No final do século XIX, os Monteiro de Alcântara eram uma das famílias mais respeitadas do Rio de Janeiro, conhecidos por sua honra, fortuna e influência. Joaquim e Constança criaram seus filhos para manterem intacta a reputação da família, mas o destino – e o coração – tinha outros planos. Vicente, o primogênito, é o pilar da família, um homem de princípios inabaláveis que faria qualquer coisa para preservar o nome dos Monteiro de Alcântara – mesmo que isso custe sua própria felicidade. Álvaro, o libertino dos irmãos, é impulsivo e inconsequente, sempre envolvido em jogos, duelos e romances proibidos. Amélia, a mais velha das mulheres, é rebelde e revolucionária, nunca sonhou com amores grandiosos, mas talvez o destino tenha outros planos para ela. Cecília, a bela filha perfeita, vê sua vida e reputação desmoronarem ao se envolver em um escândalo que choca a sociedade. Gabriel, reservado e enigmático, sente-se um estranho dentro da própria família, mas está prestes a descobrir seu verdadeiro propósito. Helena, a caçula sonhadora e espirituosa, acredita no amor e na liberdade, mas terá que enfrentar desafios que testarão sua fé nesses ideais. Entre paixões proibidas, casamentos por conveniência, escândalos e segredos do passado, os Monteiro de Alcântara terão que enfrentar seus próprios sentimentos e decidir se vale a pena sacrificar o coração para manter as aparências.
Leer másOs Monteiro de Alcântara não eram apenas uma família — eram uma instituição.
Dos salões elegantes do Rio de Janeiro aos campos dourados das fazendas de café no Vale do Paraíba, o nome Monteiro de Alcântara inspirava respeito, temor e, em muitos casos, inveja. Donos de vastas terras, aliados a políticos influentes e com raízes profundas no ciclo do café, a fortuna da família não era apenas antiga — era quase indestrutível. Joaquim Monteiro de Alcântara, o patriarca, fizera questão de reforçar isso em cada aspecto de sua vida. Rígido, inabalável e com uma visão clara do dever, ele carregava nas costas o peso do nome que herdara e que, um dia, passaria para seu primogênito. Não havia espaço para fraquezas, e certamente não havia espaço para escândalos. Era por isso que, naquela tarde abafada de janeiro, a Fazenda Boa Esperança estava em alvoroço. O salão principal, com suas paredes adornadas por tapeçarias europeias, ecoava com o som abafado de criados em movimento, preparando-se para a chegada de convidados ilustres. Os janelões abertos deixavam a brisa morna balançar as cortinas de linho, mas nem mesmo o ar pesado do verão diminuía a tensão no ambiente. Joaquim aguardava algo mais importante do que uma simples visita: esperava selar alianças. Porque, em sua visão de mundo, casamentos não eram sobre amor — eram sobre poder. Seus seis filhos estavam em idades apropriadas para o matrimônio, e cada um deles era uma peça em seu tabuleiro cuidadosamente planejado. No centro de tudo, estava Vicente, o mais velho. Sério, discreto e com um senso de dever quase sufocante, ele já vinha assumindo os negócios da família. Para Joaquim, Vicente era o reflexo do que um herdeiro deveria ser: obediente, eficiente e sem fraquezas aparentes. Já Amélia, a segunda filha, era um desafio constante. Bela, inteligente e impetuosa demais para os padrões da sociedade, a jovem fazia questão de desafiar as expectativas. Enquanto outras damas bordavam ou tocavam piano, Amélia discutia política e lia os jornais republicanos que Joaquim desprezava. Se não fosse por seu sobrenome, já teria sido excluída dos melhores salões. O terceiro filho, Álvaro, era uma preocupação ainda maior. Com um sorriso fácil e um charme perigoso, ele transitava pelas festas do Rio de Janeiro como se a vida fosse um jogo. Um jogo que, até então, ele vinha perdendo. As dívidas que acumulava em clubes de cavalheiros e o rumor de um filho ilegítimo não escapavam dos ouvidos atentos do patriarca. Cecília, a quarta filha, era um alívio em