As palavras de Lucas ainda ecoavam na mente de Deise enquanto ela permanecia ali, imóvel, no centro do quarto, tentando recuperar o controle da respiração. A caixa luxuosa repousava sobre a cama, mas parecia mais uma armadilha do que um presente.
Ela se afastou lentamente daquilo, como se pudesse pegar fogo a qualquer momento. Envolta no silêncio, caminhou até a janela e abriu-a, deixando o ar frio da manhã invadir o cômodo. O vento cortava, mas era o único conforto real que conseguia sentir naquele momento.
Seus olhos estavam vermelhos, as lágrimas secas ainda marcavam seu rosto. Deise olhou o horizonte cinzento de Nova Iorque, e por um instante desejou ser carregada para longe, como uma folha solta ao vento.
Foi quando escutou o leve som do celular vibrando em cima do criado-mudo. Correu até ele com uma ansiedade silenciosa. Quando viu o nome na tela, seu coração acelerou.
Miguel.
Ela atendeu rapidamente, como se aquela chamada fosse sua tábua de salvação.
— Oi... — sua voz saiu baixa, trêmula.
— Deise, mais uma vez obrigado por ficar com o Matias... — a voz dele era firme, mas havia um toque de preocupação nítido. — Está tudo bem? Você está chorando?
Ela tentou responder, mas a garganta embargada a impediu. Ele, do outro lado, soube na hora que algo estava errado.
— O que meu irmão aprontou dessa vez? Ele te machucou?
— Não... fisicamente, não. Mas me sinto presa, sufocada. Estou presa a este maldito contrato devido a uma dívida misteriosa que meu pai fez. Eu não consigo compreender, meu pai sempre foi um homem íntegro e honesto, ou talvez eu não o conhecesse… — fez uma pausa longa, engolindo o choro. — Seu irmão acabou de me dizer que renovou algumas cláusulas do contrato. Eu não sei até quando suportarei isso, eu não sei...
Houve um silêncio carregado do outro lado da linha. Miguel respirou fundo.
— Calma, calma. Hoje mesmo. — disse com firmeza. — Prometo, Deise. Hoje à noite, vou resolver isso com o meu pai. E se for preciso... com Lucas também.
Ela se sentou na beirada da cama, abraçando as próprias pernas, como uma criança em busca de proteção.
— Mas você disse que não viria.
A voz dele suavizou.
— Eu pensei bem e decidir comparecer a esse jantar, talvez chegue tarde, mas irei. Eu prometo.
Ela fechou os olhos, absorvendo cada palavra como um bálsamo. Depois que desligaram, permaneceu ali por alguns minutos, apenas ouvindo o som da cidade lá fora e tentando reunir forças para enfrentar mais um dia.
A tarde passou arrastada. Deise recusou o almoço, preferindo o silêncio do quarto. A caixa do vestido ainda estava sobre a cama, intocada. Parte dela queria queimá-la, mas sabia que aquilo significaria mais confronto com Lucas, e naquele momento, ela precisava manter a calma até o jantar.
O crepúsculo já tingia o céu com tons alaranjados e sombras azuladas quando os primeiros ruídos de um carro de luxo cortaram o silêncio ao redor da mansão. O som dos pneus sobre o cascalho da entrada foi seguido pelo abrir lento da pesada porta principal. Era quase noite quando Roberto Duarte surgiu como uma figura de presença marcante, envolto em uma aura que parecia deslocada do tempo comum.
Ele atravessou o hall com a tranquilidade de quem domina não apenas a própria casa, mas também os segredos que nela habitam. Alto, imponente, com os ombros retos e a postura impecável, Roberto era o retrato de um homem moldado por gerações de poder. Seus cabelos loiros, já com alguns fios grisalhos estrategicamente espalhados, davam-lhe uma aparência ainda mais sofisticada. Os olhos — cristalinos, profundos, quase hipnóticos — tinham algo de perigoso, como quem vê além do que é dito. Sua beleza, embora madura, tinha um magnetismo devastador. E mesmo que seu comportamento carregasse a firmeza de um líder que jamais se deixa contrariar, havia em sua voz uma suavidade encantadora, como se soubesse exatamente como manipular cada tom para obter o que queria.
Ele cumprimentou discretamente os funcionários da casa com uma leve inclinação de cabeça e dirigiu-se à sala de estar. Não precisou dizer uma palavra para saberem o que fazer. Sentou-se no seu sofá favorito — um amplo estofado de couro escuro, sob a luz indireta de uma luminária de canto — e, com um gesto simples da mão, pediu que trouxessem vinho. Logo em seguida, ordenou:
— Chamem Deise.
Não foi necessário repetir. Sua presença já era ordem suficiente.
Deise apareceu minutos depois, entrando com passos calculados, mas o olhar ainda carregado das tensões do dia. Quando seus olhos encontraram os de Roberto, ela hesitou por um instante. Havia algo nele que sempre a desestabilizava — talvez fosse que ele enxergava nela mais do que ela queria revelar.
Ele abriu um sorriso largo, encantador, e sua voz saiu baixa, quase melodiosa.
— Que prazer revê-la, minha querida. Como tem passado? Beba um pouco comigo. — disse, estendendo-lhe uma taça de vinho recém-servida, sem desviar os olhos dela.
Deise aceitou o gesto, mas não sorriu. Seus dedos tocaram a taça com leveza, embora por dentro sua mente estivesse em turbilhão. Era como se estivesse prestes a pisar em um campo minado.
— Eu preciso mesmo conversar com o senhor... É sobre o Lucas.
Roberto não demonstrou surpresa. Levou a taça aos lábios com calma, provou o vinho com um leve balançar de cabeça e apenas depois respondeu:
— Vejo que meu filho andou ultrapassando limites novamente. — disse, num tom entre a ironia e o cansaço. — Ele a desrespeitou? Ou quebrou as regras do nosso acordo?
Deise hesitou antes de responder, mas sua voz foi firme.
— Ele fez outro acordo. Um que não passou pela sua aprovação. E ao fazer isso... Ele violou as condições que o senhor mesmo impôs.
Roberto permaneceu em silêncio por um momento. Seu olhar se desviou da taça para a lareira apagada do outro lado da sala. Era como se estivesse processando a informação, ou talvez apenas fingindo que pensava. Então, com um suspiro leve, respondeu:
— Entendo... Vou conversar com ele. Pode ficar tranquila.
Mas Deise sabia que aquela conversa, da parte dele, estava encerrada. Roberto raramente estendia discussões. Ele decidia — e ponto. Ainda assim, ela manteve o semblante sereno, embora por dentro tivesse vontade de continuar. Sabia que era inútil insistir.