A noite avançava, e a música suave de um quarteto de cordas preenchia o ar, enquanto casais deslizavam pela pista de dança improvisada. O vinho continuava a ser servido, afrouxando a rigidez habitual dos Monteiro de Alcântara e a formalidade calculada dos Vieira de Sá.
Cecília permanecia ao lado de Eduardo, recebendo cumprimentos e elogios pela união iminente. Sorria, agradecia, mantinha a postura irrepreensível que lhe haviam ensinado desde menina – mas, por dentro, estava em chamas. Cada vez que olhava para Max, a tensão em seu corpo aumentava como um fio prestes a se partir. — Está se divertindo? — Eduardo perguntou, puxando-a para a pista de dança assim que os músicos começaram uma valsa mais lenta. — Sim — ela mentiu, permitindo que ele a guiasse. Eduardo dançava com precisão. Seus passos eram calculados, impecáveis, exatamente como a vida que planejava ao lado dela. Cecília tentou se concentrar no rosto dele – nas linhas simétricas, na segurança tranquila que oferecia –, mas a cada volta, seu olhar teimava em buscar Max. E ele estava lá. Sempre. Sentado de forma displicente, com uma taça de vinho esquecida na mão, Max a observava. Não disfarçava o interesse, não tentava esconder a maneira como seus olhos se demoravam em cada curva do corpo dela. Quando Eduardo a girou, ela teve a impressão de que ele mordia um sorriso – como se a valsa entre ela e o irmão fosse apenas um teatro enfadonho ao qual ele assistia por diversão. — Você está tão quieta hoje. — Eduardo comentou, a voz baixa e suave contra seu ouvido. — Alguma coisa a incomoda? Cecília respirou fundo, tentando dissipar a nuvem densa de pensamentos. — Apenas… cansada — respondeu. — Podemos ir embora assim que desejar. — Ele sorriu, seu toque apertando gentilmente a cintura dela. — Mas antes, quero que saiba o quanto estou feliz por tê-la ao meu lado, Cecília. Sempre quis isso. O nó na garganta dela apertou. Eduardo era tudo o que qualquer moça de família poderia desejar – e ainda assim, por que seu corpo reagia de maneira tão traiçoeira quando o irmão dele estava por perto? — Eduardo… — A hesitação em sua voz o fez franzir o cenho. — O que foi? Ela abriu a boca para responder, mas, antes que pudesse, uma risada rouca e familiar a interrompeu. Max. Ao virar a cabeça, Cecília o encontrou encostado em uma pilastra próxima, conversando com Vicente. Havia algo no jeito como ele inclinava o corpo, relaxado demais, como se não pertencesse àquela celebração – e, no entanto, fosse impossível ignorá-lo. — Talvez devêssemos… — Ela engoliu em seco. — Respirar um pouco de ar fresco? Eduardo sorriu, sempre atencioso. — Claro. Quer dar uma volta pelos jardins? — Não, eu posso ir sozinha. Preciso apenas de um momento. Ele hesitou, mas assentiu. — Não demore. Cecília deslizou pela pista, saindo discretamente por uma das portas laterais que davam para o terraço. O ar noturno trouxe um alívio imediato ao calor que a sufocava. Ela se apoiou no corrimão, fechando os olhos por um instante. Não pense nele. Não pense nele. — Fugindo do seu próprio noivado, Cecília? A voz baixa e carregada de ironia a atingiu como um golpe. Seu coração parou – e depois disparou com força. — Não me siga, Max — ela murmurou, sem se virar. — Quem disse que estou seguindo? — O som dos passos dele ecoou no piso de mármore enquanto se aproximava. — Talvez eu só estivesse curioso para saber por que a noiva perfeita está aqui fora, sozinha, em vez de celebrar com seu prometido. Ela soltou um riso nervoso, encarando a escuridão do jardim. — Está bêbado. — Talvez um pouco — admitiu, e a proximidade dele enviou arrepios perigosos por sua pele. — Mas isso não me impede de notar as coisas. — Que coisas? — Sua voz saiu mais fraca do que gostaria. Max se inclinou ligeiramente, e a fragrância dele – uma mistura de tabaco, especiarias e algo puramente masculino – a envolveu. — Que você está tentando fingir que não sente. — Você está errado. — Estou? Ela virou o rosto para