meio ao caos. Doce, gentil e de temperamento brando, era a filha perfeita para um bom casamento. Joaquim já havia escolhido seu noivo: Eduardo Vieira de Sá, herdeiro de uma família tradicional e promissora. Um jovem honrado, estável, o tipo de homem que não traria problemas. Ao menos, era o que ele pensava. Helena, a mais nova, observava tudo com olhos atentos. À sombra dos irmãos mais velhos, era frequentemente subestimada — e usava isso a seu favor. Joaquim já tinha planos para ela também, embora a jovem fosse mais difícil de dobrar do que ele imaginava. E, por fim, havia Gabriel. O filho que nunca se encaixou. Joaquim não dizia em voz alta, mas todos sabiam que havia algo diferente em Gabriel. Talvez fosse a maneira como ele nunca parecia se sentir pertencente, como se carregasse um segredo que ninguém mais compartilhava. Naquele momento, porém, Joaquim não pensava em nada disso. Tudo o que importava era o futuro. — Eles estão chegando. — Anunciou um criado, rompendo o silêncio solene do escritório. Joaquim assentiu, ajustando os punhos da camisa de linho. Com a precisão de um homem acostumado a comandar, atravessou o corredor e desceu as escadas de mármore, onde sua esposa, Dona Constança, já aguardava com um sorriso discreto. A matriarca dos Monteiro de Alcântara raramente elevava a voz, mas sua presença preenchia qualquer cômodo. Embora Joaquim governasse a casa com mão de ferro, era Beatriz quem conhecia os corações de seus filhos — os sonhos que escondiam e os segredos que temiam. Do lado de fora, uma carruagem suntuosa cruzava os portões de ferro. Eduardo Vieira de Sá havia chegado. E com ele, seu irmão mais novo: Maximiliano. Se Joaquim soubesse que, naquele instante, estava abrindo as portas para o maior escândalo que sua família enfrentaria, talvez tivesse mandado trancá-las. Mas era tarde demais para isso. Porque onde há poder, há desejo. E onde há desejo, sempre haverá perigo.O sol castigava o cortiço, aquecendo as paredes de madeira desgastada e fazendo o ar dentro da casa parecer mais pesado do que já era. O cheiro de cebola refogada e caldo fervendo se misturava com o aroma de lenha queimada. Na pequena cozinha, Tereza mexia a panela com a sopa rala que preparava com o pouco que tinham. Batatas, cenouras e água. Nada mais. Era quase uma ilusão chamar aquilo de refeição, mas era o que poderia oferecer à mãe doente e à irmã. Rosa entrou apressada, os pés descalços roçando o chão de madeira envelhecido. O rosto jovem, tão semelhante ao de Tereza, estava marcado pela preocupação. — Irmã... — a voz dela era quase um sussurro. — Tem um homem branco aí te procurando. O estômago de Tereza revirou. A colher parou no meio do movimento. Ela não precisou perguntar quem era. Sabia. Seu corpo soube antes mesmo de sua mente processar a informação. De novo, meu Deus? Fechou os olhos por um breve instante, antes de entregar a colher a Rosa e enxugar as m
A caminhada de volta para casa foi um tormento. Cada passo que dava parecia arrastar junto o peso esmagador do fracasso. A lama grudava em seus sapatos já gastos, tornando cada movimento mais difícil, como se o próprio mundo estivesse determinado a atrasá-la ainda mais. O vento da noite soprava forte, gelado, arrepiando sua pele e bagunçando seus cachos volumosos. Mas ela sequer tentou ajeitá-los. Não havia espaço em sua mente para preocupações banais quando sua mãe estava em casa, deitada em uma cama dura, febril, à mercê do destino. E ela... Ela falhara. A joia, a peça reluzente que poderia comprar a saúde de sua mãe, fora tomada de suas mãos. Arrancada. Se ao menos aquele homem não tivesse aparecido... O nome dele queimava em sua mente como brasa viva. Vicente Monteiro de Alcântara. Tereza cerrou os dentes ao lembrar da forma como ele a olhava, como se tentasse enxergar através dela, tentando desmascará-la. Como se fosse um juiz diante de um réu prestes a ser cond
