberdade… olhou para mim como se visse tudo o que eu sou, não só o que eu mostro.

Luna abanou a cabeça, mas não com reprovação. Com cuidado.

— E tu estás apaixonada?

— Não sei. Foi só um encontro. Um olhar, uma conversa curta. Mas… eu penso nele desde então. E hoje de manhã, recebi uma mensagem dele.

Mostrou o telemóvel. A mensagem era simples, mas carregada de significado: “Hoje comecei outro desenho. Acho que vais gostar. – A.”

Luna leu e devolveu o aparelho.

— Mel… às vezes, um olhar basta para acordar quem a gente realmente é. Mas tu tens de decidir o que vais fazer com isso. Porque continuar com o Dário por obrigação vai matar tudo o que te resta de liberdade.

Mel apertou a chávena nas mãos.

— Eu cresci a ouvir que estabilidade era o mais importante. Que um homem com um bom emprego, educação e nome limpo era o que qualquer mulher devia desejar. O Dário é isso tudo. Mas por dentro… eu sinto-me presa.

— A estabilidade sem amor é prisão, Mel. E tu és nova demais para viver uma vida a fingir que és feliz. Só porque parece certo para os outros, não significa que seja certo para ti.

Mel levantou-se e foi até à janela. Lá fora, as árvores dançavam com o vento. Crianças riam ao longe. E, no meio daquela simplicidade, a cidade pulsava com vida. Uma vida que ela sentia estar a perder.

— Sabes o que é pior? Eu nem sei quem sou, Luna. Com o Dário, virei uma versão polida de mim mesma. E agora, com o Alessandro, em poucos minutos, senti que podia ser... tudo.

Luna aproximou-se e abraçou-a pelas costas.

— Então talvez seja isso que tens de redescobrir: quem és tu, sem as expectativas dos outros. Porque só aí vais poder escolher por ti.

Mel fechou os olhos e deixou que as palavras da amiga ecoassem. Pela primeira vez, não sentia culpa por estar confusa. Sentia-se viva.

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