negar, mas o movimento a fez encará-lo diretamente. Os olhos dele estavam mais escuros sob a luz tênue, e o jeito como a observava a fez sentir que estava sendo despida – de suas defesas, de sua vontade. — Você quer tanto fugir de mim, Cecília… Por quê? As palavras eram um sussurro carregado de desafio. — Porque isso é errado. — Ela tentou manter a firmeza. Max deu um passo à frente, e o espaço entre eles tornou-se perigosamente estreito. — Então, por que não consegue me evitar? Ela não tinha resposta. E, antes que pudesse pensar em uma, Max ergueu a mão, roçando os dedos ao longo de seu braço nu. Cecília estremeceu ao contato. — Não faça isso — pediu, mas sua voz falhou. — Diga para eu parar. — O polegar dele traçou um círculo lento na pele sensível de seu pulso. — Olhe nos meus olhos e diga que não sente nada. Ela tentou. Deus, ela tentou. Mas quando ergueu o rosto para encará-lo, todas as palavras se perderam. Porque a verdade era cruel e inescapável: Cecília sentia tudo. — Max… Foi tudo o que conseguiu dizer antes que ele a puxasse para si. Os lábios dele capturaram os dela com uma fome contida por tempo demais. Não houve hesitação, não houve delicadeza – apenas um desejo bruto que explodiu entre eles como fogo em pólvora. As mãos dele desceram pelas curvas de sua cintura, puxando-a para mais perto enquanto a boca explorava a dela em beijos longos e profundos, roubando-lhe o ar e o senso de certo ou errado. Cecília sabia que deveria afastá-lo – que precisava resistir. Mas, em vez disso, seus dedos se entrelaçaram nos cabelos dele, trazendo-o ainda mais para perto. Por um momento, nada mais existia: nem Eduardo, nem a promessa de um futuro estável. Só o gosto dele – quente, viciante – e a forma como seu corpo reagia ao toque firme de Max. Foi então que Max afastou o rosto, com os olhos fixos nos dela. Seu olhar desceu brevemente até o decote do vestido dela — e um leve sorriso curvou seus lábios. — Você ainda está com ela… — murmurou. Cecília seguiu o olhar dele. Presa junto ao forro interno do corpete, quase invisível aos olhos alheios, estava uma pequena flor seca. Uma flor branca que Max lhe entregara discretamente no dia em que se conheceram, ao final do passeio pelos jardins da propriedade, enquanto Eduardo estava distraído. Ele a depositou em sua mão como quem passava um bilhete secreto, os dedos roçando levemente os dela – e sussurrou algo como "para quando quiser lembrar que teve escolha." Ela nunca teve coragem de jogar fora. — Você guardou — ele sussurrou. — Não sei porque... Cecília mal teve tempo de respirar. Max a puxou de volta para si com uma intensidade crua, como se as palavras tivessem aberto uma represa dentro dele. Seus lábios voltaram aos dela, mas dessa vez o beijo foi mais do que desejo — foi uma confissão silenciosa, desesperada, proibida. Era urgente. Feroz. Ela sentiu os dedos dele cravarem em sua cintura, moldando seus corpos como se precisasse gravá-la em sua memória. Os lábios de Max exploravam cada ângulo da sua boca, aprofundando o beijo até ela perder completamente o chão. Um gemido escapou de sua garganta quando ele pressionou o corpo contra o dela, colando-a à parede fria do terraço, contrastando com o calor que incendiava entre os dois. Cecília se agarrou a ele como se estivesse à deriva, como se aquele beijo fosse sua única âncora — e, por um instante, foi. O mundo desabava ao redor, mas ela só conseguia sentir o gosto dele, o toque firme, a língua em perfeita sintonia com a sua, como se fossem feitos para se encontrar naquele exato momento, naquele exato lugar. Quando Max finalmente afastou o rosto, seus lábios ainda roçavam os dela, os dois ofegantes, os olhos fixos, famintos. — Eu não devia — ela disse, com a voz rouca, quase dolorida. — Eu sei — ele respondeu, ainda sem fôlego, o coração descompassado. — Mas mesmo assim está nos meus braços. E nem um dos dois parecia disposto a se arrepender.A boca de Max continuava explorando a dela