O som dos saltos ecoava no chão de mármore do restaurante. Camila apertava os passos, equilibrando a bandeja com duas taças de vinho tinto, enquanto o coração batia mais rápido do que deveria. Talvez fosse o calor do salão, talvez fosse o fato de ele estar ali — sentado à mesma mesa da noite anterior, como se fosse dono do tempo, do espaço e, de alguma forma, da paz que ela não tinha.
Leonardo Aragon. Era esse o nome no cartão que ela secretamente havia puxado do bolso do paletó dele enquanto ele atendia uma ligação. Ela não o tinha devolvido. Desde então, pesquisou aquele nome como se buscasse respostas para uma dor antiga. Mas o que encontrou a confundiu ainda mais: Leonardo Aragon não era um cliente qualquer. Era o CEO da Aragon Enterprises, uma das maiores holdings de tecnologia da Europa. Bilionário. Recluso. E absolutamente perigoso, se estivesse ali por motivos que não eram apenas um jantar casual. — Deux verres de Saint-Émilion, monsieur, mademoiselle — disse Camila, com seu francês impecável, ao servir o casal da mesa ao lado da dele. Fingiu não ver o olhar dele. Mas o sentiu. Ardendo, queimando, perfurando sua nuca. Ela se afastou, indo em direção ao balcão. Seu peito subia e descia com raiva. Por que ele voltou? Por que agora? — Você está pálida, amiga — murmurou Júlia, a colega de trabalho e melhor amiga de Camila. — Aquele homem de novo? Camila assentiu, os olhos marejando sem motivo aparente. — Ele sabe meu nome, Júlia. Ontem, ele me chamou de Camila. Eu não disse meu nome a ele. Júlia franziu a testa. — Talvez ele tenha ouvido alguém te chamar... — Ou talvez ele me conheça — respondeu Camila, mais para si do que para a amiga. Júlia segurou em seu braço. — Cuidado, Cami. Gente assim nunca aparece por acaso. Antes que pudessem continuar, o gerente se aproximou, um sorriso forçado no rosto. — Camila, monsieur Aragon pediu que você o atenda pessoalmente novamente. Disse que pagaria o triplo. Ela travou. — Claro — respondeu automaticamente, sem saber de onde vinha tanta coragem. Ao se aproximar da mesa, Leonardo levantou-se, elegantemente, como se o mundo estivesse em câmera lenta. Seu terno preto parecia ter sido moldado em seu corpo. O cabelo levemente bagunçado era uma contradição sensual à perfeição controlada do resto. — Camila — disse ele, com aquela voz que parecia veludo em brasa. — Paris parece ainda mais bela esta noite. Ou será você que torna tudo mais... magnético? Ela não respondeu. Colocou o cardápio à frente dele com firmeza, mantendo-se ereta. — Qual será sua escolha esta noite? Ele sorriu. Um sorriso de quem já sabia a resposta. — Você. O coração de Camila pulou. Mas seu rosto permaneceu impassível. — O menu, senhor. Leonardo riu baixo, erguendo as mãos em rendição. — Très bien. O prato do dia, com um bom Bourgogne. E, se me permite, gostaria de saber qual sobremesa a senhorita recomenda. — Nenhuma. Estamos sem sobremesa. — Uma pena. Estava esperando algo doce ao final da noite. Ela se virou para sair, quando ele disse: — Ainda sonha com a noite em que tudo mudou? Camila congelou. Virou-se lentamente, os olhos arregalados. — Como? Leonardo inclinou-se na cadeira. — Nada. Apenas... algo nos seus olhos diz que carrega fantasmas. E eu tenho muitos dos meus. Camila saiu antes que ele dissesse mais. O ar lhe faltava. Seu passado vinha se aproximando, como um trem desgovernado prestes a explodir sua nova vida. No final do expediente, já era madrugada. Júlia a puxou pela mão, ignorando o cansaço. — Vem comigo. Um amigo meu tá dando uma festa particular no terraço de um hotel. Só gente rica, mas ele é legal. Camila hesitou. — Não tô com cabeça... — Justamente. Você precisa esquecer aquele homem. Vai, é um rooftop com vista pra Torre Eiffel! Relutante, Camila aceitou. O hotel era luxuoso. Camila se sentia deslocada no vestido preto simples que Júlia lhe emprestara, enquanto todos os outros pareciam saídos de editoriais da Vogue. Mas a vista realmente valia a pena. E então, lá estava ele. Alexandre Marchand. Alto, bonito demais para ser confiável, com um copo de uísque numa mão e uma expressão preguiçosa nos olhos claros. Quando viu Júlia, sorriu com um brilho malicioso. — Voilà! Chegaram as estrelas da noite. — Você disse que era uma reunião tranquila — reclamou Júlia, rindo. — E é. Só amigos... ricos, entediados e dispostos a cometer erros. Camila quase virou as costas. Mas Alexandre estendeu a mão educadamente. — Alexandre. E você é...? — Camila. Ele piscou. — Belo nome. Combina com mistério. Você sempre tem esse olhar de quem sabe mais do que diz? — Só quando estou tentando não ser seduzida. Júlia quase engasgou. Alexandre riu, encantado. Camila queria se distrair. Queria esquecer Leonardo. Mas enquanto olhava para Alexandre, jurava sentir... algo estranho. E então, ao virar-se para pegar um drink, o ar lhe faltou. Leonardo estava ali. Na festa. Encostado num dos pilares, um copo na mão e os olhos cravados nela. Como se soubesse exatamente onde ela estaria. Como se tivesse planejado cada passo. Camila sentiu o chão sumir. Paris era grande demais para tantos reencontros. Ou... talvez não. Talvez o destino fosse mais cruel do que ela imaginava. E Leonardo, muito mais perigoso do que ela queria acreditar.