Tereza seu coração batia forte, num ritmo errático que a deixava furiosa. Como aquele homem ousava abordá-la? Com que direito achava que podia encostar nela daquela forma? Como ousava olhá-la com tamanha intensidade, como se tivesse algum direito sobre sua vida? Mas o pior não era isso. O pior era o calor que ainda dançava sob sua pele, a lembrança do toque dele, a sensação de que, de alguma forma, ele conseguia invadir seus sentidos sem sequer pedir permissão. E agora ele queria que ela falasse? Ela estreitou os olhos, contendo a raiva que pulsava dentro de si, lutando contra o nó em sua garganta. Havia algo que talvez ela precisasse contar, algo que estava preso em sua mente desde a noite anterior, mas… ele não merecia saber. Não depois de tê-la acusado. Não depois de ter ousado tocá-la daquele jeito. Não depois de ter feito seu corpo reagir como se ela fosse dele. Tereza ergueu o queixo, encarando-o com desafio. — Não tenho nada para lhe dizer. Os olhos dele bri
O silêncio pesado foi quebrado pelo som seco de uma garganta sendo limpa. — Dez contos de réis. É o que dou pela joia. — murmurou o avaliador, olhando da joia para Tereza e depois para Vicente, claramente desconfortável com a tensão no ar. Tereza piscou, como se estivesse acordando de um transe. Vicente se afastou primeiro, sua expressão fechada e o peito subindo e descendo de forma irregular. Ela ainda sentia o calor do toque dele queimando sobre sua pele. Vicente foi o primeiro a falar: — Essa peça não está à venda. A voz dele saiu firme, sem hesitação. Ele pegou o colar antes que o avaliador pudesse sequer tocá-lo e virou a peça entre os dedos. Então, com um movimento preciso, virou a parte de trás e ergueu o queixo. — Veja. — Sua voz saiu mais baixa, mas carregada de algo perigoso. Ele estendeu a joia levemente para Tereza, como se quisesse esfregar a verdade em seu rosto. — M.A. Monteiro de Alcântara. O brasão de sua família cravado na peça brilhava sob a luz da loj
Tereza deslizou a corrente pelos dedos uma última vez antes de colocá-la sobre o balcão. O metal frio contrastava com o calor que subia por sua pele, fruto de uma noite maldormida e da aflição que roía suas entranhas. — Quanto vale? — perguntou, sua voz firme, embora seu coração martelasse no peito. O comerciante se inclinou ligeiramente, estendendo a mão para avaliar a peça. Mas antes que seus dedos tocassem o ouro, um aperto firme envolveu o braço de Tereza. O toque quente e inesperado a fez girar o rosto com um sobressalto, encontrando-se, de repente, diante do aristocrata com quem já esbarrara algumas vezes. O que lhe oferecera a moeda quando esbarrou nela, fazendo-a derrubar sua cesta. Que lhe comprara alguns quitutes dias atrás. E que ontem estava na praça interrogando os comerciantes. Os olhos dele eram duas brasas acesas, fuzilando-a com uma intensidade que a fez prender o fôlego por um breve segundo. Mas ela não era do tipo que se deixava intimidar. — Solte-me. — Su
O peso das moedas dentro da bolsinha era quase imperceptível, mas Tereza conhecia bem o valor de cada uma delas. Depois de uma tarde inteira na praça da feira, já havia vendido boa parte dos quitutes, e o som do metal se chocando dentro do tecido grosso era sua pequena vitória diária. O sol começava a se inclinar no horizonte, lançando sombras mais alongadas pelo chão de terra batida. O cheiro doce das frutas maduras misturava-se ao tempero forte das barracas de comida, enquanto o burburinho dos fregueses enchia o ar com vozes animadas e pechinchas acaloradas. Tereza estava acostumada com aquele ritmo, aquela disputa silenciosa por cada venda, cada moeda que ia se acumulando com esforço. Ela se abaixou para ajeitar a cesta de quitutes, passando os dedos pelo tecido áspero do pano que os cobria, quando um som cortou sua atenção como uma lâmina afiada. — Tereza! A voz ecoou entre as barracas, estridente e desesperada. Seu coração pulou no peito antes mesmo de ela se virar. Ros
Último capítulo