com um desespero contido, como se ele estivesse tentando provar um ponto – ou talvez apenas se perder nela. As mãos dele deslizavam por suas costas, pressionando-a ainda mais contra seu corpo quente e sólido, e Cecília sentiu o mundo girar ao redor deles. — Você não deveria… — Ela tentou protestar entre os beijos, mas sua própria voz soava fraca, quase um gemido. — Eu nunca faço o que deveria, bela Cecília — Max respondeu contra seus lábios, o tom rouco e carregado de desejo. Os dedos dele subiram lentamente pelo corpete delicado de seu vestido, traçando um caminho torturante pela curva de sua cintura até a linha de suas costelas. O toque era firme, possessivo – e, ainda assim, parecia que ele estava se segurando para não ir além. Cecília estava em chamas. Cada parte de seu corpo parecia viva sob o toque dele, e a forma como Max a beijava – profunda, intensa, como se não houvesse mais nada no mundo – a fazia esquecer do noivado, das ob
Max encostou-se preguiçosamente ao arco da porta, a taça de vinho pendendo entre os dedos longos. Para qualquer observador desatento, ele parecia relaxado – quase entediado com a comoção ao redor. Mas, por dentro, cada músculo do seu corpo estava tenso, como uma corda prestes a se partir. Seus olhos não deixavam Cecília. Não conseguiam. Ele ainda sentia o gosto dela nos lábios – doce, quente, proibido. Sentia a pressão delicada do corpo dela contra o seu, o tremor leve de seus dedos quando, por um instante, ela correspondeu ao beijo. E, mesmo agora, enquanto Eduardo se ajoelhava diante dela com aquele maldito anel, Max podia jurar que o desejo ainda queimava em sua pele como um pecado que não podia – não queria – esquecer. A plateia suspirava em uníssono, alguns convidados murmuravam entre si sobre como eles formavam um casal perfeito. Um casal perfeito. Max quase riu – um riso amargo que ficou preso em sua garganta. Porque ele sabia a verdade. Sabia que, minutos antes, Cecíl
Álvaro girava o copo de uísque entre os dedos, a mente vagando enquanto o som abafado da música e das risadas ecoava pelos corredores. Ele não gostava de festas como essa – formais demais, previsíveis demais – mas, em uma família como a sua, recusar um evento social era um luxo que nem mesmo ele podia se permitir. Mas ele felizmente já estava de saída. Afinal, Cecília tinha pedido. Não com palavras diretas, é claro. Sua irmã era boa demais para pedir algo tão… mesquinho. Mas Álvaro a conhecia melhor do que ninguém. Percebera a tensão em seu sorriso quando lhe perguntou, mais cedo, se poderia “manter Max muito bem entretido e longe de problemas”. Problemas. Ele quase riu. Cecília nunca usava palavras casuais por acaso. E a julgar pelo modo como Max saíra do salão – rígido, sombrio e com a expressão de um homem à beira do limite – Álvaro tinha uma boa ideia de que tipo de problema sua irmã queria evitar. Foi fácil encontrá-lo. Homens como Max não se afastavam muito quando est
A música suave dos violinos ecoava pelo salão iluminado, enquanto casais rodopiavam em vestidos de seda e casacas bem cortadas. Cecília sorria, mantendo a postura impecável que a mãe tanto cobrava, mas, por dentro, sentia o coração inquieto – uma agitação que nada tinha a ver com o pedido de casamento que havia acabado de aceitar. Desde que Eduardo colocara o anel em seu dedo, o peso daquela joia parecia maior do que deveria. Um lembrete cintilante de tudo que estava em jogo — e de quem ela deveria esquecer. Mas Max… Ele estava ali. Ela podia senti-lo. Por um instante, cedeu ao impulso de procurá-lo no salão. Seus olhos se moveram com cautela até encontrá-lo perto da varanda. A luz dourada do lustre acariciava os traços afiados de seu rosto. Ele estava inclinado para mais perto de Álvaro, que ria de algo que apenas os dois partilhavam. Mas, ao contrário do irmão de Eduardo, que parecia se divertir, Max mantinha aquele sorriso preguiçoso que, de tão insolente, fazia algo perigoso
