2. CORRENTES INVISÍVEIS

Deise entrou no quarto com passos largos, decididos, como se o simples ato de caminhar pudesse afastá-la de tudo o que a sufocava. Seus movimentos eram ágeis, quase impacientes. O coração ainda batia acelerado com o que havia enfrentado minutos antes, mas ela não podia se permitir fraquejar — não agora. Assim que entrou no quarto, não pensou duas vezes: foi direto ao banheiro.

Abriu o chuveiro e deixou que a água escorresse rapidamente por seu corpo, tentando, em vão, lavar a raiva e o medo que pareciam impregnados em sua pele. Foi um banho apressado, sem o conforto de outros tempos. Saiu do banheiro e vestiu-se com um vestido de malha espessa, na cor bege, de gola alta — discreto, sóbrio, quase como uma armadura para encarar o mundo. Em seguida, pegou um casaco preto, pesado, como se antecipasse o frio lá fora ou, talvez, o frio que vinha de dentro daquela casa.

Ela se preparava para sair. Queria respirar, caminhar, desaparecer nem que fosse por algumas horas. No entanto, assim que começou a descer as escadas, o som de vozes masculinas a fez parar no meio do caminho. Seus olhos focaram na cena abaixo: Lucas estava de pé, com as mãos nos bolsos, conversando com Miguel, que segurava o pequeno Matias nos braços. A presença do cunhado a fez hesitar, e antes que pudesse recuar, captou parte da conversa.

— Miguel, se eu fosse você não ficaria de fora. Tem muito dinheiro envolvido. Mais do que você imagina. — a voz de Lucas era baixa, mas carregada de uma firmeza quase arrogante.

Miguel respondeu com a calma típica, mas com uma frieza cortante.

— É como eu já te disse, eu não preciso desse dinheiro. Eu tenho meus próprios princípios, e nenhum deles está à venda.

Lucas soltou uma risada curta, carregada de desprezo.

— Daqui a algumas horas, o nosso pai vai estar aqui. Vai querer todos à mesa. Venha jantar conosco, Miguel. Ao menos finja que se importa com esta família.

Miguel fez uma pausa antes de responder. Seu olhar se desviou para o alto da escada, onde Deise estava parada, e então ele disse com um tom mais brando:

— Vou pensar. Não te prometo nada.

E, voltando-se para a cunhada, seu olhar se suavizou um pouco mais, e ele disse com sinceridade:

— Deise... obrigado por cuidar do Matias.

Foi um agradecimento simples, mas carregado de reconhecimento. Sem esperar por resposta, Miguel virou-se e saiu pela porta da frente, deixando Lucas sozinho no hall.

Foi só então que Lucas percebeu a presença de Deise no topo da escada. Seus olhos a percorreram de cima a baixo, e um sorriso lento e presunçoso se formou em seus lábios.

— Venha. Precisamos conversar.

Deise manteve-se firme, mas sua voz saiu fria como gelo.

— Conversaremos outra hora. Eu estou de saída.

O sorriso de Lucas desapareceu instantaneamente. Seu rosto se fechou.

— Não me questione. Venha. Agora.

Deise até pensou em questionar, mas lembrou da última vez que fez isso e o que lhe aconteceu. Ela temia, e o que mais queria era se libertar daquele contrato. Assim, Deise terminou de descer os degraus. Irritada, passou por ele e seguiu até a sala de jantar com passos rígidos, controlando o ímpeto de simplesmente ignorá-lo e sair pela porta.

— Sente-se. — ele ordenou.

Ela sentou-se, cruzou as pernas e o encarou com um olhar de desafio. Seu rosto estava impassível, mas o coração pulsava com fúria controlada. Lucas permaneceu em silêncio por alguns segundos, como se estivesse saboreando o momento. Até que ela quebrou o silêncio.

— Vai ficar me encarando ou pretende falar logo?

Ele sorriu, satisfeito com a tensão que provocava nela.

— Você vai assinar um novo contrato. Atualizamos os termos do último.

A fúria explodiu dentro dela como um raio.

— Eu vou o quê?! — gritou, levantando-se de súbito. Seus olhos se arregalaram de incredulidade. — Você enlouqueceu?

— Exatamente como você ouviu, Deise. Tudo foi redigido novamente. Está mais... refinado. E hoje à noite, quando meu pai estiver aqui, quero que esteja ainda mais bonita do que de costume. Vista algo que impressione.

Ela deu um passo para trás, a voz embargada pela raiva.

— Eu não vou a esse jantar.

Lucas cruzou os braços e inclinou levemente a cabeça.

— Eu não estou pedindo. Estou ordenando.

Deise sentiu os olhos se encherem de lágrimas, um misto de revolta, humilhação e impotência tomando conta de seu corpo. Ela tentou conter o choro, mas as lágrimas escorreram silenciosas pelo rosto.

— Você não pode me tratar assim. Eu tenho cumprido todas as exigências desse maldito contrato. Não pisei fora de nenhuma linha. Não ultrapassei nenhum limite. — sua voz vacilava. — Eu não sou um objeto.

Mas ele sequer pareceu ouvi-la. Virou-se calmamente e disse com desdém:

— Você não disse que ia sair? Então vá!

Ela ficou parada, encarando-o, sentindo-se um animal encurralado. A vontade de gritar e quebrar tudo era esmagadora. Mas se conteve. Com a dignidade que ainda lhe restava, virou-se e começou a caminhar em direção à porta.

Mas Lucas não deixaria barato.

— Me acompanhe no café. Sente-se comigo. Agora.

Ela respirou fundo. Inspirou. Expirou. Fez isso várias vezes, tentando expulsar a raiva. Sabia que se desobedecesse, poderia sofrer consequências que não queria lembrar. Lembranças que ainda queimavam como feridas abertas.

Obedecendo mais uma vez, sentou-se ao lado dele, sem dizer uma palavra. Seus olhos estavam fixos na mesa, o maxilar tenso, as mãos cerradas.

Lucas ainda mexia em seu celular, como se ela não estivesse ali. Após alguns minutos de silêncio incômodo, disse:

— Trouxe um presente para você. Está no seu quarto. Vai usá-lo esta noite.

Ela o olhou com indignação, a voz carregada de dor.

— Por que está me tratando assim? Quando assinamos esse maldito contrato, era por um ano. Só um ano. Esse era o acordo. Por que está tentando me prender ainda mais? Por que mudou de ideia?

Lucas demorou a responder. Terminou o café calmamente, e então, sem sequer olhar para ela, respondeu com frieza:

— Você está fazendo um ótimo papel. Seria um desperdício te deixar ir agora.

Ela o encarou como se não o reconhecesse mais. Seu peito subia e descia com a respiração descompassada. Quando finalmente respondeu, sua voz saiu carregada de ódio:

— Faltam apenas alguns dias para esse inferno acabar. E no segundo em que esse contrato for encerrado, eu vou embora dessa casa. Para sempre.

Ela levantou-se com raiva, empurrou a cadeira para trás e caminhou em direção ao quarto, as lágrimas escorrendo pelo seu rosto. Mas antes que subisse a escada, ouviu, atrás de si, a voz dele — debochada, venenosa:

— Você deveria comer, querida. Vou precisar de você esta noite.

Ela fechou os olhos por um instante, mordendo o lábio inferior com tanta força que sentiu o gosto de sangue. E então saiu, sem dizer mais nada, com o coração em pedaços e a alma cansada de lutar contra correntes invisíveis.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App