Deise entrou no quarto com passos largos, decididos, como se o simples ato de caminhar pudesse afastá-la de tudo o que a sufocava. Seus movimentos eram ágeis, quase impacientes. O coração ainda batia acelerado com o que havia enfrentado minutos antes, mas ela não podia se permitir fraquejar — não agora. Assim que entrou no quarto, não pensou duas vezes: foi direto ao banheiro.
Abriu o chuveiro e deixou que a água escorresse rapidamente por seu corpo, tentando, em vão, lavar a raiva e o medo que pareciam impregnados em sua pele. Foi um banho apressado, sem o conforto de outros tempos. Saiu do banheiro e vestiu-se com um vestido de malha espessa, na cor bege, de gola alta — discreto, sóbrio, quase como uma armadura para encarar o mundo. Em seguida, pegou um casaco preto, pesado, como se antecipasse o frio lá fora ou, talvez, o frio que vinha de dentro daquela casa.
Ela se preparava para sair. Queria respirar, caminhar, desaparecer nem que fosse por algumas horas. No entanto, assim que começou a descer as escadas, o som de vozes masculinas a fez parar no meio do caminho. Seus olhos focaram na cena abaixo: Lucas estava de pé, com as mãos nos bolsos, conversando com Miguel, que segurava o pequeno Matias nos braços. A presença do cunhado a fez hesitar, e antes que pudesse recuar, captou parte da conversa.
— Miguel, se eu fosse você não ficaria de fora. Tem muito dinheiro envolvido. Mais do que você imagina. — a voz de Lucas era baixa, mas carregada de uma firmeza quase arrogante.
Miguel respondeu com a calma típica, mas com uma frieza cortante.
— É como eu já te disse, eu não preciso desse dinheiro. Eu tenho meus próprios princípios, e nenhum deles está à venda.
Lucas soltou uma risada curta, carregada de desprezo.
— Daqui a algumas horas, o nosso pai vai estar aqui. Vai querer todos à mesa. Venha jantar conosco, Miguel. Ao menos finja que se importa com esta família.
Miguel fez uma pausa antes de responder. Seu olhar se desviou para o alto da escada, onde Deise estava parada, e então ele disse com um tom mais brando:
— Vou pensar. Não te prometo nada.
E, voltando-se para a cunhada, seu olhar se suavizou um pouco mais, e ele disse com sinceridade:
— Deise... obrigado por cuidar do Matias.
Foi um agradecimento simples, mas carregado de reconhecimento. Sem esperar por resposta, Miguel virou-se e saiu pela porta da frente, deixando Lucas sozinho no hall.
Foi só então que Lucas percebeu a presença de Deise no topo da escada. Seus olhos a percorreram de cima a baixo, e um sorriso lento e presunçoso se formou em seus lábios.
— Venha. Precisamos conversar.
Deise manteve-se firme, mas sua voz saiu fria como gelo.
— Conversaremos outra hora. Eu estou de saída.
O sorriso de Lucas desapareceu instantaneamente. Seu rosto se fechou.
— Não me questione. Venha. Agora.
Deise até pensou em questionar, mas lembrou da última vez que fez isso e o que lhe aconteceu. Ela temia, e o que mais queria era se libertar daquele contrato. Assim, Deise terminou de descer os degraus. Irritada, passou por ele e seguiu até a sala de jantar com passos rígidos, controlando o ímpeto de simplesmente ignorá-lo e sair pela porta.
— Sente-se. — ele ordenou.
Ela sentou-se, cruzou as pernas e o encarou com um olhar de desafio. Seu rosto estava impassível, mas o coração pulsava com fúria controlada. Lucas permaneceu em silêncio por alguns segundos, como se estivesse saboreando o momento. Até que ela quebrou o silêncio.
— Vai ficar me encarando ou pretende falar logo?
Ele sorriu, satisfeito com a tensão que provocava nela.
— Você vai assinar um novo contrato. Atualizamos os termos do último.
A fúria explodiu dentro dela como um raio.
— Eu vou o quê?! — gritou, levantando-se de súbito. Seus olhos se arregalaram de incredulidade. — Você enlouqueceu?
— Exatamente como você ouviu, Deise. Tudo foi redigido novamente. Está mais... refinado. E hoje à noite, quando meu pai estiver aqui, quero que esteja ainda mais bonita do que de costume. Vista algo que impressione.
Ela deu um passo para trás, a voz embargada pela raiva.
— Eu não vou a esse jantar.
Lucas cruzou os braços e inclinou levemente a cabeça.
— Eu não estou pedindo. Estou ordenando.
Deise sentiu os olhos se encherem de lágrimas, um misto de revolta, humilhação e impotência tomando conta de seu corpo. Ela tentou conter o choro, mas as lágrimas escorreram silenciosas pelo rosto.
— Você não pode me tratar assim. Eu tenho cumprido todas as exigências desse maldito contrato. Não pisei fora de nenhuma linha. Não ultrapassei nenhum limite. — sua voz vacilava. — Eu não sou um objeto.
Mas ele sequer pareceu ouvi-la. Virou-se calmamente e disse com desdém:
— Você não disse que ia sair? Então vá!
Ela ficou parada, encarando-o, sentindo-se um animal encurralado. A vontade de gritar e quebrar tudo era esmagadora. Mas se conteve. Com a dignidade que ainda lhe restava, virou-se e começou a caminhar em direção à porta.
Mas Lucas não deixaria barato.
— Me acompanhe no café. Sente-se comigo. Agora.
Ela respirou fundo. Inspirou. Expirou. Fez isso várias vezes, tentando expulsar a raiva. Sabia que se desobedecesse, poderia sofrer consequências que não queria lembrar. Lembranças que ainda queimavam como feridas abertas.
Obedecendo mais uma vez, sentou-se ao lado dele, sem dizer uma palavra. Seus olhos estavam fixos na mesa, o maxilar tenso, as mãos cerradas.
Lucas ainda mexia em seu celular, como se ela não estivesse ali. Após alguns minutos de silêncio incômodo, disse:
— Trouxe um presente para você. Está no seu quarto. Vai usá-lo esta noite.
Ela o olhou com indignação, a voz carregada de dor.
— Por que está me tratando assim? Quando assinamos esse maldito contrato, era por um ano. Só um ano. Esse era o acordo. Por que está tentando me prender ainda mais? Por que mudou de ideia?
Lucas demorou a responder. Terminou o café calmamente, e então, sem sequer olhar para ela, respondeu com frieza:
— Você está fazendo um ótimo papel. Seria um desperdício te deixar ir agora.
Ela o encarou como se não o reconhecesse mais. Seu peito subia e descia com a respiração descompassada. Quando finalmente respondeu, sua voz saiu carregada de ódio:
— Faltam apenas alguns dias para esse inferno acabar. E no segundo em que esse contrato for encerrado, eu vou embora dessa casa. Para sempre.
Ela levantou-se com raiva, empurrou a cadeira para trás e caminhou em direção ao quarto, as lágrimas escorrendo pelo seu rosto. Mas antes que subisse a escada, ouviu, atrás de si, a voz dele — debochada, venenosa:
— Você deveria comer, querida. Vou precisar de você esta noite.
Ela fechou os olhos por um instante, mordendo o lábio inferior com tanta força que sentiu o gosto de sangue. E então saiu, sem dizer mais nada, com o coração em pedaços e a alma cansada de lutar contra correntes invisíveis.