Cecília deixou a sala de desjejum com passos controlados, mas assim que virou o corredor e se afastou dos olhares vigilantes, seu corpo relaxou ligeiramente. Ainda assim, sua mente não encontrava repouso. Cada vez que fechava os olhos, a lembrança do toque de Max voltava com força devastadora – e agora ele estava longe, na companhia do homem mais libertino que ela conhecia. Ao chegar à sala de costura, encontrou sua mãe supervisionando as criadas que organizavam rolos de tecidos e amostras de renda. Dona Constança Monteiro de Alcântara era a personificação do controle e da elegância. Seus cabelos, sempre bem arranjados em um coque elaborado, e o vestido de seda lilás reforçavam a imagem de uma mulher que sabia seu lugar – e o da filha também. — Cecília, querida, finalmente. — A voz dela tinha um tom apressado, mas carregado de expectativa. — Precisamos decidir os detalhes do vestido de noiva. Afinal, seu casamento com Eduardo será o evento do ano. Cecília se aproximou, forçando u
Enquanto a conversa na sala de costura se dispersava, Cecília afastou-se sob o pretexto de buscar um livro na biblioteca. Mas, na verdade, ela precisava respirar — e, talvez, escapar da pressão sufocante das expectativas familiares. As janelas do casarão se abriam para um cenário deslumbrante: o Vale do Paraíba, com suas colinas cobertas de plantações de café que se estendiam até onde a vista alcançava. Os Vieira de Sá e os Monteiro de Alcântara estavam entre as famílias mais influentes da região, cujas fortunas haviam sido erguidas pelo ouro negro, como muitos chamavam o café. O Brasil, naquela época, era uma terra de contrastes fascinantes. Enquanto as elites rurais viviam em casarões majestosos como o seu, o Rio de Janeiro florescia como a capital do Império — uma cidade vibrante, onde o luxo dos salões aristocráticos convivia com o burburinho dos mercados e o cheiro salgado que vinha do porto. Navios chegavam e partiam carregados de café, açúcar e outras riquezas que sustentava
O sol começava a descer lentamente no horizonte, tingindo o céu do Rio de Janeiro com tons de âmbar e escarlate. A tarde quente e abafada parecia deixar tudo mais lento – menos os pensamentos de Max. Eles giravam, incessantes, em torno de uma mulher que ele não podia – não deveria – desejar. Max recostou-se na cadeira de madeira gasta do botequim, os ombros rígidos sob a camisa amassada. Álvaro, por outro lado, estava à vontade como sempre, os olhos brilhando com um prazer malicioso enquanto acendia um charuto cubano, o gesto calculado e quase insolente. — O que você realmente quer com tudo isso, Monteiro de Alcântara? — Max perguntou, deixando o cansaço transparecer na voz. — Já disse, quero ajudar um futuro membro da família a… aliviar as tensões. — Álvaro riu, soltando uma baforada preguiçosa de fumaça doce. — Mas se está perguntando o que eu ganho com isso… Bem, confesso que há algo de fascinante em observar um homem tentando fugir de algo que já o consumiu inteiro. O olhar
As ruas do Rio de Janeiro fervilhavam sob o sol da tarde, um contraste vibrante entre as construções elegantes e o caos colorido de carroças, vendedores ambulantes e o burburinho incessante da cidade em crescimento. Cecília, Amélia e Helena caminhavam lado a lado, seus vestidos esvoaçando a cada passo gracioso pelas calçadas de pedras irregulares. A prova do vestido havia sido exaustiva – ao menos para Cecília. Amélia, por outro lado, parecia cheia de energia e ideias que, para o desespero das irmãs, beiravam a completa imprudência. — Vocês sabiam — começou Amélia, ajeitando os cabelos presos em um coque displicente — que em Paris as mulheres já usam calças em público? Helena quase engasgou ao ouvir aquilo. — Calças? — O tom de incredulidade quase fez Cecília rir, mas ela se conteve. — Sim. — Amélia abriu um sorriso travesso. — E nem por isso a sociedade desmoronou. Imagine, andar a cavalo sem precisar de todas aquelas saias insuportáveis. E mais… — Seus olhos brilharam com m